Ao contrário do que alguns “apóstolos” da candidatura de Mário Soares insinuam não há qualquer “estado de choque” no círculo próximo de Cavaco Silva, perante a quase certa candidatura presidencial do principal fundador do PS. “Nada fez arrefecer o ânimo do antigo primeiro-ministro”, segundo disse ao SEMANÁRIO uma personalidade que tem acompanhado a preparação da candidatura presidencial de Cavaco Silva.
“Evidentemente – acrescenta a mesma fonte – Mário Soares obriga ao reforço estratégico das linhas de candidatura, mas em nada diminui a vontade de servir os portugueses na Presidência da República, que anima Cavaco Silva. Mesmo sem Mário Soares, na corrida, Cavaco Silva sabe que tem de se submeter ao juízo dos cidadãos portugueses, que deve ser estruturada uma campanha eleitoral e que deve haver confronto democrático, esclarecedor e rigoroso. Para que os portugueses possam escolher em absoluta liberdade de consciência.”
A nossa fonte acrescentou que Cavaco Silva não vai alterar o seu calendário, ou seja, só assumirá formalmente a sua candidatura presidencial depois da realização das eleições autárquicas. Contudo, não estão excluídos sinais concretos de que a sua decisão está tomada. Tais indicações surgirão logo após Mário Soares revelar a sua disponibilidade para assumir mais um mandato presidencial, depois de um interregno de dez anos. O modo e a forma de tornar públicos esses sinais estarão a ser estudados neste momento pelo circulo restrito que vem apoiando Cavaco Silva. Provavelmente, numa declaração aos jornalistas, por ocasião de uma das várias intervenções públicas que estão previstas durante o mês de Setembro.
Os dois candidatos têm uma larga experiência de coabitação institucional. Enquanto primeiro-ministro nos primeiros tempos da democracia portuguesa, são conhecidas as relações muito difíceis e muito crispadas entre Mário Soares e Ramalho Eanes, que afectou durante muitos anos o relacionamento pessoal entre ambos e que só foi atenuado há quatro anos, quando Eanes resolveu apoiar a candidatura à Câmara de Lisboa de João Soares, nas eleições em que, aliás, foi eleito Pedro Santana Lopes. Por sua vez, já na qualidade de Presidente da República, Mário Soares coabitou durante dez anos consecutivos com Cavaco Silva.
Um confronto eleitoral entre Mário Soares e Cavaco Silva tem vários aliciantes políticos, mas o SEMANÁRIO julga saber que Cavaco Silva não entrará pelo caminho de um certo ajuste de contas, “embora não hesite em repor a verdade se Mário Soares entrar nesses terrenos dos dez anos de coabitação. O ex-Presidente que não esqueça dos seus telhados de vidro nessa matéria. Basta ter lido os escritos já publicados por Cavaco Silva sobre esse período. Seguramente, o que interessa aos portugueses não é qualquer ajuste de contas entre ambos, mas o futuro de Portugal e o modo como cada um dos candidatos vê o futuro, durante o período de cinco anos em que se propõem estar em Belém, na suprema magistratura do País”.
Estas confidências da aludida fonte não esbatem a importância do debate que terá ser efectuado sobre as relações entre o Governo do PS, liderado por José Sócrates, que dispõe de uma maioria absoluta e o futuro Presidente da República.
O debate não será inútil, mas Mário Soares pode ficar em desvantagem, até pela forma de intervenção política que tem assumido ao longo da sua carreira política, incluindo, ou sobretudo, durante os dez anos em que esteve em Belém. Logo nos primeiros meses – ainda no tempo do Governo de minoria de Cavaco Silva -, Mário Soares tudo fez para corroer a liderança de Vítor Constâncio no Partido Socialista, de tal modo que o hoje governador do Banco de Portugal breve deixaria o cargo de secretário-geral do PS, com graves acusações ao então Presidente da República. Durante a segunda maioria absoluta de Cavaco Silva, a partir do Palácio de Belém, Mário Soares tudo fez para minar a acção do Governo, desde algumas actuações concretas às ameaças que durante largo tempo pairaram na comunicação social de que poderia dissolver o parlamento.
Alguns analistas têm procurado especular o tipo de relações de coabitação que o Governo de José Sócrates terá com Cavaco Silva, na perspectiva da eleição deste para Belém. Alguns vão mesmo muito longe ao prever uma crispação absoluta entre Sócrates e Cavaco Silva, em contraponto com uma “lua-de-mel” permanente, na eventualidade de ser Mário Soares o próximo inquilino de Belém.
As especulações são o que são, permito–me porém dizer apenas que, em matéria de coabitação institucional, Cavaco Silva tem uma experiência única que muito lhe servirá, não para criar dificuldades políticas ao Governo, mas para exercer uma magistratura de influência positiva na acção do Governo que possa ser útil e benéfica aos portugueses. Seria muito grave, que alguém pensasse que, no papel de Presidente da República, Cavaco Silva pratique uma espécie de “vendetta” contra o Governo, só porque ele, enquanto primeiro-ministro foi contrariado vezes sem conta pelo Presidente da República… Mário Soares.
Ou seja, Cavaco Silva aprendeu, por experiência própria, por vezes dura, o que devem ser as relações entre o Presidente da República e o primeiro-ministro e o respeito institucional, pelas competências próprias de cada órgão de soberania.
Recorrendo à mesma fonte, próxima de Cavaco Silva, com este em Belém “a Presidência da República não será, seguramente, uma central de intriga política, alimentada artificialmente na comunicação social, contra o Governo. E isso aconteceu muitas vezes com Mário Soares, sobretudo a partir do segundo mandato”.|PC