2023/06/01

Vitalino Canas”Ferro será candidato às próximas eleições legislativas”

Insistindo em responsabilizar o governo de Durão Barroso por todos os males económicos que se abatem sobre o país, o deputado socialista Vitalino Canas não esconde a necessidade da existência de consensos entre o PS e o PSD.

No entanto, Vitalino Canas garante que se o seu partido não chegar ao poder com uma maioria absoluta não afasta a possibilidade de se aliar aos comunistas para constituir governo. Desmistificando a questão da crise de liderança no PS, garante que Ferro Rodrigues conduzirá a caravana socialista ao longo do “deserto” político da oposição.

A oposição do PS a este governo tem sido cada vez mais branda. Será que o PS deixou de piscar o olho à esquerda e se volta cada vez mais para o centro?

Não creio que tenha havido qualquer desaceleração na intensidade da oposição. O PS reconhece que o país está numa situação difícil quer do ponto de vista financeiro, quer, sobretudo agora, do ponto de vista económico. Já mostrámos que as responsabilidades pela situação económica actual cabem em grande medida ao governo, que optou por uma estratégia político-económica completamente errada e temos feito uma oposição marcando bem essa diferença entre o PS e o PSD.

Por outro lado, naturalmente que estando numa fase em que não são previsíveis eleições para breve, o PS tem que fazer uma oposição responsável e tem de apresentar políticas alternativas àquelas que estão a ser implementadas pelo governo. Tem também que se mostrar capaz de, quando for necessário, entrar em consensos com o governo.

Está definitivamente posto de parte um futuro cenário de união da esquerda para fazer face a este governo?

Nós estamos numa fase idêntica àquela que se verificou em 1987, em que o sistema político estava desgastado pelo esgotamento de certas soluções políticas. O eleitorado foi confrontado com o facto de estarem esgotadas situações de governos minoritários e optou claramente, a partir daí, por soluções ou de maioria absoluta ou de quase maioria absoluta.

Eu creio que nas próximas eleições vai ter que ser necessário apresentar ao eleitorado soluções de maioria absoluta. Quer pela direita, quer pela esquerda. Acredito que ao nível da direita o processo está adiantado. É visível que o CDS-PP está numa situação de aceitação de prática absorção por parte do PSD, esse é o trajecto que está a ser seguido.

Ao nível da esquerda isso vai ter que ser também reflectido, ou seja, vai ter que ser apresentada ao eleitorado uma solução que possa implicar a existência de um governo de esquerda que tenha maioria absoluta na Assembleia da República. Creio, contudo, que não está nesta altura muito avançada qualquer solução que vá nesse sentido, pois aliás é cedo para isso, mas se é possível prever que isso aconteça para daqui a três ou quatro anos.

Quando houver eleições, tanto na esquerda como na direita, vai ter de ser apresentado ao eleitorado uma solução que passe por um governo com maioria absoluta.

Pode então antever-se uma coligação com os comunistas?

Vamos ver. O PS terá de apresentar ao eleitorado, como um grande partido de governo ao nível da esquerda, uma estratégia de poder que passe ou por governar sozinho, mas só com maioria absoluta, ou se não tiver maioria absoluta, com outro partido. Mas creio que ainda é cedo para dizer como será a configuração dessa solução que terá que ser apresentada ao eleitorado.

Quando a esquerda se une o PS não está lá, tal como aconteceu na greve geral. É um erro de estratégia ou uma mera desunião no seio do partido em relação às matérias em causa?

Não estou de acordo com isso. Em relação ao pacote laboral o PS teve uma posição muito clara, apresentou propostas e tem estado a discutir essas propostas.

Mas houve momentos decisivos nos quais o PS não esteve…

Nós no PS tomamos as nossas posições que veiculam o partido, mas não fazemos nenhuma perseguição aos militantes que querem ir mais longe em relação às posições que são tomadas. Isso não implica que não haja uma posição sempre clara do PS em relação às questões. Depois, há militantes que podem querer ir noutro sentido e isso não impede que o partido tenha essa posição clara.

O PS está unido?

Tenho a certeza que o PS está bastante unido. Pelas reuniões da Comissão Política, da Comissão Nacional, pelas posições públicas que tem assumido, pelas posições também ao nível do grupo parlamentar, o PS tem mostrado que está bastante coeso em torno de uma certa liderança e de um certo projecto.

Está portanto unido em torno de Ferro Rodrigues…?

O PS, neste momento, está unido em torno da liderança de Ferro Rodrigues.

O PS não está a atravessar uma crise de liderança?

Não existe nenhuma crise de liderança. Existe sim a situação normal dos ciclos eleitorais. Obviamente que quando o ciclo eleitoral é um ciclo de quatro ou quase cinco anos, como sucede ser este, em que há um bom resultado eleitoral e depois há uma certa travessia do deserto, é óbvio que não podemos estar sempre ao mesmo ritmo.

Tem que ter ritmos diferenciados. Estamos numa situação em que o ritmo que o PS tem imprimido à sua política é um ritmo que se adapta bem à fase do ciclo eleitoral em que nos encontramos.

E será que Ferro Rodrigues chega ao fim do deserto ainda à frente do partido?

Tenho a certeza que o Eduardo Ferro Rodrigues será o candidato do Partido Socialista às próximas eleições legislativas. O PS tem, neste aspecto, regras que me parecem muito claras. Quando elege um determinado líder confere-lhe um mandato para disputar as próximas eleições e portanto Ferro Rodrigues vai, seguramente, disputar as próximas eleições.

O PS tem tido uma posição dúbia em relação à crise no Golfo Pérsico.

A posição do PS tem sido aí totalmente clara. O PS é, no contexto português, o partido que mais ferreamente tem assumido uma postura de veiculação ao Direito Internacional e o PS opõem-se à sua quebra quer pela administração Bush, quer por Sadam Hussein. Creio que essa posição não é uma posição dúbia.

É uma posição totalmente clara e penso que a única consistente que pode ser assumida por um país como Portugal, um país pequeno que tem um prestígio internacional a sustentar.

Mas a ausência do secretário-geral do partido no comício da Aula Magna não mostrou alguma desunião sobre esta matéria?

Não. Não há razões para se falar em desunião. A posição que o PS assumiu na comissão política foi uma posição assumida por unanimidade. Se há militantes que entendem que esta posição é recuada em relação àquela que deveria ser ou que é demasiado avançada em relação àquilo que devia ser, esses militantes têm toda a liberdade para se expressar nesse sentido.

A posição do PS foi definida na comissão política na qual se defende a resolução pacífica deste conflito e de acordo com o Direito Internacional.

O que acha da posição de Sampaio em relação a esta questão?

Eu revejo-me nessa posição. Tem sido uma posição próxima daquilo que defendo. Apesar de o senhor Presidente da República (PR) não estar naturalmente veiculado às posições do PS, creio que tem havido grande proximidade de posições.

Concorda o distanciamento de Sampaio?

Do ponto de vista constitucional não pode deixar de ser assim. O PR tem, de acordo com a Constituição, algum papel no acompanhamento internacional e da posição internacional do Estado português, mas quem conduz a diplomacia é o governo.

É o governo que exprime externamente a posição de Portugal. O PR limita-se a acompanhar essa posição, a estar informado e a exprimir as posições que entender sobre isso.

Acha que a esquerda poderá perder Belém para a Direita?

Não creio. Aliás, este governo está a ter uma estratégia que poderá ser profundamente negativa para as pretensões da direita a aceder à presidência da república. Para já, o Portugal continua a ser sociologicamente um país sobretudo virado à esquerda, apenas transitoriamente há maiorias de direita.

Para além disso a estratégia política do governo poderá fazer com que, no momento em que houver eleições presidenciais, as pessoas entendam que é necessário continuar a haver um presidente-árbitro. É flagrante que as propostas normalmente feitas pela direita são de presidentes interventivos, presidentes que comandam o sistema, como sucederá se o candidato for Cavaco Silva.

Ou seja, Cavaco Silva não resistirá a procurar comandar o sistema a partir da presidência da república. Essa será a proposta que fará ao país. Creio contudo, que o país prefere que em Belém esteja, não o comando, mas sim o árbitro e essa tem sido a proposta da esquerda.

E quem é que na esquerda teria esse perfil…?

Acho que ainda é muito cedo para se estar a enunciar uma lista de candidatos da esquerda, mas posso dizer-lhe que o PS descobrirá facilmente um candidato a Belém que tenha esse perfil.

Parece que para além de António Guterres mais ninguém quer fazer parte da corrida a Belém. Dá a sensação de que ninguém na esquerda se quer chegar à frente…

Não é altura para se discutir isso. Aliás, o próprio António Guterres não se chegou ainda à frente, portanto também se ignora se ele efectivamente pretende ser candidato à presidência da república ou não.

Acho que fazem muito bem os candidatos do PS, mesmo aqueles que alimentam essa ambição, ou que entendem que são capazes de exercer esse cargo, de não terem até agora formulado qualquer pré-candidatura, ao contrário do que já sucedeu ao nível da direita, nomeadamente, com Pedro Santana Lopes, de uma forma que até me parece estrategicamente errada.

Creio que fazem bem os eventuais candidatos do PS, e muitos temos, não se chegarem ainda à frente. Não o fez Guterres, não o fez o próprio Mário Soares, não o faz Victor Constâncio, António Vitorino, não o fará o próprio Eduardo Ferro Rodrigues em que poderá colocar-se na altura essa possibilidade.

Fazem bem em não se chegarem à frente nesta altura porque acho que ainda não é cedo.

Então para quando…?

Creio que o melhor momento para se lançar uma candidatura a Belém será cerca de um ano antes.

Critico visão demasiado pró-americana

Considera legítimas as dúvidas levantadas por Ana Gomes em relação ao negócio dos aviões de transporte militar?

Eu considero legítimo fazer-se uma interpelação global em relação à política de defesa. A visão excessivamente atlantista que desde o início o actual ministro da Defesa tem defendido não se verifica apenas em matéria de equipamento militar, verifica-se também nas posições que o governo tem assumido na crise do Iraque.

De facto, temos acompanhado com alguma preocupação esta decisão que não tem ainda nenhuma fundamentação mas que nos parece ameaçar o projecto de equipamentos comuns europeus em que Portugal pode estar envolvido e que de alguma forma até pode facilitar a recuperação da indústria aeronáutica portuguesa.

A crise gerada entre atlantistas e europeístas pode afectar profundamente as instituições ocidentais?

Na minha opinião é mau que um país como Portugal aceite ir na fractura entre os atlantistas e os europeístas. Portugal é certamente um dos países que deveria procurar conciliar as duas perspectivas. Do ponto de vista da nossa posição geoestratégica e do ponto de vista da nossa relação quer com o Atlântico quer com a Europa, é importante conciliar as duas perspectivas.

Também está aí em causa esse aspecto quando nós criticamos o governo pela colagem a uma visão mais atlantista e à política norte-americana do momento.

Uma visão que aceite a fractura entre atlantistas e europeístas para já deixa-nos deslocados e deixa-nos sem saber exactamente onde estar, se com atlantistas ou europeístas. Não nos convém que haja essa fractura.

Depois, havendo essa fractura, ao nível da própria União Europeia num contexto mais global irá naturalmente ter consequências negativas para o futuro europeu.

“António Costa é bom candidato a qualquer cargo executivo”

Qual é a sua opinião em relação a uma eventual candidatura de António Costa em Lisboa?

O António Costa, de quem eu sou um grande amigo, é seguramente um excelente candidato a qualquer lugar executivo.

À liderança do PS também?

Não se coloca nesta altura qualquer questão de liderança, não há uma crise de liderança no PS. O PS está satisfeito com a liderança que tem portanto não vale a pena estar a falar nisso.

Agora reforço que o António Costa, por aquilo que já mostrou, sendo jovem, ao nível do governo e ao nível de outros cargos políticos que exerceu, é seguramente uma das mais fortes candidaturas que o PS poderá apresentar nomeadamente ao nível autárquico.

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