2025/09/18

Presidente do PSD fortalece a sua autoridade

Manuela Ferreira Leite pediu às distritais do PSD que apresentem as listas de deputados por ordem alfabética, o que é inédito e parece ser mais um sinal da sua afirmação de autoridade. A questão passa agora por saber quem faz o escalonamento das listas e se algumas figuras social-democratas não alinhadas com a direcção, como Pedro Passos Coelho as integram ou não.

Ferreira Leite pede às distritais listas de deputados por ordem alfabética

Manuela Ferreira Leite pediu às distritais do PSD que apresentem as listas de deputados por ordem alfabética, o que é inédito e parece ser mais um sinal da sua afirmação de autoridade. A questão passa agora por saber quem faz o escalonamento das listas e se algumas figuras social-democratas não alinhadas com a direcção, como Pedro Passos Coelho as integram ou não.

Ao pedir às distritais do PSD listas de nomes para candidatos a deputados por ordem alfabética e ao parecer chamar a si a sua escolha, relacionando-se directamente com os presidentes das distritais, a líder do PSD volta a reafirmar a sua autoridade no partido. O procedimento é inédito e o que tem acontecido em processos de escolha de candidatos em anos anteriores é o líder do partido designar alguns membros da sua direcção para centralizarem o assunto. Desta vez, Ferreira Leite parece querer tomar a rédea destes poderes, sem delegar em outros.
Há várias interrogações que se suscitam com este processo. Quem fará o escalonamento das listas de deputados às legislativas de 27 de Setembro? O mais provável é que a líder concerte posições com as distritais, caso em que a indicação das listas por ordem alfabética, teria funcionado, em boa medida, como um condicionamento político. Como as distritais terão ficado “assustadas” com a lista por ordem alfabética, é quase certo que Ferreira Leite conseguirá impor algumas condições, designadamente no que respeita a alguns nomes mais incómodos. Apesar de no partido se viver um ambiente de grande contenção, ninguém querendo colocar em causa Ferreira Leite, o facto é que em surdina a maioria distritais faz saber que quer continuar a ter a palavra decisiva na constituição das listas. Já o presidente da distrital do Porto, Marco António Costa, fez saber abertamente, num recado para Ferreira, que não voltará a ceder às candidaturas impostas pela direcção nacional do partido. Em vésperas das eleições, com as sondagens a darem o PSD taco-a-taco com o PS, as distritais também sabem que Ferreira Leite não deverá arriscar uma guerra interna.
A grande incógnita é, porém, saber se a líder segue os seus apoiantes que não querem equilíbrios nem consensos nas listas ou se Ferreira Leite – tal como fez nas europeias, onde preteriu Marques Mendes e optou por Paulo Rangel contra a vontade dos seus apoiantes – inclui mesmo nas listas Passos Coelho e outras figuras sociais democratas não alinhadas com a direcção.
Alguns elementos da direcção de Ferreira Leite, caso de Alexandre Relvas, não se têm coibido de, publicamente, considerar que Passos Coelho não devia integrar as listas de deputados por ter discordado da estratégia da líder e, mais recentemente, ter condicionado fortemente Ferreira Leite, ao exigir-lhe uma vitória nas europeias. É sabido que Pedro Passos Coelho gostava de ser o cabeça-de-lista por Vila Real, contando, aliás, com o apoio das estruturas locais. Há quem garanta, porém, que Ferreira Leite acabará por integrar Passos Coelho nas listas, saindo o seu poder ainda mais fortalecido. Depois de se ter criado um clima de hostilização de Passos Coelho, a que os seus apoiantes reagiram com desagrado, como aconteceu com Ângelo Correia, Ferreira Leite apareceria no papel de apaziguadora, unindo o partido rumo à vitória e mostrando que não cede a pressões, mesmo as que vêm da sua direcção.

Sociais-democratas atribuem o poder de escolha de listas à Comissão Política Nacional

Passos Coelho deve integrar as listas de deputados do PSD?

Na direcção social-democrata e no “inner circle” de Ferreira Leite têm sido muitas as pressões para que a líder não integre Pedro Passos Coelho nas listas de deputados às eleições legislativas de 27 de Setembro. Na origem da resistência ao nome do ex-candidato à liderança do PSD estará a tentativa de condicionamento de Ferreira Leite feita por Passos Coelho antes das europeias, ao exigir uma vitória ao PSD. O SEMANÁRIO ouviu alguns militantes laranjas, Arlindo Carvalho, Feliciano Barreiras Duarte, Ribau Esteves e Pedro Rodrigues, bem como o independente José Miguel Júdice, sobre a questão.
Inês de Sousa

Arlindo Carvalho

“Comissão Política Nacional é que decide”

“Eu não conheço ainda a posição do perfil elaborado pela Comissão Política Nacional para a escolha dos candidatos a deputados. Ainda não foi dada a conhecer essa posição, portanto, não tenho uma opinião específica sobre esta matéria.”

Feliciano Barreiros Duarte

“Confio que a decisão será tomada em defesa dos interesses do PSD”

“O facto de Pedro Passo Coelho integrar ou não as listas de deputados é uma decisão que tem que ser tomada pela Comissão Política Nacional do partido. Eu confio que a decisão será tomada em nome da defesa dos superiores interesses do PSD.”

Ribau Esteves:

“As listas dos deputados têm de ser representativas dos militantes de base”

“Acho que esta questão não é importante. O Partido Social-Democrata tem que fazer aquilo que é importante para o partido. É importante que o partido tenha as listas mais indicadas para que tenha um melhor resultado na eleição, todos queremos que o melhor resultado seja ganhar. Por um lado, a líder do partido, Manuela Ferreira Leite, tem que ter uma opção, no que respeita aos cabeças de listas, que lhe seja confortável para a sua estratégia. Por outro, os dirigentes dos partidos distritais, que têm um papel muito importante na gestão das listas, têm que dar o contributo para que as listas em cada um dos ciclos eleitorais os deixem confortados e que sejam representativas dos militantes, dos simpatizantes, e o mais possível dos cidadãos. É essa análise que tem que ser feita e subordinado só a essa análise é que a presidente do partido e os dirigentes têm que tomar decisões. Eu, por exemplo, não estou disponível para ser candidato e o PSD tem uma regra óbvia nesta eleição que as pessoas não podem ser candidatas a uma câmara e à Assembleia da Republica. Já tinha dito há algum tempo que gostava de ver o companheiro Passos Coelho a fazer alguma coisa de executivo na vida política, porque ser deputado é muito fácil. Gostava de o ver candidato a uma câmara, como já o foi. Ser candidato em Portugal é uma coisa fácil. Defendo a eleição uninominal dos deputados e como a nossa eleição é de lista os portugueses não escolhem deputados, escolhem o primeiro-ministro e o partido que os vai representar. Espero que a eleição dos deputados passe a ser uninominal e que passemos a escolher os deputados, o que até seria muito bom para a democracia portuguesa. Considero irrelevante se o companheiro Passos Coelho vai ou não vai integrar as listas, o que é importante é que as pessoas que têm que decidir decidam bem e se sintam bem com a decisão que tomarem. Se dentro dessa lógica entenderem que o companheiro Passos Coelho aí fica, têm o meu apoio, se entenderem que não fica bem têm o meu apoio também.”

José Miguel Júdice:

“A questão não é um drama nem para a Pátria, nem para o País.”

“Cada partido deve ter as suas regras. A opinião geral de um partido não é o direito fundamental de um homem. Se a direcção do partido achar que deve integrar nas listas Pedro Passos Coelho – muito bem. Se achar que não deve integrá-lo – muito bem na mesma. Esta questão não é um drama nem para a Pátria, nem para o País.”

Pedro Rodrigues

“Vou dar a minha opinião internamente”

“O critério para a elaboração das listas é uma escolha que deve ser feita pelas Comissões Políticas Distritais e Nacional, pelo secretário-geral e pela presidente do partido. Julgo que Manuela Ferreira Leite deve tomar essas opções e escolhas. A escolha das listas do partido é uma matéria que deve ser reservada aos órgãos próprios, nem deve ser discutida na praça pública nem fora dos órgãos próprios. Estou, obviamente, à disposição desses órgãos para dar a minha opinião internamente.”

Pinho agrava situação do Governo

A última ida de José Sócrates ao Parlamento nesta legislatura ficou inevitavelmente marcada pelo “caso dos chifres” e a consequente demissão de Manuel Pinho. Mais uma vez um independente, juntamente com Mário Lino, a causar grande embaraço e mal-estar ao Governo.

“Caso dos chifres” marca debate do Estado da Nação

A última ida de José Sócrates ao Parlamento nesta legislatura ficou inevitavelmente marcada pelo “caso dos chifres” e a consequente demissão de Manuel Pinho. Mais uma vez um independente, juntamente com Mário Lino, a causar grande embaraço e mal-estar ao Governo. A três meses das eleições legislativas, depois de uma derrota com números históricos nas europeias, na semana em que é acusado de querer manipular a TVI através da PT e de desistir de dois grandes projectos emblemáticos do Executivo (TGV e Aeroporto de Alcochete), a última coisa que José Sócrates desejaria seria ter de ser obrigado a aceitar a demissão do seu ministro da Economia.

Até ao “caso dos chifres” tudo parecia correr com normalidade. O Governo a culpar a crise internacional pelos dados económicos menos bons (desemprego, défice, dívida externa, crescimento do PIB negativo, pobreza) e a oposição a acusar o Governo de José Sócrates de ser a origem de tais números negativos. Tirando “o caso dos chifres” foi o debate do Estado da Nação previsível. Ou melhor, foi o debate sobre o estado da nação que José Sócrates, a três meses das eleições legislativas, certamente não gostaria de ter. No fim, Manuel Pinho pediu a demissão e o primeiro-ministro aceitou-a.

Manuel Pinho e os seus dedos indicadores colocados em paralelo no topo da cabeça marcaram o debate do Estado da Nação. O alvo era Bernardino Soares, líder da Bancada comunista, e o motivo foram as acusações ao projecto do Executivo para as minas de Aljustrel. Mais um gesto de Pinho, desta feita o último, que deixou o Governo de Sócrates embaraçado e perante mais um difícil caso político.
Num debate do Estado da Nação onde Sócrates teve de defender um Governo, que se prepara para ser avaliado em eleições daqui a três meses, que apresenta resultados económicos bastante mais gravosos do que aqueles que encontrou em 2005 (segundo o Governo por causa da crise internacional e na opinião da oposição devido à má governação socialista), a última coisa que José Sócrates esperaria e desejaria era a demissão do seu ministro da Economia.
Depois das declarações de Jaime Gama, Alberto Martins ou José Sócrates de veemente condenação do gesto de Pinho, de pressa se percebeu que a sua posição no Governo se tinha tornado insustentável. Até ao fim do mandato do Governo, a pasta da Economia será entregue a Teixeira dos Santos, actualmente ministro de Estado e das Finanças.
E se o estado da nação não é o melhor, o do Governo também não respira saúde. Estas últimas semanas têm sido penosas para a maioria socialista, a começar com a derrota nas europeias, o adiamento dos projectos emblemáticos do TGV e do Aeroporto da Portela, o caso da tentativa de compra de uma parte da Média Capital pela PT, segundo alguns por iniciativa do Governo, e terminam agora com a demissão de Manuel Pinho. O cheiro a poder invade, cada vez mais, os corredores da São Caetano à Lapa, sede do Partido Social-Democrata.
No Largo do Rato a ideia de fim de ciclo é uma realidade. Com a derrota nas eleições europeias acabou o mito de que Sócrates é imbatível. E agora existe mesmo a confiança numa derrota socialista nas legislativas. Prova disso foram as críticas de António Costa, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a Mário Lino, a afastar-se do Executivo e a preparar a sucessão na liderança do partido rosa.
António Costa lançou um duro ataque ao ministro das Obras Públicas, afirmando que no ministério de Mário Lino os problemas acumulam-se e há incapacidade para os resolver. Costa não gostou das alterações que o Governo fez aos estatutos do Metropolitano e afirma que a Câmara não foi consultada, nem informalmente. A principal consequência é que a autarquia deixou de fazer parte do conselho de administração do Metropolitano. “Esta actuação do Governo é absolutamente lamentável e inaceitável”. Mas esta não é a única razão de queixa do presidente da Câmara de Lisboa. António Costa aproveitou a reunião do município para fazer duras críticas ao ministro Mário Lino. “Infelizmente esta não é a única nódoa no Ministério das Obras Públicas, onde lamentavelmente as nódoas se têm sucedido. Desde o incumprimento por parte do Ministério na matéria da Frente Ribeirinha, à forma como este assunto do metro tem sido tratado, como a terceira travessia tem sido tratada, a lentidão em resolver os problemas de Alcântara… enfim, os problemas têm vindo a acumular-se e a incapacidade de os resolver é grande.”

Sócrates anuncia mais 115 M€ para equipamentos sociais

Sobre o Debate do Estado da Nação propriamente dito, o primeiro-ministro anunciou o reforço em 115 milhões de euros da dotação para a construção de novos equipamentos sociais e a criação de uma linha de crédito de 50 milhões de euros também para esta área. Segundo o chefe de Governo, o reforço em 115 milhões de euros da dotação disponível para a construção de novos equipamentos sociais “terá efeitos imediatos”. “Significa duplicar a verba até agora disponível, permitindo que sejam aprovados mais cerca de uma centena de projectos entre os que já foram apresentados para comparticipação do programa operacional respectivo”, disse. No seu discurso de abertura, o primeiro-ministro anunciou também que o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social constituiu com a Caixa Geral de Depósitos uma nova linha de crédito no valor de 50 milhões de euros expressamente dirigida a apoiar investimento a cargo das Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS).

Socialistas avisam Cavaco que reeleição não está garantida

António Vitorino atacou Cavaco Silva e disse publicamente aquilo que muitos socialistas dizem em privado: o PR deixou de ter uma postura institucional e, objectivamente, Ferreira Leite é a beneficiada com esta mudança de atitude. Em privado, o SEMANÁRIO sabe que esta guerra até já subiu de patamar. Os socialistas andam a deixar sérios avisos de que a reeleição de Cavaco não está garantida.

Depois das legislativas e autárquicas, o país vai entrar em pré-campanha para as presidenciais

António Vitorino atacou Cavaco Silva e disse publicamente aquilo que muitos socialistas dizem em privado: o PR deixou de ter uma postura institucional e, objectivamente, Ferreira Leite é a beneficiada com esta mudança de atitude. Em privado, o SEMANÁRIO sabe que esta guerra até já subiu de patamar. Os socialistas andam a deixar sérios avisos de que a reeleição de Cavaco não está garantida.

Depois das eleições legislativas de 27 de Setembro e das autárquicas de 11 de Outubro, o país não encerra os sufrágios. Pouco mais de um ano depois, o país vai voltar a votar, para as presidenciais, que se devem realizar em princípios de 2011. É provável, aliás, que logo em princípios de 2011, Cavaco possa anunciar a sua recandidatura. O cenário, que chegou a ser muito falado, de Cavaco fazer só um mandato, parece estar hoje afastado, face à nova conjuntura política. No caso de o PSD ganhar as legislativas, Cavaco pode ser uma carta de garantia e conforto para o novo governo. No caso de ser o PS a ganhar, a maioria absoluta parece quase impossível, o que fará com que o papel de Cavaco também seja mais interventivo, quer num cenário de governo minoritário, quer de maioria absoluta.

Perante a onda de crispação que se vive entre o governo e o Presidente da República é, assim, natural que comecem já a existir recados, tendo em vista as próximas presidenciais. Esta semana, no seu espaço de comentário da RTP, António Vitorino abriu as hostilidades contra Cavaco Silva, falando em “activismo declaratório” do Presidente da República, por causa da sua intervenção no negócio da TVI, acrescentando que esperava que a conduta de Cavaco fosse diferente, ainda para mais falando de assuntos internos no estrangeiro, o que, segundo Vitorino, não fazia parte do seu estilo e código de conduta. Vitorino limitou-se a dizer publicamente aquilo que muitos socialistas dizem em privado: o PR deixou de ter uma postura institucional e, objectivamente, Ferreira Leite é a beneficiada com esta mudança de atitude. Ao mesmo tempo dão como exemplo a coincidência de agendas entre Cavaco e Ferreira Leite e alguns sinais evidentes de comunhão, como foi a referência directa de Cavaco à necessidade de uma política de verdade.

Em privado, o SEMANÁRIO sabe que esta guerra até já subiu de patamar. Os socialistas andam a deixar sérios avisos de que a reeleição de Cavaco não está garantida. Esta ameaça parece traduzir, desde já, uma forte vontade de o PS voltar a ter um candidato próprio nas presidenciais, mas desta vez com o partido inteiro mobilizado contra Cavaco. Refira-se que, a concretizar-se esta crispação, será a primeira vez que sucederá no campo de relações do PS e do PSD. Em 1991, Mário Soares foi reeleito, sem que o PSD apresentasse um candidato. Por sua vez, em 2001, o candidato do PSD, Ferreira do Amaral, para além de não ter o perfil adequado para poder sair vitorioso, fez uma campanha pouco crispada contra Jorge Sampaio.
Outro dado que a ameaça socialista a Cavaco parece demonstrar é que muita gente no PS está disposta a encontrar um candidato forte que possa derrotar Cavaco, o que é uma missão difícil e arriscada. Desde que há eleições presidenciais que nenhum Presidente da República deixou de ser reeleito. Neste quadro pode ser difícil ao PS encontrar um candidato forte que esteja disponível para enfrentar Cavaco em situações muito adversas. Porém, não é impossível. Freitas do Amaral, de quem se falou para ser candidato em 2006, antes de Mário Soares mostrar interesse no lugar, é uma forte hipótese. António Guterres é outra hipótese mas duvida-se que o hoje Alto Comissário para os Refugiados, aceite esta missão. Guterres é um homem cauteloso, muito mais que Freitas do Amaral. Outro potencial candidato é Manuel Alegre, que, certamente, aceitaria o desafio. Fora deste campeonato de pesos-pesados, também há a hipótese de Jorge Miranda, um homem que, face ao conflito recente com o PSD por causa do lugar de Provedor de Justiça, poderia ser um bom candidato oficial do PS. Por último, Luís Amado, que chegou a ser falado como cabeça de lista do PS às europeias, e que certamente teria feito uma melhor prestação que Vital Moreira, também é uma possibilidade.
Em termos de perspectivas eleitorais, os melhores colocados parecem ser Manuel Alegre e, sobretudo, Freitas do Amaral.. Apesar de muitos anti-corpos à direita, Freitas era capaz de entrar muito bem no eleitorado do PSD e do CDS e, ao mesmo tempo garantir a base de apoio do PS e conquistar votos à esquerda, do PC ao Bloco. Quanto a Alegre, apesar de mobilizar melhor a esquerda, dificilmente conquista a direita. Por sua vez, pode encontrar algumas bolsas de resistência em eleitorado PS mais tradicional, que não gostou das suas ameaças de ruptura com o PS, e PC, que sempre o viu como um soarista, praticante de uma política que serviu os interesses da direita.

“Qualquer apelo ao voto útil é um erro”

Diogo Feio, juntamente com Nuno Melo, foi eleito para o Parlamento Europeu – mandato que pretende cumprir até ao fim. Em entrevista, na semana do debate do Estado da Nação e a três meses de eleições legislativas, desvaloriza o apelo ao voto útil que o PSD poderá fazer, qualificando-o como um “erro” político.

Diogo Feio, Líder do Grupo Parlamentar do CDS

Diogo Feio, juntamente com Nuno Melo, foi eleito para o Parlamento Europeu – mandato que pretende cumprir até ao fim. Em entrevista, na semana do debate do Estado da Nação e a três meses de eleições legislativas, desvaloriza o apelo ao voto útil que o PSD poderá fazer, qualificando-o como um “erro” político. Sobre o CDS, diz que o objectivo é continuar a crescer e salienta que o partido “poderá exercer o poder com base naquele que é o seu caderno de encargos”.

O ministro das Finanças já veio anunciar o princípio do fim da crise. Faz sentido?

Esta ideia do princípio do fim da crise parece-me, claramente, exagerada. E corresponde, curiosamente, a uma total desorientação do Governo nesta matéria. O ministro Teixeira dos Santos dá um sinal de que a crise poderá estar a terminar. Depois veio corrigi-lo. Antes, o ministro Manuel Pinho tinha declarado que a crise não existiria em Portugal e que o nosso País iria crescer mais do que os restantes países que compõem a Zona Euro. A questão é que todos os relatórios internacionais demonstram que Portugal vai ser um dos países que mais dificuldades vai ter em sair da crise.

E em sua opinião por quê?
O Estado, nestes últimos quatro anos, não criou as condições para que as empresas possam crescer e para que pudesse haver mais investimento. Os problemas estruturais da nossa economia são vários. Começaria por um que não é muito referido: a justiça. Ninguém vai investir num país onde os litígios que mais têm que ver com a vida empresarial, os de natureza fiscal e comercial, demoram largos anos a serem resolvidos. Nos tribunais administrativos e fiscais estão pendentes, aproximadamente, 16 mil milhões de euros – o que corresponde a vários aeroportos de Lisboa. Qualquer investidor que saiba que vai demorar seis ou sete anos a resolver uma pendência não investe. Não é possível ter-se – e com verdade – a presidente do Tribunal de Comércio de Lisboa a dizer que o seu tribunal é o pior sítio do País para se trabalhar.

O CDS também fala reiteradamente na questão da fiscalidade.

Por outro lado, é necessário tornar o nosso sistema fiscal mais competitivo. As empresas necessitam de quebras efectivas e reais em algumas das taxas de impostos que têm de pagar. O Governo vir dizer que baixou o IVA é risível, porque quando entrou tinha o IVA a 19% e quando sair terá a 20%. As pessoas estão atentas a estes elementos. Este Governo não tem a capacidade de vir dizer que vai apostar numa política fiscal de médio prazo e que vai modificar os impostos que deve.

Mas não é irresponsável propor uma diminuição de impostos numa altura em que o défice está tão elevado?

O que o CDS vai propor é que exista um plano de médio prazo em relação à quebra de impostos. Que se olhe para as condições orçamentais e se diga claramente os impostos que serão modificados. A aposta no crescimento tem de ser evidente e os impostos são um dos aspectos essenciais dessa política. A questão do défice prende-se com o facto de se ter feito um caminho para o equilíbrio orçamental que passava, fundamentalmente, pelas receitas. E quando o clima económico se degrada, as receitas também baixam. O Governo está hoje a sofrer do remédio que criou para aquilo a que chamou a “consolidação saudável das contas públicas”.

O Governo, não diminuindo os impostos, está a apostar no investimento público para dinamizar a economia e criar emprego. É o caminho mais correcto?

Não faz qualquer sentido ouvir falar de novo em políticas keynesianas – que foi aquilo que fez o primeiro-ministro. Keynes teve uma teoria económica para uma situação que era completamente diferente da actual, desde logo pela carga fiscal e pelo volume dos défices que eram diferentes. Portanto, a aposta tem de ser no sector empresarial e num clima económico que seja livre. Sinto que em Portugal, neste momento, não há a liberdade económica para que a nossa economia possa crescer. Há uma excessiva dependência do Estado, há um relacionamento entre algumas empresas essenciais na nossa economia e o Estado que é excessivo.

Está a falar, por exemplo, da PT?
Não quero entrar em concretizações. Mas aquilo que me parece é que tem de se modificar claramente a tutela que o Estado tem sobre a economia – que é absolutamente inaceitável no século XXI.

Numa altura de crise, como a que estamos a viver, as pessoas pedem ajuda ao Estado. Foi importante, por outro lado, a CGD ser o banco público porque pode intervir na economia.

O Estado tem um papel essencial nas áreas de apoio social. E aí tem havido falhas e nós temos apontado bastantes. Mas a aposta tem de ser na liberdade. A esquerda defende muito a igualdade. O CDS tem de se apresentar como um partido de direita, de uma direita moderna e contemporânea, que aposta na ideia de liberdade e faz o combate à extrema-esquerda. Não é normal que partidos como o Bloco de Esquerda tenham uma votação tão elevada como a que tiveram nas últimas eleições europeias. É a altura desses partidos definirem qual o posicionamento estratégico que o nosso País deve ter; qual a fórmula que consideram mais correcta para sair da crise; se Portugal deve ou não participar na União Europeia e na NATO; qual a posição que Portugal deve ter relativamente às suas forças de segurança e ao apoio que necessitam; qual o modo que encontram para resolver o problema do desemprego; qual a esperança que dão ao País… Os partidos têm agora de se definir de uma forma muito clara.

Voltando aos investimentos públicos, qual a posição do CDS face às grandes obras públicas?
A opinião do CDS é que tudo deve ser atendido de acordo com o momento em que vivemos. E neste preciso momento vemos um endividamento muito grande na nossa economia. O endividamento corresponde aos impostos do futuro, porque para ser combatido vão ter de se criar receitas. Tudo o que vá criar aumentos excessivos de endividamento neste momento corresponde a um erro. A aposta que a economia nacional deve fazer é pura e simplesmente nas empresas que contribuem para o sector exportador.

Num programa de Governo do CDS nunca estaria presente o projecto do TGV?

Estava a falar das obras públicas em geral. Um projecto como o TGV tem de ser pensado com algumas inquietações. Não percebo por que se está a apostar em fazer o TGV entre o Porto e Lisboa e uma terceira auto-estrada também entre as duas cidades – é um absurdo. Tem que haver uma política de transportes estratégica. O projecto do TGV, a ser feito, tem de ser com uma base sólida. E é nessa base que o CDS está.

O PSD diz que se fosse Governo alterava todas as políticas económicas que foram feitas nesta legislatura, excepto a reforma da Segurança Social. O CDS faria algo parecido?

O CDS tem por hábito não ser um partido tremendista. A nossa ideia é a de apresentar propostas alternativas, muitas delas de ruptura, como foi o caso da educação. Não cabe na cabeça de ninguém que em Portugal não haja liberdade para as famílias escolherem o caminho escolar dos seus filhos. Esta é uma das medidas que pertence ao caderno de encargos do CDS. Só peço às pessoas para ouvirem e lerem as nossas propostas.

José Sócrates acusa a oposição de não ter ideias para o País, de não ter um programa.
O primeiro-ministro não percebeu que não é pelo facto de repetir algumas coisas nos debates quinzenais que elas se tornam verdade. O CDS tem um conjunto de propostas nas áreas da saúde, educação, economia, segurança, impostos, apoio aos mais necessitados, políticas para os idosos, segurança social… Nós temos um conjunto de propostas, muitas já apresentadas no Parlamento, que as pessoas conhecem e que trazem credibilidade, estabilidade e segurança sobre aquilo que o CDS propõe. O CDS, nesta altura em que se apresenta a eleições, é um partido seguro.

Até onde está o CDS disponível para assegurar a governabilidade do País?

O CDS deve ser transparente. E ser transparente é dizer que o partido tem um determinado espaço político, um conjunto de ideias e que será por estas que se irá bater. Portanto, é pura e simplesmente assim que o CDS se vai apresentar ao eleitorado: como um partido autónomo, que tem as suas ideias e que diz, claramente, quais são. O CDS, como as pessoas sabem, tem exercido o poder em Portugal. E poderá exercê-lo com base naquele que é o seu caderno de encargos.

Mas é possível ou não um entendimento pós-eleitoral com o PSD?
Não vale a pena estar a fazer projecções desse género. Nas próximas eleições nada indica que exista uma maioria absoluta de um partido. E, portanto, isto cria uma obrigação especial a todos os partidos – porque todos podem ter responsabilidades. E todos têm de apresentar as suas soluções para o País. E vai ser interessante fazer a comparação entre aquilo que propõe o CDS e o que propõe o PCP e o Bloco de Esquerda. As pessoas devem olhar para as suas propostas e ver quais é que devem ser mais razoáveis para a política portuguesa.

E para uma possível coligação…

À esquerda nota-se algo muito simples: PS, PCP e BE parecem ser partidos incompatíveis. À direita, CDS e PSD não são partidos incompatíveis, mas têm autonomia e ideias próprias. O CDS é o partido da direita e deve dizer ao eleitorado que traz valor acrescentado ao seu espaço político.

Teme o apelo do voto útil no PSD?

Desde logo ainda não ouvi apelo nenhum ao voto útil. Ouvi a presidente do PSD dizer que não vai pedir maioria absoluta. É evidente que num clima em que se diz que ninguém acredita na maioria absoluta de um só partido e se fala até nas condições de governabilidade e em possíveis coligações ao acordos pós-eleitorais, o voto tem todas as condições para ser mais livre do que nunca. As pessoas têm essa perfeita noção e qualquer pedido de voto útil é um erro.

Este calendário eleitoral é o mais favorável para a diminuição da abstenção?

Espero que sim. Mas favorável para a diminuição da abstenção é o exemplo que os partidos dão, a clareza naquelas que são as suas propostas e a forma como se apresentam a eleições. O CDS, tanto nas eleições dos Açores como nas europeias, dos partido do arco parlamentar, foi aquele que menos orçamento apresentou. É uma questão de ética e de responsabilidade perante a situação de crise em que as pessoas hoje vivem. Quanto menos cartazes houver nas rotundas menos abstenção haverá.

Que mensagem quis a direcção nacional do CDS dar ao colocar Ribeiro e Castro como cabeça de lista pelo Porto?

Quis dar, desde logo, a mensagem que o partido está unido perante o desafio eleitoral que agora vai ter pela frente. É o sinal de um partido que sabe estar à altura das responsabilidades que tem. Unido em torno do seu líder e das suas ideias. Um sinal de responsabilidade, credibilidade e transparência.

Tenciona levar até ao fim o seu mandato no Parlamento Europeu?

Fui eleito para um mandato de cinco nos e pretendo, evidentemente, exercê-lo. O único cenário é o de cumprir o mandato para o qual fui eleito.

Não gostaria de ver premiado o seu trabalho na liderança do grupo parlamentar do CDS com um lugar num eventual Governo na próxima legislatura?

Fui eleito para um lugar no Parlamento Europeu, que é um órgão central na política europeia e nacional. O partido deu também aqui um exemplo porque escolheu para candidatos pessoas com um perfil muito idêntico, mais jovens, com propostas, capacidade de intervenção… As pessoas votaram em nós para que façamos no Parlamento Europeu o trabalho que fizemos no Parlamento nacional.

O que seria um bom resultado para o CDS nas eleições legislativas?

Nunca tive por hábito, nas minhas intervenções, fazer determinações muito concretas de resultados. Aquilo que o CDS quer é continuar a crescer e demonstrar a todas as pessoas que as suas ideias são correctas e merecem confiança.

“Deve-se discutir muito seriamente a hipótese do nuclear”

João Soares é um dos rostos principais da ala esquerda socialista. O ex-edil de Lisboa, embora afirme que já provou que na política e no amor não se pode dizer nunca, assegura que a liderança do PS não é nada que esteja no seu horizonte.

João Soares, Presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE

João Soares é um dos rostos principais da ala esquerda socialista. O ex-edil de Lisboa, embora afirme que já provou que na política e no amor não se pode dizer nunca, assegura que a liderança do PS não é nada que esteja no seu horizonte. Sobre a governação de Sócrates, refere que, não obstante existirem ministros que estiveram menos bem, o Governo fez reformas muito importantes: na educação, na Segurança Social, nas finanças públicas ou na saúde. Afirma-se defensor do nuclear, do TGV e um grande fã do Magalhães.

Duarte Albuquerque Carreira
da.carreira@semanario.pt

Numa altura em que a Europa parecia estar a pender para a esquerda, a direita ganha as eleições europeias. Como é que justifica este facto?

Vejo isso com tristeza e como mais uma prova de que, infelizmente, a Europa ainda não encontrou o seu caminho, numa lógica de afirmação no plano internacional dos valores que são os seus. Valores que têm que ver com o sistema social europeu, o respeito pelas regras democráticas… Todos os sistemas de solidariedade social que afirmaram a Europa no Mundo nos melhores momentos da sua história. Mas é sabido que a Europa está a passar por uma crise, não só institucional.

Mas não é um paradoxo? Numa altura em que se anunciava o fim do neo-liberalismo…
Tenho o privilégio de estar a trabalhar, no quadro parlamentar, num cenário internacional muito alargado, que vai desde Vancouver a Vladivostok. É o da Assembleia Parlamentar da OSCE, de que sou presidente desde há um ano. Isso tem-me dado a possibilidade de ter uma visão diferente das coisas. Acompanhei muito as últimas eleições presidenciais americanas. E tenho a convicção, de há uns tempos a esta parte, que é muito dos EUA que vai vir a mudança que vai impulsionar o Mundo, um Mundo confrontado com uma crise de dimensões para tantos inesperadas.

Vê uma dinamismo maior na Administração Obama do que na Comissão Europeia?

Incomparavelmente maior. Sobre essa matéria não tenho nenhuma espécie de dúvidas. A nova Administração americana está a fazer uma verdadeira “revolução” nos EUA e no Mundo. E, infelizmente, a Europa não tem sabido acompanhar. Uma boa parte das pessoas que estão à frente da Europa – e não quero reeditar a questão Durão Barroso – foram cúmplices da anterior Administração Bush.

Mas foi a família política que ganhou as eleições europeias.

Mas isso não significa que a política passe a ser justa pela simples razão de se ter ganho as eleições. Eu já ganhei e perdi eleições, sei bem como essas coisas são.

E o lugar de presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE permite-lhe estar atento à vida política nacional?

Permite. E permite até, se quiser, uma certa distância em relação ao dia-a-dia e aos faits divers portugueses, que talvez ajude a apurar um pouco mais o olhar.

Não foi à reunião da Comissão Política Nacional do PS, órgão no qual tem assento. Se pudesse ter marcado presença, o que diria aos seus camaradas e ao seu Secretário-geral?

Não fui porque estava, nessa noite, a chegar da Ásia Central. Mas teria dito coisas semelhante àquelas que sei que disse, por exemplo, o António José Seguro: só quero ajudar, quero dar o meu contributo para que o PS possa continuar a ser o partido do Governo a seguir às próximas eleições legislativas.

E como é que isso se materializa?

Isso materializa-se, do meu ponto de vista – mas a responsabilidade de conduzir as operações é de quem tem legitimidade interna para o fazer -, conseguindo unir e mobilizar, antes de mais, todo o PS nas suas mais diversas sensibilidades, empenhando-o num combate que vai ser difícil.

Na sua opinião, quais as razões que estão na base do “cartão amarelo” que a população quis mostrar ao Governo através das europeias?

Antes de mais, houve uma onda que varreu os 27 países da UE. Mas pesaram razões internas. E, durante a campanha, como é sabido, não houve uma discussão sobre questões de natureza europeia. Em termos gerais, Portugal é um País difícil de governar, há até aquela velha frase que os romanos quando nos ocuparam disseram sobre os lusitanos… É muito difícil governar Portugal e, ao fim de um certo tempo, as pessoas ficam descontentes com quem tem responsabilidades de poder. Porque o poder é ter que tomar decisões e optar, muitas vezes contra interesses corporativos que estão instalados de uma forma muito viva na sociedade portuguesa. É preciso saber encontrar um equilíbrio entre a vontade de mudar para melhor, e a necessidade de envolver nessa vontade aqueles que têm de ser os principais agentes dessa mudança. No caso da educação, por exemplo, não se pode fazer uma reforma do sistema educativo sem os professores. Mas para se fazer uma reforma minimamente séria do sistema educativo tem-se, em alguma medida, de estar contra aquilo que são os interesses instalados. E é esse equilíbrio que é fácil de definir numa entrevista, e em palavras ditas assim, mas quando se tem a responsabilidade de mexer nas coisas é diferente.

Uma remodelação profunda no Governo antes das europeias teria feito sentido?

Sinceramente acho que não. Acompanho aquilo que foi a posição do primeiro-ministro. E agora uma remodelação teria ainda menos sentido. Não é em ano de eleições que se modificam equipas governativas que têm que ser julgados por aquilo que foram capazes de fazer. É evidente que há pessoas que estiveram menos bem nas suas responsabilidades ao nível do Governo, mas seguramente não esperará que eu lhe diga quem são porque estamos em ano de eleições. E estou certo que não estarão em próximas equipas governativas se o PS ganhar, como desejo, as eleições legislativas.

Um dos actuais ministros que, certamente, não estará num possível futuro Governo socialista é Mário Lino. Que anunciou o adiamento do TGV para a próxima legislatura.

Aí tem um projecto com o qual eu me identifico claramente. E estou à-vontade para falar sobre essa matéria porque sempre disse, em todas as circunstâncias e desde há muitos anos, que o projecto do novo aeroporto é um disparate completo por ser mau para o País e para a região da capital do País. Mas estarmos ligados à rede de comboios modernos de alta velocidade é qualquer coisa de decisivo. Teria sido, do meu ponto de vista, muito mais ajustado ter feito a reforma do sistema ferroviário numa lógica de modernidade do que ter feito a segunda auto-estrada Lisboa-Porto junto ao litoral.

Posso presumir que discorda do adiamento, na melhor das hipóteses por mais uns meses, do projecto do TGV?

Agora não é dramático. São razões de pudor democrático. Lançar o concurso agora ou daqui a três meses é rigorosamente a mesma coisa, estamos a falar de coisas que se arrastam há trinta e tal anos.

José Sócrates mudou de estilo depois de ter perdido as europeias?

Não. Não mudou nem pretende mudar. Nem eu o aconselho, de maneira nenhuma, que mude – ele aliás não precisa dos meus conselhos. Ninguém pode mudar de estilo, sobretudo, numa lógica de proximidade com actos eleitorais como aquela que estamos a viver.

Mas apostar mais no diálogo?

O diálogo é importante. E é importante que o valorizemos, também, numa lógica de imagem. Teria sido desejável que houvesse mais diálogo, nomeadamente com o movimento sindical, ao nível dos professores, e das grandes questões que movimentaram o mundo do trabalhar. É importante que o diálogo exista, e que se passe a imagem desse diálogo, que deixe de haver tanta crispação no relacionamento com o universo sindical.

De acordo com a tradição, o partido que ganha as eleições europeias vence também as legislativas. Isso preocupa-o?
Nunca fiz a reconstituição histórica dessa matéria. Mas não estabeleço uma relação directa… Mas se você está a querer que eu diga que há o risco de perdermos, claro que há o risco de perdermos as eleições legislativas. Isso seria dramático para o País. É preciso que o País tenha a consciência de que se volta – com todo o respeito pessoal que tenho por ela – a velha senhora é o regresso do velho estilo cavaquista, no pior sentido politico da expressão, ainda por cima com Cavaco como Presidente. E coligados com o CDS de Portas.

Ainda pensa que a direita em Portugal é dirigida por uma troika agressiva, impiedosa e muitas vezes despudorada na argumentação política? Disse isto em 2003 referindo-se a Durão Barroso, Paulo Portas e Santana Lopes.

Nessa altura era. Mas reconheço que esse não é o estilo de Manuela Ferreira Leite. Aliás, lembro-me bem – e já que você está a fazer citações – dos comentários que ela fez sobre o Durão Barroso quando foi para a Comissão Europeia e deixou o Governo e o PSD entregue a Santana Lopes. Condenou isso com veemência e honra lhe seja feita por essa atitude.

Que bandeiras gostaria que o seu partido trouxesse para a campanha eleitoral das eleições legislativas?

Em primeiro lugar, o PS tem de valorizar o esforço, importante e incontestável, que foi feito por este Governo em muitas áreas. Sei que na nossa terra há muita dificuldade em ter memória daquilo que de positivo foi feito… Houve transformações importante, nomeadamente no plano das Finanças Públicas. Equilíbrios que foram conseguidos que, agora, em larga medida, estão comprometidos pela grave crise internacional. Depois houve coisas decisivas que foram conseguidas na área da Segurança Social. O Vieira da Silva teve um papel na reforma da Segurança Social que tem de ser sublinhado com uma palavra de gratidão por quem, como eu, seguiu isso com atenção. Correia de Campos, na saúde, fez uma reforma importante. Também há algumas áreas na educação onde se deram saltos qualitativos importantes: a introdução do estudo do inglês, o aumento do tempo de estudo, a questão dos computadores… Sei que é de bom-tom entre muita esquerda pretensamente esclarecida gozar com o computador Magalhães, mas eu sou um fã do Magalhães. Devo-lhe dizer que tenho feito promoção internacional do Magalhães e tenho visto o deslumbramento com que países da Europa, da Ásia Central ou do Cáucaso ficam perante o projecto.

Mas o dr. João Soares não tem um Magalhães.

Não tenho um Magalhães aqui porque o computador que me deram no Parlamento é outro. Mas o meu filho mais novo, o Jonas, já usa o seu Magalhães.

A mensagem que passou não foi essa.
Esse é um dos dramas do tempo que estamos a viver: há, muitas vezes, uma grande diferença entre a realidade de facto e a imagem exterior que passa. E as pessoas que estão concentradas a trabalhar em modificar a realidade de facto no terreno, às vezes, esquecem-se das questões da imagem e consideram-nas secundárias.

Isso num Governo tão profissional quanto à imagem e com agências de comunicação?

Não acredito em agências de comunicação. Olhe, há quem diga que foi isso que me aconteceu em Lisboa: estava tão concentrado no trabalho que estava a fazer no terreno que me borrifei nas questões da imagem, e depois apareceu um Santana Lopes a dizer que fazia 250 mil casas para jovens no centro histórico, ou que fazia uma piscina em cada freguesia, muitos parques de estacionamento… E eu que tinha feito parques de estacionamento, algumas piscinas e muitas casas não me preocupei com a imagem.

Mas também não perdeu por muitos votos, cerca de 800…

856, deve ser um número que só eu sei. Nem o Santana se deve lembrar dele. E há quem diga que mal contados – matéria sobre a qual eu nunca me pronunciei.

Voltando à questão das bandeiras que o Governo deve trazer para a campanha eleitoral das legislativas…

As coisas têm que, cada vez mais, aproximar-se de uma escala humana, próxima das pessoas. Tudo o que tenha que ver com a qualificação é muito importante. Qualificar as pessoas, qualificar o território, qualificar a administração publica. A educação e a saúde são coisas muito sérias. A qualificação da Administração Pública, com a diminuição do peso da burocracia, onde houve por parte deste Governo vontade de mudar mas as coisas não foram tão longe quanto seria desejável. E a qualificação do território, matéria onde se fez um esforço: o investimento nas energias renováveis, eólicas e solares, deixou uma marca, ficámos muito bem qualificados no ranking europeu em matéria de energias renováveis.

A energia nuclear deveria ser uma bandeira para a próxima legislatura?

Pessoalmente, acho que é uma matéria que se deve discutir. Se eu, em vésperas de eleições, aparecer a dizer que se deve avançar para o nuclear, você faz disso um título muito chamativo e depois crucificam-me na praça pública. Deve-se discutir muito seriamente, mas duvido que seja possível fazê-lo em vésperas de eleições. Até porque em Portugal é muito fácil fazer demagogia e crucificar as pessoas quando elas dizem a mais elementar das verdades.

Tenciona fazer campanha ao lado de José Sócrates?

Claro que sim. Farei sempre campanha pelo PS – em todas as circunstâncias. Nunca ninguém me viu não participar numa campanha do meu partido. Participarei muito activamente.

Tenciona recandidatar-se a deputado?

Claro que sim, até para poder continuar o meu mandato como presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE. Onde tenho procurado honrar o Parlamento português e prestigiado Portugal.

Em nome da governabilidade o PS deve estar aberto a um entendimento com o resto da esquerda representada no Parlamento?

Só faz sentido falar sobre essa matéria depois das eleições. O PS tem que pedir uma maioria para poder continuar a governar, em nome daquilo que fez, em nome daquilo que se propõe fazer e em nome, sobretudo, da inquietação que os portugueses teriam em ver voltar o esquema da “velha senhora”: o cavaquismo puro e duro na sua versão mais hard.

E se não tiver essa maioria? É possível a esquerda dialogar entre si?

Isso depois se verá. Mas acho que a esquerda pode dialogar. Defendi isso para Lisboa, antes de qualquer outra pessoa o fazer. E é importante sublinhar que quem pôs em causa essa primeira e única experiência, de unidade da totalidade da esquerda, foi o PSR, com Francisco Louçã. Mas a unidade da esquerda é difícil, sobretudo vendo estes antecedentes.

Mas o desígnio da governabilidade, ainda mais numa altura de profunda crise, não poderá falar mais alto?

O António Guterres provou com muita inteligência, e muita capacidade de realizar na prática, que era possível governar mesmo sem uma maioria absoluta. A verdade é essa. Os primeiros quatro anos do Guterres foram absolutamente excepcionais.

Depois da morte de Francisco Sá carneiro, Cavaco Silva é a grande referência da direita nacional. Acha que a sua acção enquanto PR tem beneficiado o PSD?

Não quero ser injusto e não lhe faria essa acusação. Se o PS não tiver uma maioria absoluta para governar, como alguns desejam, Cavaco Silva vai ter muitas dificuldades como PR. Vai ter que ajudar a fazer equilíbrios que permitam ao País ser governado com o mínimo de estabilidade. Ninguém quer voltar a um período, como já houve na nossa história democrática, em que os governos duravam um ano ou ano e meio no máximo. O País precisa de estabilidade governativa e a necessidade de intervenção do PR, obviamente, terá que ser reforçada. Mas espero que isto não se tenha que provar – até por ele, coitado.

Ainda alimenta a vontade de, um dia, ser secretário-geral do PS?

Dei a cara na altura em que julguei ser importante fazê-lo. E com os resultados que são conhecidos, levei uma cabazada – como outros também levaram. Mas eu levei uma cabazada muito maior do que a do Alegre e, como democrata que sou, aceitei os resultados com a maior das humildades. Nessa matéria, não penso que faça sentido voltar a dar a cara outra vez. Embora, já uma vez um avião que caiu me tenha ensinado que devemos estar preparados para tudo. Mas a liderança do PS não é nada que esteja no meu horizonte. A Roseta é que costumava dizer que “na política e no amor não se pode dizer nunca”. Eu gosto da frase, e acho que já o provei nos dois planos