É justamente reconhecida a notoriedade do mandato do BCE e é respeitável a convicção com que esta instituição defende a sua política monetária, considerando-a como a mais adequada para o relançamento, a curto prazo, da economia europeia.
As recentes alterações da estratégia monetária do Banco são, aliás, genericamente referidas como muito positivas e consideradas um real progresso.
Recentemente, o Banco passou a medir a inflação pelo Índice de Preços Harmonizados no Consumidor (IPHC) – o que criou uma ligeira folga para atingir objectivos da estabilidade dos preços – reconhecendo também que o valor ideal da inflação deve ser próximo, mas abaixo dos 2%.
Não houve ainda coragem para assumir uma estratégia simétrica que, respeitando o nível de inflação de 2%, considere de igual modo prejudiciais os desvios positivos ou negativos em volta deste valor.
É contudo indesmentível que a recuperação económica da Europa não é visível no horizonte imediato e que todas as alterações de política desenvolvidas têm vindo a ser antecipadas pelos mercados e encaminhadas para funções e equilíbrios que, no curto prazo, pouco podem contribuir para essa recuperação.
Não podiam de resto ser mais claras, quanto ao estado de espírito europeu, as recentes previsões do Banco para a evolução económica, em 2003 e em 2004.
Com efeito, prevê-se que o crescimento do PIB na Europa atinja em 2003 um valor à volta de 0,7% (face a uma previsão inicial de 1,6%) e que em 2004 a Europa cresça cerca de 1,6% do PIB (contra uma previsão inicial em redor 2,4%). Ou seja, de uma só penada esta Instituição corta nas suas previsões de crescimento uma fatia equivalente a 0,9% em 2003 e a 0,8% do PIB em relação a 2004.
É, pois, a altura de todas as instituições europeias e, portanto também o BCE, meditarem sobre a natureza da crise económica actual.
A União Económica e Monetária só será útil e viável a longo prazo se assentar equilibradamente em 2 colunas diferentes.
A 1.ª já existe e está felizmente consolidada: é o €uro e o Governo monetário que a ele se encontra associado, ou seja, o BCE.
Mas a 2.ª coluna, ou seja, uma política económica europeia e a consequente inevitabilidade da coordenação das políticas económicas nacionais, ou não existe, ou tem uma dimensão ainda extremamente frágil.
Perante o falso dilema “crescimento ou estabilidade”, o BCE não pode resignar-se com o seu principal desígnio institucional – a estabilidade dos preços -, ignorando as fragilidades e as contradições das políticas que visam alcançar outros objectivos como o crescimento económico e o emprego.
E por seu turno os Governos nacionais, a Comissão Europeia e o Conselho não podem satisfazer-se com o nível insipiente de coordenação das suas políticas económicas, ou com carácter meramente indicativo das grandes orientações de política económica.
Acresce, ainda, quanto ao Banco que existem boas razões para pensar que o ponto de partida na definição da política monetária foi erradamente definido – taxa de inflação de 2% – e não está em linha com o crescimento potencial da economia europeia.
É necessário, assim, que o Banco Central Europeu e nomeadamente o seu todo-poderoso presidente ajudem a encontrar respostas e soluções para as seguintes questões fundamentais:
1 – Têm sido suficientes as reformas estruturais levadas a cabo na generalidade das economias dos países europeus? Se não foram, qual o contributo adicional que as políticas monetária e fiscal podem dar para superar a actual situação de estagnação económica?
2 – As actuais restrições da política monetária e os constrangimentos fiscais impostos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, que o BCE tem apoiado, são compatíveis com a necessária reforma do modelo social europeu, sem pôr em causa a sua essência e a natureza distintiva que assume no quadro da política europeia de desenvolvimento?
3 – A actual apreciação do €uro corresponde completamente aos fundamentos da economia europeia e é um elemento pró-activo de recuperação económica ou, pelo contrário, pode desencadear um processo sério de deflação?
4 – Qual poderá ser o contributo que o BCE pode dar para a superação do défice de reformas estruturais realizadas tendo em vista concretizar os objectivos da estratégia de Lisboa? Serão esses objectivos alcançáveis nos prazos inicialmente previstos, com as políticas monetária e fiscal que têm sido desenvolvidas e com a aparente escolha dos Estados nacionais por um nível de coordenação económica mínimo?
A resposta satisfatória para estas questões é essencial, pois dela depende o êxito da imprescindível transposição e ligação da política monetária para e com os objectivos do crescimento económico e pleno emprego.
O Conselho Europeu vai aprovar em Salónica “As Grandes Orientações de Política Económica” para os próximos 3 anos (2003-2005) dirigidas aos Estados-membros.
Apesar de este ser um período crucial para a recuperação económica da Europa, as GOPE não primam pela ousadia e repetem, perante uma situação de crise que é verdadeiramente nova, as terapias já esgotadas e ineficientes noutras circunstâncias, sem prejuízo da proposta do Conselho assentar em formulações generosas.
Em primeiro lugar, a promoção do crescimento económico que é definida como prioridade absoluta; em segundo lugar, o incremento da flexibilização dos mercados dos factores produtivos nomeadamente o do trabalho; em terceiro lugar, a sustentabilidade das finanças públicas; em quarto lugar, o lançamento de reformas visando criar mais e melhor emprego; finalmente, a revisão dos sistemas de pensões e de prestação de cuidados de saúde sem pôr em causa o modelo social europeu.
O Parlamento Europeu foi, contudo, mais audaz, mas as propostas que fez (como a planificação e calendarização das reformas estruturais ou a flexibilização do processo de consolidação das finanças públicas, adaptando-o às condições de cada país/região) não foram aceites pelo Conselho.
O erro não está, apesar de tudo, na definição dos objectivos; está, sim, na insuficiência dos instrumentos, na precariedade da coordenação ou na vontade mínima para harmonizar e integrar, numa dimensão europeia, as políticas económicas nacionais.
Um dos passos fundamentais para que isso possa ser feito tem de ser a articulação das políticas do Banco Central Europeu com os objectivos económicos definidos pelas restantes instituições da União.
Se isto não exige ainda uma completa reformulação do estatuto da autoridade monetária e dos seus objectivos essenciais impõe, pelo menos, que o BCE leve em conta a situação económica e social concreta que é, bem vistas as coisas, o que verdadeiramente conta para as pessoas e para a integração europeia.