2025/06/25

Cuba e Iraque: dois desafios para a Europapor Manuel dos Santos

A situação política internacional continua altamente dependente da forma como evoluir e se normalizar o conflito que os Estados Unidos e um punhado dos seus aliados sustentam no Iraque.

Curiosamente a imprensa internacional e, por reflexo, as opiniões públicas nacionais nos países da Europa tem salientado mais a qualidade das suas democracias, medida pelo grau de fiabilidade com que os diversos lideres políticos justificaram a guerra, do que as inegáveis consequências políticas, para a paz no Mundo e especialmente no Médio Oriente, que o desfecho daquele conflito contém.

Apesar de todas as dificuldades, algumas mesmo inesperadas face à facilidade com que caiu o regime do Iraque, é inegável que a situação no Mundo é, hoje, melhor e, sobretudo, começa a ver-se, relativamente ao conflito de maior grau de dificuldade – o que opõe Israel à Palestina – uma boa oportunidade de resolução.

Apesar disso, o que continua a ser especialmente discutido é a legalidade da intervenção americana, à luz do direito internacional resultante de um equilíbrio de terror que, hoje, felizmente, já não existe, ou a natureza e consistência dos argumentos que, nomeadamente, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, foram usados para “justificar” a guerra.

Tudo isto se tornou mais evidente e ganhou uma dimensão inesperada, à luz dos últimos desenvolvimentos, marcada pela eliminação dos filhos do ditador do Iraque e pelo conflito que opõe a BBC ao Governo britânico que já provocou o desaparecimento, em circunstâncias trágicas, do cientista inglês David Kelly.

Dir-se-à que esta é a verdadeira força das democracias que permanentemente se discutem e confrontam que sempre rejeitam utilizar, em proveito próprio, os métodos, os meios e os instrumentos que combatem em relação às sociedades que não são livres.

Contudo, o acessório ainda que muito importante, não pode nunca esconder o essencial. Ora, o essencial é que a intervenção norte-americana e britânica no Iraque e o seu sucesso (que todo o mundo livre deve desejar) se tornou num elemento fulcral e decisivo da paz e surge hoje claramente como o único caminho para promover a prazo, a resolução definitiva do conflito entre Israel e os árabes. Como também é essencial, compreender, sobretudo para os europeus, que a intervenção de Tony Blair, o Primeiro-ministro da Grã-Bretanha, neste conflito, pode ter dado à Europa o pretexto e a oportunidade de assumir um papel de destaque e importância numa reforçada e revigorada cooperação transatlântica com os Estados Unidos.

São, portanto, bastante mais positivos que negativos, para o mundo livre, as consequências que podem resultar da guerra do Iraque (o que será visível no curto prazo seguramente) o que, se não impede que tudo se discuta em democracia, exige, pelo menos também que não se esqueça, discuta e reflicta sobre o que é verdadeiramente essencial.

Paralelamente com a discussão da situação no Iraque e das suas consequências nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, a imprensa reflectiu, nos últimos dias, o conflito verbal aberto entre a União Europeia e Cuba.

O resumo da situação é fácil de fazer: na sequência de um certo endurecimento do regime cubano, perante os seus opositores, que se traduziu em pesadas penas de prisão e em 3 condenações à morte, a Europa reagiu condicionando a futura ajuda financeira e política à abertura do regime. De imediato Cuba, pela voz do seu líder, ameaçou prescindir de qualquer ajuda e abriu um conflito diplomático de consequências ainda dificilmente previsíveis.

Tive, recentemente, oportunidade de escrever neste espaço que a situação política e social cubana é extremamente complexa e dificilmente compreensível para quem não a aborde segundo uma óptica suficientemente ampla quer do ponto de vista socio-cultural, quer do ponto de vista histórico.

O “socialismo” de Cuba não é hoje exportável para fora da ilha (como o comprova a patética imitação do ditador Venezuelano) e o perigo cubano, bem presente na década de 60 com o episódio dos mísseis soviéticos apontados ao seu poderoso vizinho é, hoje, uma fixação e um pretexto para justificar um confronto.

Um confronto que opõe sobretudo os cubanos residentes na ilha e defensores do regime castrista aos cubanos exilados nos Estados Unidos que detém um poder de influência notável sobre a Administração Bush.

Com efeito os cubanos no exílio condicionam muitas das decisões políticas do Estado da Flórida e ufanam-se, mesmo, de serem os principais responsáveis pela vitória eleitoral do actual Presidente americano.

Daí que estejam a reagir violentamente à política cautelosa dos Estados Unidos, no que respeita à imigração clandestina, mesmo quando são invocados motivos políticos, o que na prática traduz uma relativa normalização com a República de Fidel Castro e põe em crise o discurso oficial mais violento quanto à ausência de liberdade dos cubanos.

Ora é precisamente este comportamento que permite perceber melhor a hipocrisia das relações externas dos dois estados e consolida a convicção que os dois regimes políticos precisam um do outro para se justificar.

Por isso é importante o papel que a União Europeia queira e possa desempenhar nesta área do Mundo.

Talvez tivesse sido mais prudente, antes de ameaçar com sanções financeiras e represálias políticas, ir ao terreno verificar as condições concretas do exercício do regime político cubano e as suas limitações no quadro de um embargo económico, com consequências trágicas para o povo que de algum modo alimenta e sustenta a ditadura e as suas consequências mais perversas, como a pena de morte.

Mesmo agora que o ditador cubano aproveitou o 26 de Julho (que é sempre um momento de catarse e exaltação nacional sabiamente aproveitado por Fidel Castro) para zurzir na política europeia, não pode considerar-se que estejam fechadas todas as portas e eliminadas todas as oportunidades.

Sábia foi por isso a reacção da Comissão Europeia ao desvalorizar o conteúdo do discurso presidencial do último “20 de Julho” solicitando uma verdadeira “prova de vida” das intenções anunciadas.

O Iraque e a República de Cuba constituem, cada vez mais, dois exemplos onde a política externa da União Europeia se pode afirmar e consolidar.

E se já não existe qualquer dúvida do interesse da Europa em apoiar, no essencial, o comportamento americano no conflito do Iraque, também não se pode duvidar do interesse europeu em definir, em relação a Cuba, uma política própria que não tem necessariamente de coincidir com os “interesses visíveis” dos Estados Unidos.

Deixar uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *