“O caso Freeport é um reflexo do mau estado em que se encontra a Justiça em Portugal”
Destaque2: “As críticas de Marcelo Rebelo de Sousa à dra. Manuela Ferreira Leite, na prática, funcionam a favor do Partido Socialista”
O caso Freeport não justifica a demissão do primeiro-ministro
Hugo Velosa reconhece ter cada vez mais dúvidas sobre a nacionalização do BPN levada a cabo por este Governo, salienta que ainda falta ao PSD “dar o arranque para ser uma verdadeira alternativa ao PS” e avança que as críticas de Marcelo Rebelo de Sousa a Manuela Ferreira Leite só beneficiam o Partido Socialista. Por outro lado, o vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD e actual coordenador dos deputados social-democratas na Comissão de Inquérito ao BPN diz que o caso Freeport não justifica a demissão do primeiro-ministro e a consequente convocação de eleições antecipadas. Não obstante, deixa o alerta: “Ainda há muitas coisas por esclarecer e este caso é bem um reflexo do mau estado em que se encontra a Justiça em Portugal”.
Quando a Comissão de Inquérito ao BPN foi criada, muitos duvidaram da sua utilidade. Em seu entender essa utilidade já foi provada?
Houve uma comissão de inquérito em relação ao BCP e à supervisão, a primeira que se fazia no âmbito do novo regimento. Esta Comissão foi frustrante do ponto de vista parlamentar e daquilo que deve ser a dignificação dos trabalhos parlamentares. Porque, ao longo dos trabalhos, verificou-se que quase todas as entidades passavam a vida a invocar o sigilo profissional, bancário, fiscal, o segredo de justiça… Houve muita matéria que, face a esta situação, ficou efectivamente por provar.
Essa situação também está a acontecer na actual Comissão de Inquérito ao BPN?
O PSD entendeu que teríamos que ir num sentido diferente. E, na verdade, já começamos a notar que algumas pessoas no exterior da Assembleia da República perceberam que as comissões de inquérito podem ser úteis.
Falou-se que este comissão de inquérito poderia atrapalhar a actuação da Justiça. Essa confusão tem existido?
A Justiça fará o seu caminho e a Comissão de Inquérito ao Banco Português de Negócios fará outro. Desde logo, é bom lembrar que esta Comissão nasceu por uma decisão consensual: todos os partidos aprovaram o seu objecto. Acho que ela tem estado a funcionar bem. Pensamos que a Assembleia da República, no seu trabalho político, está a sair prestigiada com a Comissão de Inquérito. E também pode ter muita utilidade num certo saneamento do sistema financeiro em Portugal.
O que é que entende por “saneamento”?
Não de pessoas. A grande discussão hoje, a nível mundial, é saber, no futuro, quais os produtos que devem existir no mercado financeiro e quais os que existiam e provocaram a situação difícil em que vivemos. E a comissão de Inquérito pode ter muitas vantagens em todos estes aspectos.
Já podemos concluir se foi um erro ou não a nacionalização do BPN?
Quando o Governo decidiu a nacionalização do BPN, que trazia acoplada uma Lei das Nacionalizações, não achámos bem. Embora não tenhamos estado contra a nacionalização, levantámos, no plenário, sérias dúvidas sobre a decisão. E, neste momento, só tenho visto razões para termos levantado essas dúvidas. O Governo invoca que foi preciso proteger os depositantes. Mas seria a única forma de o fazer? Disse, igualmente, que era preciso não criar uma situação sistémica que teria origem com a falência do BPN. Mas a solução não seria deixar o BPN falir. Houve uma solução apresentada pelo dr. Miguel Cadilhe que tinha menores custos para o Estado e para os meios públicos. Conforme vão andando os trabalhos da Comissão cada vez há mais dúvidas sobre se a nacionalização foi a melhor solução.
José Sócrates anunciou que se ganhar as eleições legislativas tenciona diminuir a carga fiscal da classe média e aumentar a dos mais favorecidos. É esse o caminho certo de combate à crise e de apoio às famílias?
Do ponto de vista técnico, não há dúvida que na situação em que vivemos tem que haver uma actuação a nível fiscal. E essa actuação não pode ser aumentar todos os impostos, como este Governo o fez até há uns meses atrás. O Estado tem que libertar recursos às famílias e às empresas no sentido de poderem viver um pouco melhor numa situação de crise grave. Portanto, todas as medias fiscais que se possam tomar de desagravamento da carga fiscal serão bem-vindas.
E do ponto de vista político?
Quando ouço o primeiro-ministro apontando para aquilo que fará em termos de IRS se for reeleito… Se o primeiro-ministro ganhar as eleições – o que espero que não aconteça – as medidas que ele agora anuncia em sede de IRS dificilmente produzirão efeitos ainda em 2010. Só em 2011. Por outro lado, é bom que nos lembremos do que aconteceu em 2005. O eng. José Sócrates não deveria fazer anúncios sobre impostos. Seria bom para os portugueses que ele o fizesse depois de tomar as medidas.
Um facto é que o PSD não capitaliza com a insatisfação social e com a crise. Qual é o problema?
Ao contrário do que outros dizem, devemos ter sempre em atenção aquilo que nos dizem as sondagens, com as limitações de interpretação que podemos fazer delas. Mas há aqui dois ou três aspectos que estão a influenciar os maus resultados do PSD nas sondagens. O primeiro é a ideia de que este Governo em nada contribuiu para a situação que o País hoje vive. Essa é uma ideia falsa. Há uma crise internacional, com efeitos em termos de crise interna, mas houve políticas erradas – sobretudo do ponto de vista económico – que levaram o País a cair numa situação de crise económica. A primeira vez, por exemplo, que este Governo falou de apoios às PME foi há uns meses atrás.
Mas essa mensagem que passa de desculpa do Governo não transparece também por culpa do PSD?
O PSD tem apresentado propostas ao longo da legislatura – sobretudo na área económica. Mas às vezes o que se passa no Parlamento as pessoas, lá fora, não sabem… Ao longo destes quase quatro anos temos feito uma oposição responsável, com propostas concretas que o Governo vem adoptar depois de as ter criticado. Por outro lado é óbvio que, da parte do PSD, tem que haver uma mensagem positiva de esperança e de fazer algo diferente.
Essa mensagem de esperança já não devia existir e estar a ser transmitida aos portugueses?
A mensagem está a avançar aos poucos. Temos uma presidente que tem todas as condições – para além de umas críticas internas – para trabalhar no sentido de dar uma esperança e do PSD ser o partido alternativo. O PSD tem muita gente nos seus quadros com capacidade e experiência para não fazer o mesmo que o PS. A dra. Manuela Ferreira Leite já demonstrou ser uma pessoa que actua com serenidade e competência. Mas reconheço que, por enquanto, ainda falta o PSD dar o arranque de ser uma verdadeira alternativa ao PS.
Quando é que o PSD pensa dar o “arranque”? O tempo está a escassear…
Esse arranque está a ser dado. Neste momento, vejo algumas pessoas do PSD um pouco preocupadas, ouço as críticas – eu próprio estou à vontade para falar porque nunca fui um apoiante da dra. Manuela Ferreira Leite. Agora devem ser dadas à presidente do partido todas as condições para ela demonstrar que tem um programa, as pessoas e que o PSD é uma alternativa ao Partido Socialista.
Ainda acredita numa vitória em 2009?
Não me apeteceria estar cá se não acreditasse numa vitória. Depois do que têm sido as políticas erradas deste Governo e deste primeiro-ministro seria uma coisa lamentável cair na ideia de que o PSD deve lutar por perder por poucos.
Foi o que um antigo presidente do partido veio dizer…
Um antigo presidente do partido que foi embora e de vez em quando faz críticas. Pessoalmente, não fico muito satisfeito ao ouvir essas críticas. No momento em que vivemos, as críticas de Marcelo Rebelo de Sousa à dra. Manuela Ferreira Leite, na prática, funcionam a favor do PS. O que é preciso é fazer oposição. Seria bom que os ex-presidentes do PSD viessem dizer quais são as ideias que têm sobre a forma como se deve fazer oposição ao PS.
O que pensa da atitude de Pedro Passos Coelho, que tem tido uma agenda muito preenchida?
Sobre o Pedro Passos Coelho não me pronuncio.
Por alguma razão?
O dr. Pedro Passos Coelho tem o seu caminho, foi candidato e perdeu. Espera-se que o Pedro Passos Coelho dê um bom contributo técnico, de competências, de propostas concretas para o PSD melhor se apresentar nas eleições legislativas de Outubro.
O senhor, como madeirense e militante do PSD nacional, gostaria ainda de ver Alberto João Jardim na liderança do partido?
Tenho sido um dos grandes apoiantes dessa possibilidade. Por várias razões. Somos os dois madeirenses, foi ele que me convidou para a política e porque reconheço que, dos políticos que estão em actividade, com dificuldades, conseguiu fazer, na prática, uma das obras mais importantes de desenvolvimento que se fez neste País. Uma pessoa com estas qualidades, com a experiência política que tem, seria sempre alguém que poderia liderar o PSD a nível nacional. Seria bom para o País. Tenho esta opinião há vários anos. Mas respeito sempre a forma como o dr. Alberto João Jardim tem gerido a sua carreira política.
Como é que tem visto a luta interna no PSD/Madeira pela sucessão de Alberto João Jardim?
Vou-lhe ser franco: faço a minha vida no trabalho e não ligo nada a isso. O dr. Alberto João Jardim disse que não se recandidatava em 2011. Obviamente que até lá tem que se encontrar uma solução. Já ouvi algumas pessoas dizer que se disponibilizavam para essa solução e eu limito-me a observar. Mas, em minha opinião, a melhor solução seria o dr. Alberto João Jardim continuar como presidente do Governo Regional. Não falei com ele, até pode ser que não fique satisfeito por me ouvir dizer isto.
Não há pessoas competentes no PSD/Madeira para sucederem a Alberto João Jardim?
Não defendo que o dr. Alberto João Jardim deve continuar no seu cargo por entender que não há pessoas competentes para irem para presidente da Comissão Política Regional e continuarem a dar vitórias ao PSD da Madeira. O que acho é que para a Madeira e para os desafios que se avizinham, como problemas relacionados com a revisão constitucional que a Madeira tanto tem reivindicado, problemas relacionados com o muito que há por fazer para concretizar investimentos e desenvolvimento da Região, o mais indicado seria o dr. Alberto João Jardim fazer mais um mandato. Mas o mais importante, agora, são os três actos eleitorais que vamos ter este ano.
Em sua opinião, o caso Freeport poderá conduzir à necessidade de realização de eleições antecipadas?
Penso que não. Não vivemos uma situação que justifique a demissão do primeiro-ministro e do Governo e até a realização de eleições antecipadas. É um facto que a polícia está a investigar a questão do Freeport. Também é certo que há muitas coisas ainda por esclarecer – que todos nós esperamos que se esclareçam definitivamente. De qualquer maneira, este caso é bem um reflexo do mau estado em que se encontra a Justiça em Portugal.