2025/09/15

Semanário – Desporto 143por Manuel Lopo de Carvalho

1 – Terminado que está o defeso importa agora fazer uma breve análise da forma como o mesmo decorreu para as tradicionais equipas candidatas ao título de campeão, bem como avançar com algumas previsões para o campeonato que agora vai começar.

A primeira constatação que me permito referir é que o F.C.Porto continua fortíssimo, o Sporting reforçou-se bem, voltando a ter uma equipa competitiva, o Benfica ficou na mesma e o Boavista caiu a pique em termos de qualidade e competividade.
Analisando um pouco melhor o sucedido nestes três meses de não futebol, verificou-se que fruto do encaixe financeiro proveniente das vendas de Hélder Postiga e de Ricardo Quaresma e mais recentemente de Cristiano Ronaldo, o F.C.Porto e o Sporting conseguiram reforçar as suas equipas com jogadores de indiscutível qualidade. Jogadores como McCarthy, Pedro Mendes, Ricardo, Polga e Rochemback são indiscutíveis mais valias que dão garantias de bom rendimento. Acresce que o F.C.Porto conseguiu não vender Deco o que, em meu entendimento, foi a sua melhor contratação de todo este período.
Do lado oposto, ou seja, dos “pobrezinhos” verifica-se que o Boavista vendeu os seus melhores valores, sendo a queda em termos de rendimento desportivo evidente. O Boavista não tem este ano uma equipa para aspirar a mais que o meio da tabela. Os primeiros resultados são disso prova evidente.
Quanto ao Benfica a situação é ligeiramente melhor no plano desportivo pois não vendeu, até ver, nenhum dos seus jogadores mais importantes, mas também não reforçou a equipa em lugares claramente carenciados, apesar dos apelos angustiados do seu treinador.
No âmbito das expectativas que foram criadas em redor do Benfica, quer pela comunicação social, quer pelos dirigentes encarnados, é que a situação não é nada favorável. De um ambiente de grande expectativa quanto a reforços, em que quase todos os dias era anunciado um “truta” como praticamente contratado, em que o presidente da SAD prometia aos sócios a vinda de Rui Costa, em que o treinador referia que o Benfica devia comprar jogadores como o já referido Rui Costa ou, pasme-se, Ronaldinho Gaúcho, eis que para a nova época a equipa aparece com dois únicos “reforços”: Alex e Ronald Garcia! O primeiro parece que é bom rapaz mas não é claramente daquele filme. Quanto ao segundo, o treinador deu-lhe de imediato guia de marcha para o Alverca, apesar de ter custado trezentos mil contos!
Resultado: o desânimo nas hostes benfiquistas é generalizado.
Existe porém uma situação que pode alterar um pouco este estado de espírito que é o facto de se aproximarem as eleições no clube pelo que é muito provável que o candidato do regime, ou como se dizia no tempo da ditadura, o candidato da situação, tire da manga algum coelho, perdão jogador, e o acene aos sócios como um troféu de caça. Vamos ver, pois a probabilidade que isto aconteça é grande. Até lá, porém, a descrença está instalada entre os benfiquistas.
Em conclusão, no campeonato do defeso o campeão foi o Sporting seguido de perto pelo F.C.Porto. Em terceiro lugar mas bem distanciado e a perder fulgor competitivo vem o Benfica. Em quarto lugar nesta competição aparece o Boavista claramente em queda e com prespectivas futuras algo sombrias.
2 – No que respeita às previsões para o campeonato, estas apontam para uma luta entre o F.C.Porto e o Sporting para o primeiro lugar.
Começando pelo F.C.Porto, pode dizer-se que ao manter o Mourinho, Deco e com os reforços que conseguiu não vai ver diminuída a sua capacidade. Apresenta-se pois como o principal favorito.
O Sporting conseguiu ver-se livre de um treinador que só foi bom enquanto dispôs do abono de família chamado Jardel e contratou um técnico português com provas dadas, embora, a meu ver, com excessivas preocupações defensivas. Por outro lado reforçou a defesa e o meio campo que apresentavam claros sinais de perca de competitividade. No ataque é que a situação não está brilhante. As saídas de Quaresma, Ronaldo e a dispensa de Jardel não foram compensadas devidamente. A contratação de Silva é claramente insuficiente. Está, porém, anunciado pela direcção leonina a contratação de um “matador” para a frente de ataque. Se tal se verificar o Sporting pode aspirar seriamente a lutar com o F.C.Porto pelo primeiro lugar. Caso contrário deverá ter assegurado o segundo lugar.
Quanto ao Benfica, depois do defeso desastroso que protagonizou, direi que não é expectável que possa ir além do terceiro lugar.
Com efeito, o Benfica deixou-se claramente ultrapassar quer pelo F.C.Porto e pelo Sporting em termos de reforço da equipa principal. Dispõe de um treinador que está clara e publicamente descontente com o incumprimento das promessas que a SAD lhe terá feito quanto a reforços. Está manietado com uma situação de quase exclusivo com o empresário José Veiga, a qual vai seguramente provocar fortes tensões internas com o treinador e o seu empresário. Não tem estádio próprio para jogar até meados de Outubro e não dispõe de centro de estágio e treinos tendo que andar a treinar onde calha. Tem uma Direcção que se demitiu das suas funções e uma SAD que muito promete e pouco faz. Tem eleições em Outubro, o que sempre desestabiliza o poder instalado. Não tem dinheiro, nem grandes perspectivas de o arranjar.
Face a este panorama não se vê como seja possível considerar o Benfica candidato ao título. Só se for com a ajuda de Nossa Senhora de Fátima.
Quanto aos “outsiders”, e dado o desaparecimento do mapa por parte do Boavista, apenas o Vitória de Guimarães se apresenta com alguns argumentos para incomodar os grandes. Parecem-me contudo insuficientes para que o clube possa aspirar a algo mais que o quarto lugar.
Em conclusão, e com o risco que todas as previsões têm associadas, aqui fica a minha aposta para o campeonato que agora se inicia: F.C.Porto – 1º lugar; Sporting – 2º lugar; Benfica – 3º lugar; Vitória de Guimarães – 4º lugar.
Em Maio de 2004 veremos se tinha razão antecipadamente, ou se me enganei redondamente!
Como benfiquista faço votos para que o engano prevaleça, que possa dar a mão à palmatória e comemorar efusivamente a vitória do meu clube de sempre. Já não seria sem tempo.

Semanário – Desporto 143por Manuel Lopo de Carvalho

1 – Terminado que está o defeso importa agora fazer uma breve análise da forma como o mesmo decorreu para as tradicionais equipas candidatas ao título de campeão, bem como avançar com algumas previsões para o campeonato que agora vai começar.

A primeira constatação que me permito referir é que o F.C.Porto continua fortíssimo, o Sporting reforçou-se bem, voltando a ter uma equipa competitiva, o Benfica ficou na mesma e o Boavista caiu a pique em termos de qualidade e competividade.
Analisando um pouco melhor o sucedido nestes três meses de não futebol, verificou-se que fruto do encaixe financeiro proveniente das vendas de Hélder Postiga e de Ricardo Quaresma e mais recentemente de Cristiano Ronaldo, o F.C.Porto e o Sporting conseguiram reforçar as suas equipas com jogadores de indiscutível qualidade. Jogadores como McCarthy, Pedro Mendes, Ricardo, Polga e Rochemback são indiscutíveis mais valias que dão garantias de bom rendimento. Acresce que o F.C.Porto conseguiu não vender Deco o que, em meu entendimento, foi a sua melhor contratação de todo este período.
Do lado oposto, ou seja, dos “pobrezinhos” verifica-se que o Boavista vendeu os seus melhores valores, sendo a queda em termos de rendimento desportivo evidente. O Boavista não tem este ano uma equipa para aspirar a mais que o meio da tabela. Os primeiros resultados são disso prova evidente.
Quanto ao Benfica a situação é ligeiramente melhor no plano desportivo pois não vendeu, até ver, nenhum dos seus jogadores mais importantes, mas também não reforçou a equipa em lugares claramente carenciados, apesar dos apelos angustiados do seu treinador.
No âmbito das expectativas que foram criadas em redor do Benfica, quer pela comunicação social, quer pelos dirigentes encarnados, é que a situação não é nada favorável. De um ambiente de grande expectativa quanto a reforços, em que quase todos os dias era anunciado um “truta” como praticamente contratado, em que o presidente da SAD prometia aos sócios a vinda de Rui Costa, em que o treinador referia que o Benfica devia comprar jogadores como o já referido Rui Costa ou, pasme-se, Ronaldinho Gaúcho, eis que para a nova época a equipa aparece com dois únicos “reforços”: Alex e Ronald Garcia! O primeiro parece que é bom rapaz mas não é claramente daquele filme. Quanto ao segundo, o treinador deu-lhe de imediato guia de marcha para o Alverca, apesar de ter custado trezentos mil contos!
Resultado: o desânimo nas hostes benfiquistas é generalizado.
Existe porém uma situação que pode alterar um pouco este estado de espírito que é o facto de se aproximarem as eleições no clube pelo que é muito provável que o candidato do regime, ou como se dizia no tempo da ditadura, o candidato da situação, tire da manga algum coelho, perdão jogador, e o acene aos sócios como um troféu de caça. Vamos ver, pois a probabilidade que isto aconteça é grande. Até lá, porém, a descrença está instalada entre os benfiquistas.
Em conclusão, no campeonato do defeso o campeão foi o Sporting seguido de perto pelo F.C.Porto. Em terceiro lugar mas bem distanciado e a perder fulgor competitivo vem o Benfica. Em quarto lugar nesta competição aparece o Boavista claramente em queda e com prespectivas futuras algo sombrias.
2 – No que respeita às previsões para o campeonato, estas apontam para uma luta entre o F.C.Porto e o Sporting para o primeiro lugar.
Começando pelo F.C.Porto, pode dizer-se que ao manter o Mourinho, Deco e com os reforços que conseguiu não vai ver diminuída a sua capacidade. Apresenta-se pois como o principal favorito.
O Sporting conseguiu ver-se livre de um treinador que só foi bom enquanto dispôs do abono de família chamado Jardel e contratou um técnico português com provas dadas, embora, a meu ver, com excessivas preocupações defensivas. Por outro lado reforçou a defesa e o meio campo que apresentavam claros sinais de perca de competitividade. No ataque é que a situação não está brilhante. As saídas de Quaresma, Ronaldo e a dispensa de Jardel não foram compensadas devidamente. A contratação de Silva é claramente insuficiente. Está, porém, anunciado pela direcção leonina a contratação de um “matador” para a frente de ataque. Se tal se verificar o Sporting pode aspirar seriamente a lutar com o F.C.Porto pelo primeiro lugar. Caso contrário deverá ter assegurado o segundo lugar.
Quanto ao Benfica, depois do defeso desastroso que protagonizou, direi que não é expectável que possa ir além do terceiro lugar.
Com efeito, o Benfica deixou-se claramente ultrapassar quer pelo F.C.Porto e pelo Sporting em termos de reforço da equipa principal. Dispõe de um treinador que está clara e publicamente descontente com o incumprimento das promessas que a SAD lhe terá feito quanto a reforços. Está manietado com uma situação de quase exclusivo com o empresário José Veiga, a qual vai seguramente provocar fortes tensões internas com o treinador e o seu empresário. Não tem estádio próprio para jogar até meados de Outubro e não dispõe de centro de estágio e treinos tendo que andar a treinar onde calha. Tem uma Direcção que se demitiu das suas funções e uma SAD que muito promete e pouco faz. Tem eleições em Outubro, o que sempre desestabiliza o poder instalado. Não tem dinheiro, nem grandes perspectivas de o arranjar.
Face a este panorama não se vê como seja possível considerar o Benfica candidato ao título. Só se for com a ajuda de Nossa Senhora de Fátima.
Quanto aos “outsiders”, e dado o desaparecimento do mapa por parte do Boavista, apenas o Vitória de Guimarães se apresenta com alguns argumentos para incomodar os grandes. Parecem-me contudo insuficientes para que o clube possa aspirar a algo mais que o quarto lugar.
Em conclusão, e com o risco que todas as previsões têm associadas, aqui fica a minha aposta para o campeonato que agora se inicia: F.C.Porto – 1º lugar; Sporting – 2º lugar; Benfica – 3º lugar; Vitória de Guimarães – 4º lugar.
Em Maio de 2004 veremos se tinha razão antecipadamente, ou se me enganei redondamente!
Como benfiquista faço votos para que o engano prevaleça, que possa dar a mão à palmatória e comemorar efusivamente a vitória do meu clube de sempre. Já não seria sem tempo.

Uma vida vale 438 eurospor Jorge Ferreira

Eu sei que é politicamente correcto dizer bem de Bagão Félix. Eu sei que a vida humana vale pouco em Portugal.

Eu sei que a vida de cada pessoa não é susceptível de ser avaliada em numerário. Eu sei que para Guilherme Silva até morreu pouca gente nos fogos. Eu sei que há o pacto de estabilidade. Eu sei que há a necessidade de conter o défice.

Eu sei que meio país está de férias e que não é bom incomodar o descanso de quem não se preocupa. Eu sei que há atrasos no pagamento de inúmeras prestações sociais como nunca houve. Eu sei que há desempregados à espera do subsídio a que têm direito e nunca mais chega. Eu sei que o Estado deve milhões a fornecedores.

Mas apesar disso tudo não resisto a um desabafo. Li na página 7 do “Correio da Manhã”, de 12 de Agosto deste ano da desgraça de 2003 e não acreditei. Mas parece que se confirma. No pacote de apoios sociais que disponibilizou para apoiar as vítimas dos incêndios, o Governo reservou-se a caridade de atribuir a cada família que teve vítimas mortais nos fogos a quantia de 438 euros. Oitenta e sete mil oitocentos e onze escudos.

Um morto num incêndio é o que vale. Nem mais nem menos. Um ordenado mínimo, mais tostão menos tostão, perdão, mais cêntimo menos cêntimo.

Eu sei que o ministro fez questão de dizer que desta vez a burocracia não vencerá e as famílias receberão em dinheiro vivo. Vá lá: sempre se poupa algum em formulários, impressos e outros bens perecíveis. Desta vez as pessoas não têm que ir ao banco, nem ao tribunal, receber esses gloriosos 438 euros. Receberão em vivo por um morto.

Suponho que o Governo entenderá esta capacidade de pagar em dinheiro vivo como exemplo de capacidade de acção. Como uma expressão de operacionalidade e prontidão. De eficácia tecnocrática.

Não vou entrar na demagogia dos estádios do Euro 2004, nem dos ordenados arábicos de alguns assessores de ministros, nem do desperdício que existe na Administração Pública, nem… (o director deu-me limite de caracteres para hoje).

Mas vou entrar no bom nome do Estado. Está em causa. Vou entrar na humanidade do Estado. Está em causa. Vou entrar no prestígio do Estado. Está em causa. Vou entrar no humanismo que às vezes se expõe em entrevistas para embelezar a comunicação, mas que depois desaparece nos fumos da desgraça. É falso.

E não me venham com as tretas da baixa política. Cheira a desespero de quem sabe que falhou. Portugal, além de respeito pelos mortos, talvez jamais tenha precisado tanto de política como agora. Da séria.

Francamente.

Lisboa, 14 de Agosto de 2003

O Antigo Regime acabou este mêspor Rui Teixeira Santos

O que o estrangeirismo do Marquês, uma revolução liberal, a implantação da república e as nacionalizações não conseguiram fazer em dois séculos, acabou por ser feito pelo doutor Barroso, em 2003, com o incêndio de mais de um terço da floresta do País.

De repente, famílias inteiras, que viveram sempre da cortiça, da terra, da vinha, da floresta e dos animais, ficaram sem nada. Se em alguns casos se salvou a casa grande, mais valia que ela tivesse ardido e se tivessem salvo os sobreiros, que levam quarenta anos a crescer. Se os toiros não ficaram carbonizados, onde há agora dinheiro para lhes comprar o pasto?
Se no campo tinham ficado os últimos representantes de uma aristocracia rural, que a tudo, e até ao desenvolvimento, tinha conseguido sobreviver, depois deste fogo tudo ficou consumido. O que do Antigo Regime tinha sobrado, queimou-se agora, seja o modo absentista de fazer agricultura, seja também um certo modo de contrariar os novos formatadores de valores em nome da tradição.
E no drama humano em que o País mergulhou, não ser esperava apenas bombeiros, que não apareceram, nem pagadores de enterros de mortos que não tivemos. Era necessário mais, muito mais. Esta não era a ocasião para férias, nem para vagas propostas de programas económicos de emergência. Esteve mal o Governo, esteve ainda pior a oposição e as superficiais análises de Marcelo na TVI.
Dois dias após o terramoto de 1755, já o Marquês tinha isentado de impostos todo o acesso de materiais de construção à cidade de Lisboa. Não era tempo para reconstruir a cidade velha. Era o momento de fazer uma cidade nova. Na adversidade, surgiu o maior estadista português, dos últimos trezentos anos – o Marquês de Pombal. Porque era competente. Inteligente e bem formado, sabendo o que queria para Portugal, não hesitou em afrontar a velha aristocracia, com casos exemplares. Mais que o mercantilismo, e a substituição das importações, que nos levavam o ouro, com a cerâmica, os têxteis e até a vinha do Douro (com a sua pesada herança agora com as dívidas da Casa do Douro), ou mesmo o rigor autoritário da sua ditadura, o que releva de Sebastião José de Carvalho e Melo foi a capacidade de ter respondido à adversidade, vendo aí a oportunidade para reescrever a História e engrandecer Portugal.
Com uma tragédia da dimensão daquela que agora ocorreu, só a incompetência, a cobardia e a falta de visão da nossa elite política justificam que não se avance de imediato para o verdadeiro plano de reforma fundiária em Portugal. Estamos perante a maior oportunidade que a História nos dá para fazer uma reforma agrária sem dor, que redimensione a propriedade no nosso país e que evite entregar o interior às celuloses. Compete ao Estado criar as condições para que seja feita a reflorestação, com unidades económicas rentáveis. Se for necessária a organização em cooperativas dos produtores, que se faça. Senão, o Estado pode criar mecanismos para uma honesta expropriação por interesse público, sem olhar aos meios necessários para que o Estado respeite as regras do mercado. E, nesse particular, a experiência de expropriações da Brisa, para a construção de auto-estradas, prova bem que não são necessárias irresponsáveis nacionalizações como as de 1975, ou a falta de ética, como nos impostos o ano passado, para que se assegure uma reforma agrária.
O que o Governo tem de decidir é, se quer meter o resto dos agricultores em duas assoalhadas na Amadora ou em Almada, como aconteceu nos últimos quarenta anos, com o fenómeno de urbanização das populações rurais, ou se, ao contrário, queremos povoar o interior do País, dando condições de vida e um modelo agrário viável aos portugueses que queiram sair dos subúrbios e voltar a reconquistar qualidade de vida no interior de Portugal.
É uma oportunidade de ouro, que exige génio, convicção e estadistas à altura. De Trás-os-Montes ao Algarve, arderam mais de duzentos e quinze mil hectares de floresta, provavelmente por causa das condições climatéricas, seguramente porque houve incêndios ateados pelos loucos pirómanos do costume e, também, por alguns interesses menos claros de madeireiros, mas o que é dramático é ver, em face da inexistência de bombeiros competentes, ou de um serviço de protecção civil operacional, um ministro da Administração Interna e um primeiro-ministro a fazerem de bombeiros, em vez de estarem já a planear o novo interior agrícola de Portugal. O que é dramático é que Bagão Félix se preocupe em enterrar os mortos e em pagar funerais e a sobrevivência das vítimas, mas não exista uma palavra para o futuro da floresta em Portugal. O Governo escolhe o mais popular, no curto prazo, e, por isso mesmo, não ficará na história. Repete a velha história de trinta anos de governos anteriores que reforçaram verbas para protecção civil e bombeiros, que, como vimos, só servem quando não há incêndios, nem terramotos, nem grandes acidentes. Ao menos, antes, não se gastava dinheiro nessas coisas, que não servem (não serviram) rigorosamente para nada. Talvez rezar para prevenir, mesmo em Fátima ou na Senhora da Ladeira, fosse política e economicamente mais honesto. Talvez fosse avisado não ficar circunscrito ao fundamentalismo dos economistas oficiais do costume, que, curiosamente, agora, ficaram calados…

Proveito e exemplopor Vítor Dias

No passado domingo, depois de vermos e ouvirmos na TVI esse monumental símbolo de isenção que se dá pelo nome de Marcelo Rebelo de Sousa a fazer o “balanço da oposição” e, neste quadro, a apoucar injustamente o PCP, sentimos que era preciso contar aqui uma breve história de proveito e exemplo.

Essa história pode começar referindo que, em mais uma prova de que os comunistas não percebem nem o País, nem o mundo, nem o tempo em que vivem, o PCP resolveu organizar diversas intervenções públicas no Inverno passado sobre a temática dos incêndios florestais, debaixo do princípio racionalmente inquestionável de que é nessa época, e não quando as chamas já estão a espalhar a destruição, a morte e o desespero, que se devem discutir e aprontar medidas de prevenção.
E foi nesse quadro que, em 16 de Novembro de 2002, Carlos Carvalhas visitou o Centro de Operações e Técnicas Florestais na Lousã e de seguida participou numa iniciativa de debate promovida pelo seu partido sobre “Florestas, fogos florestais e desenvolvimento da Serra”. Acrescente-se porém que tanto a visita como o debate foram olimpicamente ignorados pela imprensa escrita e já a RTP, que até se deslocou à iniciativa, o que transmitiu foi uma resposta dada por Carlos Carvalhas a uma pergunta feita pela RTP sobre qualquer coisa que o PS tinha dito naquele dia.
Provando que não desanima às primeiras, em 17 de Dezembro de 2002, lá estava o PCP a organizar uma visita de Carlos Carvalhas, acompanhado dos deputados Lino de Carvalho e Rodeia Machado, aos Bombeiros Voluntários de Almoçageme (Sintra), tendo a comunicação social sido previamente informada de que, nessa ocasião, o secretário-geral do PCP divulgaria “um conjunto de medidas e de propostas legislativas do PCP sobre prevenção e combate aos fogos florestais”. Acrescente-se agora que, excepção em toda esta história, a RTP deu cobertura a esta visita, mas já a maior parte da imprensa escrita, e desde logo os chamados “jornais de referência”, a ignorou completamente.
E, como elemento final e culminante desta história, a 22 de Janeiro deste ano, por agendamento do PCP, a Assembleia da República foi chamada a debater um projecto de Resolução com um conjunto de recomendações com vista a melhorar as políticas de prevenção e combate aos fogos florestais e um projecto de lei, visando a criação de um programa de rearborização das áreas percorridas por incêndios florestais.
Acrescente-se porém que estas iniciativas e este debate parlamentares provocados pelo PCP foram avassaladoramente ignorados pela generalidade da comunicação social, com as televisões e jornais a darem preferência nos seus critérios de cobertura parlamentar ao tema do notariado ou ao tema da venda dos terrenos da Falagueira.
E isto é tanto mais significativo e revelador quanto até é certo que Lino de Carvalho tinha arrancado com a sua intervenção inicial afirmando que “é possível que nesta sala, desde deputados a jornalistas, se interroguem da razão porque, em pleno Inverno e chovendo a potes, o PCP se lembrou de colocar na agenda o dramático problema dos fogos florestais que, anualmente, lá mais para o Verão, incendiarão o País e farão as manchetes da nossa imprensa e terão honras de abertura dos telejornais. Que diabo, por que não esperar lá para Julho ou Agosto quando é o calendário mediático?”.
Ou seja, o silêncio sepulcral dos “media” sobre este debate na AR veio mostrar que nem mesmo as referências ao “calendário mediático” sobre um problema como os incêndios florestais levaram a comunicação social a, por uma vez que fosse, desmentir o retrato que se fazia dos seus critérios clássicos.
Esta história talvez possa servir para ilustrar como é falacioso que uma comunicação social que sabe ser ela a determinar em grande medida o curso e os temas da vida política e a influenciar brutalmente a apreensão pelos cidadãos da acção das diversas forças políticas, pretenda depois aparecer, fardada de imaculada inocência, a julgar tudo e todos, por vezes com uma sobranceria face a terceiros proporcional à sua própria falta de humildade e de espírito autocrítico.
É claro que esta história não mudará nenhuma opinião de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o PCP. Quando muito, mas ainda assim improvavelmente, se a lesse, talvez o professor desabafasse: “Tem graça, eu tinha uma vaga ideia disso, mas estava convencido que tudo se tinha passado com o Francisco Louçã e com o Bloco de Esquerda.”