Fernando Teixeira dos Santos dá garantias de prosseguir uma política capaz de ligar rigor financeiro e consciência social.
E ele sabe bem que nem todo o investimento é virtuoso, como, aliás, sempre tem dito, em nome do bom senso.
I. Mudou o ministro das Finanças, mas não mudou o Governo, nem o seu Programa. A disciplina, o esforço, o rigor, têm de continuar. A credibilidade da economia portuguesa obriga-o. O desígnio da convergência com os nossos parceiros determina-o. Fernando Teixeira dos Santos dá garantias de prosseguir uma política capaz de ligar rigor financeiro e consciência social. E ele sabe bem que nem todo o investimento é virtuoso, como, aliás, sempre tem dito, em nome do bom senso. Todo o investimento público carece de escrutínio e de avaliação rigorosos. Impõe-se, assim, fazer a ponderação de custos e benefícios, e é isso que terá de ser feito. O novo ministro das Finanças é um discípulo de António Sousa Franco, com quem trabalhou muito bem durante quatro anos. Esse facto é muito relevante, sobretudo percebendo que (ao contrário do que afirmam alguns analistas do curto prazo) a linha política de que precisamos neste momento é a de uma “disciplina inteligente”, com os olhos postos no crescimento, no emprego e na convergência, contra a subalternização de uma dinâmica necessária de crescimento.
II. Há dias, Jean-Paul Fitoussi punha o dedo na ferida: “Se um país renunciar ao crescimento para resolver o problema do défice orçamental, terá menos receitas fiscais e a questão orçamental ficará mais difícil de sanar. Neste clima as empresas não investem. Ora, o motor do crescimento é o investimento” (Expresso, 18.6.05). Eis o que terá de distinguir a boa da má despesa pública: a capacidade de criar emprego, de desenvolver a economia e de aumentar a confiança dos agentes económicos e das pessoas. Mas vejamos o que nos diz mais o economista francês: “Há um problema de funcionamento da democracia na União Europeia”. Falta coordenação de políticas económicas e uma efectiva articulação entre as políticas nacionais e o Governo económico da União. A cegueira orçamental confunde-se com a necessária disciplina e o resultado está à vista. A crise europeia deve-se à falta de instrumentos que envolvam os cidadãos e que permitam fazer face ao desemprego e à estagnação. A obsessão do défice determinou perda de competitividade em relação não só aos Estados Unidos, mas também relativamente às novas economias emergentes.
III. A resposta europeia é indispensável. “Não há nada pior do que uma economia dizer a uma parte da sua população (a dos desempregados) que não precisa dela. Contudo, reconheço que Portugal está numa situação muito melhor que a de muitos países europeus, sobretudo melhor que a de Espanha e a de França. Há uma grande diferença entre uma taxa de desemprego de 7% e de 10%” – disse ainda Fitoussi, alertando-nos contra um discurso falso e depressivo, com resultados perversos. No entanto, Portugal tem um problema de crescimento e de estratégia de política económica – “a única estratégia seguida por Portugal foi de restrição orçamental, para satisfazer as regras europeias. Adicionou um choque recessivo a outro choque recessivo”… O que falta afinal? Falta governo económico da União Europeia e coordenação de políticas. Falta um equilíbrio entre as regras e o funcionamento da União Monetária e a consagração necessária de uma União Económica, que ainda não existe, e que é indispensável. Não basta termos um guardião da estabilidade de preços, é essencial termos também quem respeite o objectivo de pleno emprego. Seria como se nos Estados Unidos a Reserva Federal funcionasse em autogestão. E não funciona. O Presidente dos Estados Unidos e o Congresso têm um papel fundamental, político e democrático. Precisamos, de facto, de um tandem Conselho Europeu/Banco Central Europeu, que se articule e que funcione através de uma complementaridade efectiva entre as instituições europeias e os parlamentos nacionais. A Europa precisa de respirar. Eis por que razão estão enganados quantos julgam que é o tratado constitucional o responsável pela crise actual.
IV. A crise actual deve-se à ausência de Europa política, que não pode nem deve confundir-se com uma estrutura burocrática, centralizada e incontrolável. O problema é de democracia e de cidadania. Falta audácia. E em vez dela temos a inércia omnipresente dos que apenas querem ficar onde estão. É verdade que os caminhos da reforma são insondáveis e imprevisíveis, mas o certo é que sem a coragem de lançar um impulso reformista no sentido do crescimento e do emprego, da competitividade e da confiança, da diferenciação positiva e da coesão social, continuaremos na senda da mediocridade e da decadência. Não o esqueçamos.