O professor Freitas do Amaral tem, por razões que só ele sabe, essa convicção que António Guterres não vai ser candidato presidencial do PS, e que, nessas circunstâncias, ele ainda tem alguma hipótese da ser o candidato da esquerda. Há actos que Freitas do Amaral poderia evitar.
O professor Freitas do Amaral tem, por razões que só ele sabe, essa convicção que António Guterres não vai ser candidato presidencial do PS, e que, nessas circunstâncias, ele ainda tem alguma hipótese da ser o candidato da esquerda. Há actos que Freitas do Amaral poderia evitar. E, o resultado está à vista: ele não leva um só voto para o PS, nem dá mais credibilidade aos socialistas, ou ao engenheiro Sócrates. Pelo contrário, irrita o centro e a direita, ou seja, mobiliza o centro e a direita.
As razões de Freitas do Amaral, para além das tácticas, são subscritas por todos os europeus: nenhum Governo europeu merece ganhar eleições, excepto se não houver alternativa melhor. É o efeito da anemia económica, do disparate do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Todos fizeram a mesma política; todos cometeram os mesmos erros; e todos estiveram calados, coniventes no desastre. Mas, como acontece em França ou na Alemanha, a questão é que a alternativa não é melhor que a situação. E, é, por isso, que os governos ganham as eleições na Europa. (O caso espanhol é excepcional e tem a ver com a gestão do 11-M.)
Ora, em Portugal, não há nenhuma razão para este governo e esta maioria parlamentar perderem as eleições. Ou melhor dito, não há nenhuma razão para esta oposição as ganhar.
As sondagens estão aí para confirmar (apesar das limitações) a tendência de perda de peso eleitoral da esquerda: da maioria absoluta do PS já ninguém fala e ela era uma certeza, há menos de quatro semanas. Na sondagem de ontem, publicada na “Visão”, a direita já estava a dois pontos do PS. Ora, com mais de três semanas de campanha eleitoral, parece evidente que a direita vai recuperar esses pontos, até porque a dinâmica de perda do PS parece incontrolável.
A partir daqui, todos os cenários são possíveis, desde que excluam uma maioria absoluta de um só partido. E, neste sentido, o eleitorado responde à letra a António Guterres, que desprezou a maioria absoluta do queijo limiano, quando sentiu que as dificuldades económicas estavam de volta e abandonou o governo, permitindo o regresso da direita ao poder, condicionada, contudo, com a necessidade de fazer uma política de contenção, em face da situação das finanças públicas: o PS não merece maioria absoluta.
Assim, não podendo o próximo parlamento ser dissolvido, por falta de poderes presidenciais, pelo menos até ao Verão de 2006, sendo instável a solução de um governo minoritário do PSD ou do PS e estando inviabilizada qualquer hipótese de Frente Popular ou acordo com incidência governamental, à esquerda (em face do radicalismo do BE e da memória da experiência governamental dos governos provisórios, onde o PS esteve aliado ao PCP no Governo), as alternativas que se colocam passam por entendimentos entre o PSD e o PP (conforme acordo celebrado), o PS e o PP (por causa do regime e da questão NATO, de acordo com Paulo Portas) ou, finalmente, pelo Bloco Central (o pacto de regime necessário segundo Jorge Sampaio).
Ou seja, a solução de estabilidade política desejada pelo Presidente da República só será possível, no quadro instável de coligações, que servem objectivos parcelares de política externa ou de reformas financeiras, mas que não traduzem opções ideológicas fracturantes na sociedade portuguesa.
E é exactamente isso que explica esta mobilização que se começa a sentir à direita. Torna-se inevitável o balizamento europeu das opções nacionais e a consolidação das Finanças Públicas, numa opção liberalizante que reduza necessariamente o peso do Estado na economia e, portanto, reforme o Estado Social.
Neste contexto, com mais ou menos disparates e erros de contas ou projecções, com mais ou garotices e cartas com mimos entre partidos, a estratégia dos partidos acaba por ser muito semelhante e a diferença programática quase irrelevante.
Sobra então o carisma de cada candidato e a táctica da campanha. A filosofia política tem aqui o seu novo espaço de reflexão: entre o “Ser” o “Acontecimento”. Nas sociedades europeias, o “Acontecimento” secundariza o “Ser”, torna mesmo a “Verdade” irrelevante, como se viu no 11-M em Madrid.
O agente político fica condicionado pelo destinatário e não pelo ser. Ou seja, ele não é agente, mas consequência. O Governo circunscreve-se ao universo da representação e, subitamente, distinguimos a democracia como regime, da democracia enquanto processo político. O Governo torna-se governância, do mesmo modo que, na eleição política, se exclui a ideologia.
A política não é determinante da História, nem emana dela. A política e a História traduzem-se em universos diferentes: até o Bloco de Esquerda já abandonou a ideia da revolução proletária e a conversa da vanguarda operária.
Esse sentimento enorme, herdado do Romantismo do século XIX, de que fazíamos parte do processo histórico, desapareceu, como que confiscado pela história do pensamento ocidental. E, agora, sem Deus nem demónio, só nos sobra, melhor, somos confrontados com o universo da representação, com o “cenário de celofane” que é a política europeia, esta grande herança de um século XX que, afinal, não foi apenas de tragédia, guerra e genocídio (de que o Holocausto faz parte).
É, aqui, que ganha Pedro Santana Lopes.