Maria Cavaco Silva esteve anteontem em Belém, como amiga de Vasco Graça Moura, e houve quem lhe notasse já uma “pitada” de primeira dama. Não se trata de nenhuma ironia. A candidatura presidencial do antigo primeiro-ministro avança inexoravelmente, mas as contas estão feitas, o anúncio oficial ocorrerá depois das autárquicas, numa cerimónia em que Cavaco vai aparecer sozinho e em local emblemático, porventura o Centro Cultural de Belém, uma das obras mais significativas e pomposas construídas durante o tempo em que chefiou o Executivo.
Muito discretamente e com o compromisso de sigilo absoluto, Cavaco Silva já iniciou, directamente nalguns casos e por interpostas pessoas noutros, contactos preliminares para erguer a estrutura de apoio à sua candidatura, onde a “máquina” do PSD terá papel “preponderante mas não liderante” de acordo com uma confidência de alguém que é próximo do futuro candidato presidencial. Os textos programáticos estão praticamente concluídos e devem apenas sofrer retoques, sobretudo se até ao momento da apresentação formal da sua vontade de ser o próximo Presidente da República, a conjuntura política, nacional e internacional, sofrer alterações bruscas. Por exemplo a súbita demissão do ministro das Finanças, anunciada anteontem, impressionou, negativamente Cavaco Silva, embora não sejam de esperar “comentários a quente”. Mas disto se falará adiante, no contexto de uma previsão das relações entre Cavaco Silva, se for eleito, e o Governo de maiorias absoluta do Partido Socialista.
Nos preparativos da campanha, “ninguém brica em serviço”, (de acordo com a mesma fonte). Há que escolher a Comissão de Honra, que no plano estritamente partidário deverá contar com Manuela Ferreira Leite, João de Deus Pinheiro, Eduardo Catroga, entre outros notáveis e um pequeno núcleo de individualidades independentes oriundos dos mais diversos sectores da sociedade portuguesa. A escolha do mandatário nacional tem alguma relevância ( o PSD gostaria por exemplo que Pinto Balsemão – pelo simbolismo e ligação ao PSD e a Sá Carneiro, a cujo governo ambos pertenceram – fosse o escolhido, mas não há nenhuma reacção por parte do núcleo cavaquista) e, depois, dos mandatários distritais, regionais e concelhios.
Após o anúncio oficial da candidatura proceder-se-á à recolha das assinaturas proponentes, cujo número mínimo é de cinco mil, mas que deverá ser largamente ultrapassado. Também aqui há critérios pré definidos, para que haja uma equitativa distribuição territorial, pelos diversos pontos do País, sem esquecer as regiões Autónomas e as comunidades emigrantes espalhadas pelo Mundo, que também fazem parte do eleitorado que vai escolher o sucessor de Jorge Sampaio.
O PS apresentará um candidato presidencial e se não houver surpresas ou volte faces – até a acreditar pelas reacções do núcleo duro do PS, a começar por Jorge Coelho à controversa (no mínimo…) entrevista de Freitas do Amaral ao Diário de Notícias – tudo indica que Manuel Alegre será o escolhido. “Neste sentido é possível que Alegre assuma o estatuto de candidato presidencial no inicio de Setembro, ainda antes de iniciada a campanha eleitoral para as autárquicas”. Este é pelo menos o sentido recolhido pelo SEMANÁRIO ao longo da semana, junto de várias fontes socialistas. A concretizar-se esta informação, “não será ela que vai alterar os planos de Cavaco Silva e dos seus próprios tempos políticos. A apresentação oficial da candidatura vai fazer-se após as autárquicas, como ele próprio já deixou subentender em recente. Está tudo pronto, o tempo é suficiente para cumprir os prazos constitucionais e, a partir daí é só por tudo em movimento”. É mais uma informação que fica, de um outro elemento do círculo cavaquista.
Futuro de Sócrates em causa
Não é indiferente a Cavaco Silva – bem pelo contrário – a situação política concreta do País. Não lhe causará dificuldades a inevitável coabitação com um governo socialista, ainda por cima dispondo de maioria absoluta. Se for eleito, Cavaco leva consigo uma invejável e única experiência de relacionamento institucional entre o Presidente da República e o primeiro-ministro. Durante pouco menos de dez anos consecutivos, o primeiro-ministro Cavaco Silva coabitou com o Presidente Mário Soares, num tempo que teve inúmeras dificuldades, como ele próprio conta nas suas memórias. A questão não é a coabitação, mas na pouca solidez política que o Governo tem revelado desde que assumiu o poder há pouca mais de quatro meses, acrescido da uma profundíssima crise económica, financeira e social. É que a par de medidas consideradas corajosas e urgentes o Governo tomou medidas que “desqualificaram a classe política”, e isso em nada terá beneficiado a imagem do Governo ( no fecho desta edição dizia ao SEMANÁRIO uma deputada social-democrata com muitos anos de vida política: assim que entro num táxi, a primeira coisa que me perguntam é quantas reformas tenho e qual é o seu valor…).
A demissão de Campos Cunha, causou um sobressalto em Cavaco Silva. Não só por se tratar de um seu discípulo, por quem tem consideração pessoal, mas porque essa demissão significa ou corrobora a suspeita de tensões “insuportáveis” no seio do próprio governo, que acabaram por derrotar as teses de contenção de Luís Campos Cunha. Além disso, depois de anunciadas os cortes dos “privilégios” aos políticos e aos gestores públicos, veio a descobrir-se que o próprio ministro chegava ao governo usufruindo uma choruda reforma ( tomando como comparação a generalidade das pensões) pelo curto período em desempenhou as funções de vice governador do Banco de Portugal, facto que vulnerabilizou o novo titular das Finanças, que, a esse propósito ainda cometeu a “imprudência” de dar uma conferência de imprensa com a sua esposa ao lado…
Como quer que seja, alguns observadores políticos e alguns especialistas de ciência política, a par de dirigentes com enormes responsabilidades nos diversos partidos, incluindo o próprio PS, receiam que a demissão de Campos Cunha, o voluntarismo dos ministros dos Negócios Estrangeiros e das Obras Públicas e algum desagrado latente na máquina socialista, possam pôr em causa, num prazo relativamente curto, a subsistência à frente do Governo do próprio Primeiro Ministro. Num digressão feita pelo SEMANÁRIO junto do Parlamento, foram ouvidos reparos muito contundentes e preocupantes ao modo como Sócrates agiu no debate sobre o Estado da Nação. “Apesar de nesse dia tudo ficar na penumbra – incluindo os problemas do nosso País – por causa dos atentados terroristas de Londres, o primeiro-ministro atacou tudo e todos de modo muito violento e crispado, mas o pior disso tudo é que passou mais de duas horas aos gritos. Não falava como uma pessoa normal, gritava sempre que esteve no uso da palavra. Num primeiro ministro trata-se de um sintoma preocupante no que diz respeito ao seu ânimo político”, anotaram várias bancadas Neste contexto há quem preveja, em primeiro lugar que a crise gerada pela saída de Campos e Cunha, seja apenas um primeiro sinal de desagregação interna do Governo e que mais noticias infaustas, a curto prazo ponham em causa a própria manutenção de José Sócrates à frente do Governo. O SEMANÁRIO recolheu mesmo o testemunho de um importante dirigente político, com uma longuíssima carreira pública, que exigiu não ser identificado, nos seguintes termos: “Oxalá me engane, mas o Sócrates não aguenta o Governo até ao fim do ano. Vai cair em Novembro ou em Dezembro, podemos mesmo ter uma reedição à moda de António Guterres! É sem dúvida uma especulação política, feita por quem julga conhecer bem José Sócrates. Pode confirmar-se ou não se confirmar, mas abre espaço a diversas conjecturas, que ganham enorme relevância no contexto das eleições autárquicas e sobretudo das presidenciais. Com mais acuidade para as últimas, na perspectiva da provável eleição de Cavaco Silva para Belém
António Vitorino pode ser alternativa
A abrir-se uma crise muito grave no seio do Governo
(por incapacidade ou desistência de José Sócrates) teríamos o Presidente da República no centro dos acontecimentos, numa fase muito delicada e melindrosa, como são quase sempre os fins de mandato. Ainda assim, se crise se desencadear até ao fim do ano, será Jorge Sampaio um elemento fundamental do xadrez político. Cabe-lhe desenvolver os mecanismos de solução, sendo certo, porém que já lhe está vedado o poder de dissolver o Parlamento, além de que a principal câmara política do país foi eleita no principio deste ano, ainda para mais com uma maioria absoluta de um só partido. Portanto, se eclodir uma crise política com a gravidade que alguns admitem, Jorge Sampaio, por mais consultas que faça não pode deixar de pedir ao PS que lhe indique uma personalidade a quem solicite a formação de um novo Governo.
Voltaríamos, passado um ano, a um cenário semelhante ao que antecedeu a demissão do Governo de Santana Lopes, com a diferença de que o Presidente está enfraquecido nos seus poderes. Uma de duas coisas pode acontecer: a nomeação de um primeiro ministro interino ( António Costa, com certeza) saído do actual elenco, até que o PS legitime inequivocamente o novo líder, ou nomear um novo Chefe do Governo, indicado pelas estruturas legitimas do PS.
Do ponto da legitimidade política, os principais dirigentes socialistas, tenderão a escolher o primeiro caminho, isto é, um primeiro ministro interino até à escolha do novo líder do PS ( os socialistas não esqueceram as criticas que dirigiram a Santana Lopes, há bem poucos meses, quando este “herdou” o governo e teve um interinato na liderança do PSD antes do Congresso em que foi eleito e José Sócrates até lhe dirigiu algumas farpas no Parlamento a esse propósito). Há, no entanto uma dificuldade suplementar, que e a complexidade da situação política do país: As eleições autárquicas no principio de Outubro, eleições presidenciais em Janeiro, o PS quer ainda uma brecha para fazer o referendo sobre o aborto e, no caso de eclodir uma crise governativa ter de preparar com rapidez um congresso para eleger o líder ( onde poderia ser queimada a etapa das eleições directas pelos militantes…)
Descritos os eventuais cenários, deve ainda salientar-se que, à boca muito pequena e numa perspectiva de mudança brusca de liderança socialista e na Chefia do Governo, emerge, agora, outra vez e de um modo mais premente, a figura do Dr António Vitorino. Dificilmente o antigo ministro e comissário europeu poderás fugir a esses desígnios, se José Sócrates falhar. Assumindo algumas vezes, o papel de D. Sebastião, Vitorino furtou-se até agora a responsabilidades governativas, sobretudo depois de ter deixado Bruxelas. Pode estar próxima a sua manhã de nevoeiro, na atribulada vida política portuguesa…
Cavaco e Vitorino
Tais factos, a desencadearem-se, conferem um outro ângulo de análise às próximas eleições presidenciais, sempre na linha do favoritismo que é atribuído a Cavaco Silva na próxima corrida presidencial. É que António Vitorino, com a sua recente intervenção semanal na RTP, conseguiu suplantar, em termos de comunicação, Marcelo Rebelo de Sousa. Por algum demérito (ou cansaço?!…) de Marcelo, mas sobretudo pela capacidade analítica, pela simplicidade de linguagem, pela persuasão das suas convicções e conhecimentos do antigo Comissário Europeu. A sua intervenção é algo que lhe dá prazer objectivo no plano pessoal, mas que, em complemento que lhe confere uma notoriedade, muito positiva acima da média.
António Vitorino tem estofo de estadista, é um dos mais brilhantes dirigentes das novas gerações, é consistente nas suas convicções políticas, tem uma experiência internacional invejável, designadamente em áreas vitais, como a segurança e a justiça. Tem capacidade de liderança e é frio e racional Como eventual futuro primeiro-ministro, a breve prazo, tem todas as condições para fazer uma coabitação institucional muito eficaz e proveitosa para o País, com Cavaco Silva se este, por sua vez e como tudo indica, for eleito Presidente da República. A situação política portuguesa ganhou, subitamente foros de grande desassossego, com a ameaça de novas crises. Resta saber como vão ser ultrapassadas as tensões no interior da maioria absoluta e se José Sócrates, depois de sucessivas desafinações, pôr a sua Orquestra (governo) e o seu coro (PS) numa verdadeira sinfonia que sirva os interesses de Portugal. Infelizmente há cada vez menos gentes a acreditar nessas qualidades de maestro do actual primeiro ministro. Contudo, no poder há quatro meses, não é de excluir que José Sócrates não tenha esgotado todos os seus trunfos e que ainda tenha capacidade de surpreender o país pela positiva. Caso contrário sairá de cena de uma forma ainda mais dramática do que o seu parceiro de debates televisivos e antecessor no cargo, chamado Pedro Santana Lopes.