O Banco de Portugal está atento aos activos dos bancos que estão a ter menos-valias recordes derivadas da queda das bolsas. BPI, BES e BCP estão em mínimos, apesar das correcções de ontem. O BCP já perdeu em seis meses mais de sete mil milhões de euros na sua capitalização bolsista, tendo esta semana, depois do aumento de capital de 1,3 mil milhões, ficado a valer menos de 5 mil milhões em capitalização bolsista. Em conjunto, os três maiores bancos portugueses valem menos 13,2 mil milhões de euros, do que no final de 2007.
A banca está no centro dos problemas. O sector derrapou esta semana nos Estados Unidos e na Europa, apesar das correcções de ontem. Em Lisboa, o BCP, o BES e o BPI chagaram a perder mais de 700 milhões de euros num só dia. E, o governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, avisou: assim, serão necessários novos aumentos de capital. Caso “a progressão negativa dos mercados de acções” continue, o governador admite claramente a necessidade de novas operações de financiamento junto dos accionistas, mesmo tendo em conta os recentes reforços feitos, nomeadamente, por dois dos principais bancos nacionais. O BCP terminou em Abril o seu maior aumento de capital de sempre, de 1,3 mil milhões de euros. Já o BPI fez um reforço em Junho de 350 milhões de euros. Sob o olhar atento do governador do Banco de Portugal estão agora, precisamente, as grandes instituições. “Estamos atentos aos principais bancos portugueses”, garantiu Constâncio.
Por seu lado, a CGD já tinha admitido, em Junho, a possibilidade de vir a fazer um aumento de capital este ano, sem revelar montantes nem data para a operação. O BES fez o seu último aumento de capital em 2006 e tem garantido não necessitar de novo reforço, apesar da situação dos mercados. Para além do BCP e BPI, também o Banif fez recentemente um aumento de capital de 100 milhões, para repor os seus rácios de capital.
As quedas no sector arrastam-se desde o ano passado, mas intensificaram-se nos últimos dias com a possível falência da Fannie Mae e Freedie Mac, duas importantes concessionárias de crédito nos Estados Unidos.
Neste caso estão em causa instituições que representam cerca de 4 triliões de dólares, ou seja, maiores que a soma dos PIB da Alemanha e da China juntos e que representam cerca de 30% do PIB americano.
Acresce que estas instituições eram entidades emitentes de obrigações e que essas obrigações foram vendidas no mundo inteiro, constituindo hoje parte significativa das reservas dos bancos centrais, nomeadamente da China e do Japão. O seu colapso poderia arrastar o descrédito do dólar e acentuar a fuga à moeda americana, o que provocaria imediatamente o colapso do sistema financeiro do dólar e forçaria a maior recessão da história da humanidade.
Tentando passar uma imagem rosa dentro do não descrédito, como se pede aos bancos centrais, ainda durante a sua audição desta semana no Parlamento, Constâncio traçou um quadro razoavelmente negro de estado da banca internacional. O responsável disse que a situação nos mercados financeiros internacionais é “de grande delicadeza e preocupação” e que, desde Maio, “aumentou a aversão ao risco, houve uma aproximação ao pânico e cresceu a desconfiança entre bancos”, tanto na Europa como nos EUA. O governador lembrou que “os bancos têm estado no centro desta turbulência internacional”, com os custos de financiamento a agravarem-se “muito mais do que para as empresas financeiras”.
Mas estas palavras prudentes do governador não têm nada que ver com a realidade, num cenário eventual de colapso do sistema financeiro. A possibilidade do governo dos Estados Unidos nacionalizar as duas instituições para garantir a solvabilidade do sistema não é pacífica e esta semana no Congresso americano defendia-se que o melhor seria deixar mesmo tudo rebentar para poder começar de novo. Esta posição radical atiraria a China para uma recessão colossal, pois o seu banco central veria evaporarem-se as suas reservas, o que significaria que ficaria sem condições para exportar capitais. O ajustamento permitiria também aliviar a pressão da dívida externa americana, que representa cerca de quatro vezes o PIB (mais de 45 triliões) e sobretudo reavaliaria em dólares os activos americanos e criava novas condições de competitividade externa à maior economia do mundo. A recessão na China provocaria uma imediata descida do preço do petróleo e isso imediatamente colocaria a economia ocidental a crescer.
Mas trata-se de um verdadeiro cenário de guerra financeira, que só pode ser academicamente considerado e que para já os políticos apenas temem. Mas não é nada que, por exemplo, o economista maldito Galbraith não tenha já previsto há mais de trinta anos.
Accionistas sem dinheiro
O problema é que se a crise se agravar, os actuais accionistas portugueses não vão ter disponibilidade financeira para fazer aumentos de capital, o que não deixa grande espaço de manobra para a pressão do banco central. Se Constâncio exigir aumentos de capital, provavelmente estará a entregar o capital dos bancos nacionais aos espanhóis ou aos alemães que, conforme denunciava o “Financial Times”, estão a aproveitar as condições especialmente favoráveis do BCE, que já injectou quase 30 biliões de euros nos bancos do país vizinho.
A alternativa da nacionalização, como aconteceu em Inglaterra e nos Estados Unidos, sendo sem dúvida a que mantém a soberania nacional no sistema financeiro local, não é possível em face das regras da União Económica e Monetária. As regras da eurozona não permitem as nacionalizações e a própria Caixa Geral de Depósitos está descapitalizada e sem capacidade para acorrer ao aumento de capitais necessários. Entregar o resto da banca nacional aos angolanos também não pode ser o caminho, apesar do reforço do relacionamento entre Lisboa e Luanda, com a visita de ontem do primeiro-ministro português a Angola.
A solução terá que ser acreditar que os valores estão lá, apesar da queda dos mercados e que se houver prudência e se esperar um pouco – ou seja, vista grossa por parte do Banco de Portugal -, tudo pode ser tranquilamente aguentado como está e depois da crise passar então os problemas ficarão resolvidos.
O que há que assegurar é que os bancos prejudicados pela crise financeira não passem para a economia real, nomeadamente para as famílias e para as PME, o pânico em que vivem, aumentando os spreads e exigindo mais garantias.
Com efeito, os indicadores gerais não pioraram muito no primeiro trimestre. O crédito malparado sobre o total subiu de 1,27%, em Dezembro, para 1,31% em Março e, desde aí, continuou a subir. Quanto ao crescimento da actividade, adiantou que o crédito a particulares desacelerou, tendo subido 7,9% em Maio, face a 9,9% em Dezembro. Também a margem financeira tem caído, “fruto da subida das taxas de juro e da forte concorrência”. O governador recordou ainda o peso cada vez maior da actividade internacional nos lucros dos grupos portugueses e salientou que, sem esta contribuição, “os resultados líquidos em 2007 teriam sofrido uma ligeira diminuição”.
Mas, apesar disso, o SEMANÁRIO sabe que alguns bancos, nomeadamente o BCP, já estão a exigir spreads de 1,5% a 2% aos seus clientes, verdadeira usura que provocará a falência do já magro tecido empresarial nacional e a travagem ainda mais acentuada do investimento.|