O Secretário de Estado para os Assuntos Europeus, Carlos Costa Neves, explicou, em entrevista ao SEMANÁRIO, a posição portuguesa no processo negocial para as reformas institucionais da União Europeia. E acrescentou que, neste momento, a Europa não está em condições de adoptar uma posição única quanto ao Iraque.
Como é que viu o refortalecimento do eixo Paris-Berlim e a proposta daí resultante, que prevê uma presidência bicéfala para a União Europeia?
Quanto ao eixo Paris-Berlim e aos entendimentos mais próximos entre os dois países, nomeadamente em matérias institucionais, não temos qualquer tipo de reserva, antes pelo contrário. Assim como nós mantemos contactos regulares e acertamos posições e procuramos pontos de acordo, também em matérias institucionais, com outros Estados-membros. Aliás, foram essas aproximações que acabaram por estar na base, daquilo a que se chama a “posição Benelux”, em relação à reforma institucional.
Bem, se a Alemanha e a França, ou o Reino Unido e a Espanha, entenderem em cada momento terem uma relação mais próxima, acho que ninguém tem o direito de dizer o quer que seja. Acresce que para que este projecto europeu tenha avanços é preciso que se gere consenso e compromisso, e irremediavelmente sem a Alemanha e a França isso não é conseguido, assim como sem outros.
Mas a Alemanha e a França, digamos que por iniciativa própria, acabaram por assumir o protagonismo dos desígnios europeus ao avançar com uma ideia, que provavelmente a encararão como certa?
Se a França e a Alemanha estiverem em posições irredutíveis e contrárias, provavelmente não há possibilidades de evolução. A reforma institucional diz respeito a todos, a discussão está a ter lugar na Convenção, que depois passará a um conferência intergovernamental, e nessa conferência a elaboração dos tratados precisa de unanimidade.
Havia a noção de que a França e a Alemanha tinham aproximações muito diferentes e portanto o facto de eles se entenderem à volta de uma posição comum é positivo.
Nem podemos impedir que uns falem com os outros, nem podemos impedir que haja consertos de posições, como Portugal tem feito sobre todas as matérias ao longo deste dezassete anos, nomeadamente às matérias institucionais. Portanto não podemos querer que os outros não façam o que nós fazemos, porque achamos que é positivo construir consensos compromissos e, por outro lado, temos que ter a noção que sem a França e sem a Alemanha as reformas necessárias não se fazem.
E quanto ao acordo propriamente dito?
Numa primeira análise existiu uma troca de compromissos, que parece um pouco “troca por troca”. Era conhecida a posição alemã, que defendia a lógica da construção europeia à volta da comissão e era conhecida a posição da França para a nomeação de um Presidente do Conselho Europeu. Agora quanto à solução em si propriamente dita, nós encaramo-los como mais um contributo.
Mas, falando em contributo há quem diga que posição portuguesa é bastante tímida no que concerne às negociações em curso?
Todas as classificações são possíveis, e ainda há pouco referiu que a posição portuguesa no seio das negociações institucionais tem sido conotada como “tímida”, eu não diria que é tímida, mas que é uma posição de que percebe e conhece as regras das negociações, e para haver soluções são preciso compromissos, e para haver compromissos têm que haver negociações, e para haver negociações são necessárias posições flexíveis.
Tem que haver um núcleo de questões que para nós sejam essenciais, mas depois tem que haver maleabilidade suficiente para atender ao essencial de cada um e, portanto, não pode haver posições de bloqueio, posições rígidas de cristalização, se queremos uma negociação e se queremos um compromisso. Deste modo a nossa posição não propriamente tímida, é achar que está mais uma proposta em cima da mesa, que tem a importância que tem porque vem da Alemanha e a da França, achar que é legítima a apresentação das posições, mas deixar claro que em cima da mesma mesa está uma proposta da comissão, que nós comungamos em parte muito substancial, e uma proposta chamada de “Benelux” em cuja a elaboração nós colaboram e todas estas propostas estão em cima da mesa.
Como definiria essas propostas?
Elas têm pontos comuns ao nível do reforço da Comissão, ao nível da preocupação de criar soluções que possa funcionar para a implementação de uma verdadeira Política Externa e Segurança Comum (PESC), e têm, essencialmente, um ponto muito divergente que é a questão da Presidência do Conselho.
Nós continuamos a achar que as soluções que temos defendido, nomeadamente uma solução que parte da ideia do reforço da Comissão, da utilização do método comunitário, da iniciativa exclusiva da Comissão, são questão ligadas à própria natureza da União Europeia, tal como nós a vemos. E aparentemente uma dupla presidência da União Europeia enfraquece a União Europeia e pode levar a conflitos de competências complicados.
Acredita que a França e a Alemanha alcançaram o acordo por convicção no seu conteúdo tendo em conta a harmonia da UE, ou, pelo contrário, como forma de revitalizar o eixo Paris-Berlim?
A minha interpretação é que foi o acordo possível que terá resultado das posições essenciais dos dois Estados-membros e cumpriram, assim, o seu contributo. Estou convencido que, quer a Espanha, quer a França, quer a Alemanha, estão empenhados em construir uma Europa com futuro, mas também estou convencido que qualquer das propostas em cima da mesa, não é uma proposta final e fechada.
Baseado na sua experiência até que ponto é acha que os líderes da Alemanha e da França estão prontos a ceder na sua proposta?
Olhando para a proposta eu penso que, como todas as propostas, tem que ter margem de discussão, porque das reacções já conhecidas, todas elas cautelosas, as adesão à proposta nunca são a cem por cento. Por exemplo, tem sido noticiado que o Reino Unido defende um Presidente para o Conselho Europeu, mas ao mesmo tempo dizem que Londres não gosta que o Presidente da Comissão seja eleito pelo Parlamento Europeu – ideia avançada no acordo franco-alemão.
No nosso caso aceitamos bem a eleição do Presidente da Comissão pelo Parlamento Europeu, no caso do Presidente do Conselho Europeu, eleito pelo mecanismo proposta, portanto há aqui uma geometria muito variável.
O primeiro-ministro, Durão Barroso, encetou uma campanha diplomática, como alternativa à proposta franco-alemã. Acha que o Governo passou para uma atitude mais interventiva no seio do debate?
Numa negociações há vários momentos e para cada momento existem reacções diferentes.
Portugal tem estado muito empenhado em todo o processo da Convenção. O essencial do meu trabalho tem sido muito paciente, de encontros bilaterais para se ir caminhando para esse tal compromisso. Claro que isso foi sempre feito o mais discretamente possível, porque se é um processo negocial, a negociação não está terminada enquanto não chegar ao fim e, portanto elegemos os nossos princípios gerais – método comunitário, igualdade entre Estados-membros, Comissão forte e que tenha a iniciativa de todo o processo legislativo, manutenção do equilíbrio entre as várias instituições, manutenção de políticas comuns, Europa assente no princípio da solidariedade – e somos coerentes com eles.
O acordo final será composto pelo que de melhor existe nas três propostas?
Espero que haja engenho e arte para o fazê-lo. A minha experiência de Parlamento Europeu tem a ver com um busca constante daquilo que aproxima e não daquilo que divide. E só com a valorização daquilo que nos aproxima é que conseguimos alcançar entendimento.
Os pontos convergentes em todas as propostas já são dados como certos e depois existirá um núcleo, que eu espero que seja cada vez mais reduzido, de propostas divergentes nomeadamente a da Presidência do Conselho.
Serão válidos os receios dos portugueses face ao alargamento?
Este alargamento vai mudar a União Europeia, até porque está a ser acompanhado pela reforma institucional. Agora, nós tivemos um processo de adesão complicado ao longos destes dezassete anos, a própria adesão ao euro na primeiro linha foi um grande desafio e realizado com sucesso, e a minha convicção é que continuaremos a ter essa capacidade.
Acho que temos capacidades para superar as dificuldades, e também para aproveitar as oportunidades que surgirão. Além do mais não é justo atribuir algumas dificuldades ao alargamento, uma vez que o fenómeno da globalização e da liberalização já permitiram mecanismos para o tipo de concorrência que Portugal vai enfrentar com os novos Estados-membros.
Nesta linha não é razoável conotar o alargamento como um fantasma que nos vai trazer concorrência acrescida.
Vai haver uma voz única da União Europeia em relação ao Iraque?
Bom, seria desejável que houvesse uma voz única em relação à crise do Iraque. Desde logo há um elemento nesta questão importante que é a presença de cinco Estados-membros da União Europeia no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas seria desejável que existisse uma posição comum. Porém, todos nós sabemos que ainda estamos longe de conseguir isso. É um dos grandes desafios: a afirmação da Europa no mundo.
Na minha perspectiva sem estar em concorrência com ninguém, contra os Estados Unidos, ou para ser o outro prato da balança, mas com uma PESC de facto. Neste momento não estamos em condições para adoptar uma posição única quanto ao Iraque. Seria bom, mas neste momento é de prever divergências.