Francisco Louçã já anunciou que pretende continuar no partido, pelo menos, até às eleições de 2009. Ana Drago, em entrevista ao SEMANÁRIO, elogia as qualidades do líder, que, considera, “até são reconhecidas pelos seus adversários”. A deputada do Bloco realça, no entanto, que “é o momento de se fazer alguma crítica interna e avançar com a renovação de cargos e do projecto político”.
Como é que está a assistir a este aumento exponencial, pelo menos em termos mediáticos, da criminalidade violenta?
Há uma diferença na forma como a criminalidade violenta tem vindo a aparecer no espaço público e os seus números. Há um paradoxo entre a forma como a criminalidade violenta tem preocupado a população e a forma como ela acontece. Nós, hoje, temos a percepção que existem em Portugal redes organizadas de criminalidade sofisticada que fazem tráfico de pessoas, tráfico de droga e tráfico de armas. Portanto, percebemos que ao nível da investigação criminal, na prevenção, não está a haver a capacidade de investigar essas redes. Temos um acesso muito facilitado às armas e temos crimes que têm uma escalada de violência e um número de mortos absolutamente insustentável.
E em resposta, o que se deve fazer?
Deve haver um forte investimento na investigação criminal para desmantelar estas redes e não possibilitar o acesso às armas, que é o que, no fundo, vai criar a criminalidade tão violenta. Mas também temos de ter políticas de prevenção ao nível da população. Temos regiões do país onde, de facto, as pessoas se sentem muito inseguras. E isso não é aceitável num regime democrático.
Esta criminalidade violenta poderá ser uma manifestação da “grave crise social” que o relatório da SEDES diz que Portugal está à beira?
É muito difícil fazer esse tipo de afirmações imediatas. A criminalidade violenta não se relaciona apenas com o angariar recursos para uma pessoa viver. Tem a ver com outro tipo de fenómenos: a desestruturação das redes de bairro, formas de vida, a perspectiva das pessoas terem a trajectória de ingressarem no trabalho e de organizarem uma família. Mas é muito difícil dizer que a criminalidade violenta resulta imediatamente de uma crise social.
O mesmo relatório denuncia uma crescente descredibilização da classe política junto dos cidadãos. Na qualidade de dirigente do BE sente isso?
Na qualidade de dirigente do BE e de cidadã. Existe um enorme descrédito da política democrática, muito em torno dos principais dirigentes. Mas não diria que atinge todos os partidos do espectro partidário.
O Bloco está fora da descredibilização.
Diria que sim. Mas eu sou suspeita a fazer essa avaliação. Creio, também, que esse tipo de avaliação não se estende ao PCP. Ou seja, a descredibilização estende-se mais aos partidos que fazem parte do arco da governação: do PS ao CDS. Histórias que conhecemos de processos que lesaram os interesses públicos e a total descoincidência entre promessas que se fazem em altura de eleições e as práticas governativas levam a que as pessoas sintam uma enorme falta de confiança na classe política.
Excluiu o BE e o PCP da mácula da descredibilização. Existe uma superioridade moral de uma certa esquerda em relação aos restantes partidos?
Não. A superioridade moral não é chamada para a política. Tem a ver com a forma como forças políticas e sociais se organizam e quais são os seus projectos. Não deve existir uma avaliação moral Essa é uma análise que os indivíduos, em casa, farão.
Por vezes fica a ideia que o BE se arroga de uma certa superioridade moral.
Longe disso! O BE discute matérias que tocam a vida das pessoas e que têm a ver com injustiças, ausências de liberdade e atropelos de direitos. Isto não é a mesma coisa do que discutir futebol. Portanto, uma pessoa quando discute matérias destas obviamente que se entusiasma, tem paixão, tem crença e se sente indignada. Não se pode discutir estas coisas como se fosse uma questão teórica ou que não tivesse importância nenhuma. Quando discutimos matérias de política apaixonamo-nos e deixamo-nos levar por essa indignação. Não creio que isso corresponda a mostrar uma superioridade moral. Mas também não aceito que me arrastem e ao projecto político onde estou para a ideia que somos todos iguais e que temos as mesmas responsabilidades naquilo que acontece no país. Não é bem verdade: o meu partido não é financiado pela Somague e há razões para isso.
Mas se o BE chegar à governação…
Essa ideia de que o ocupar o lugar do poder necessariamente implica uma mácula… não creio que seja assim. Não pode ser assim. Nem todos os dirigentes do PS que ocuparam o poder em determinados momentos estão envolvidos nas grandes negociatas do chamado “centrão dos interesses”. Tem de se fazer distinções. Não aceito essa coisa de sermos todos amalgamados. Mas isso não é uma superioridade moral; é uma prática política, uma responsabilidade, um compromisso.
Neste cenário de contestação, Maria de Lurdes Rodrigues tem condições para continuar à frente do Ministério da Educação?
Nenhuma.
Acredita que José Sócrates a vai remodelar?
Não, não acredito. O primeiro-ministro toma isto como um teste pessoal à sua autoridade enquanto chefe do Executivo. Que é a forma mais errada de ver a avaliação dos professores. É necessário avaliar os professores para qualificar o sistema educativo, isso é consensual. O problema é que o Ministério criou um sistema muitíssimo burocrático, que impôs nas escolas a meio do ano lectivo. Nada estava planeado e as escolas ficaram absolutamente assoberbadas.
É só a questão da avaliação que merece crítica?
Há várias questões. O ensino especial, por exemplo, vai ter um efeito gravíssimo sobre os membros mais vulneráveis do sistema educativo. Quando toda a agente percebe que o sistema de avaliação, tal como está montado, é errado e não há ninguém que o defenda; é muito estranho que haja um Governo que insista em levá-lo para a frente. Isso só é explicável da forma como José Sócrates tem apresentado a coisa: como já cedeu, em parte, nas questões da saúde – remodelando um ministro; ele crê que, ao remodelar Maria de Lurdes Rodrigues, o seu Governo perde aquilo que ele gosta de chamar de “ímpeto reformista”. José Sócrates acredita que isto é um teste à sua autoridade. Que é a forma mais errada de ver o problema…
José Sócrates está a personalizar nele próprio esta questão.
Acho que sim. Na entrevista que ele deu à SIC há uns dias a trás, o primeiro-ministro coloca a questão nestes termos: a avaliação dos professores sou eu. Ele quer chegar a 2009 e dizer ao país “contra tudo e contra todos eu impus uma avaliação dos professores”. Está-se a tornar numa birra do primeiro-ministro para afirmar a sua autoridade. E os grandes prejudicados são os alunos.
Há quem diga que o BE é o partido dos professores. Acha que esta contestação vivida na educação tem trazido benefícios eleitorais? As sondagens mostram isso.
Não sei. Grande parte do que é a batalha em torno da educação não passa pelo Parlamento. É muito centrada entre associações de professores, sindicatos e o Ministério. Até se dá pouca relevância ao que sucede no Parlamento ao nível da educação. Nós tentamos confrontar a bancada do PS com os problemas da educação, mas não sei se tiramos dividendos.
O Governo já entrou em campanha eleitoral?
Em parte sim. O Governo já entrou numa lógica de campanha eleitoral. Acho mesmo que aquela que tem sido a actuação da ministra da Saúda é um bocadinho indicativa. A ministra da Saúde não diz nada. Somente diz que está a avaliar o sistema, a ver as propostas, a ver a possibilidade de avançarmos… Havia uma lógica de racionalização do SNS que, agora, fica mais ou menos em stand by. Sem que se saiba o que vai acontecer ao que já fechou ou se o que estava para fechar vai fechar ou não. Mas, acima de tudo, aquilo que são as parcerias público-privadas no âmbito da saúde vão continuar.
E o BE quando é que dá o tiro de partida para a campanha eleitoral?
O Bloco vai tentando sempre construir proposta política. O BE dá o tiro de partida para a campanha eleitoral quando começar a ter a capacidade de estar mais fora do Parlamento.
Acha que o Bloco é um partido fechado na Assembleia da República?
Não, não acho. Nós tentamos sempre, sempre, sempre contraria isso. Esta casa [a entrevista foi realizada no Parlamento] produz muita coisa interna que às vezes não tem assim tanta relevância, mas que prende as nossas agendas pessoais. Todos os deputados do Bloco fazem o esforço de tentar fugir e não perder a capacidade de ir lá fora e falar com as pessoas. No próximo ano, obviamente, devemos apostar mais na capacidade de chamar gente ao Parlamento e de nós sairmos daqui.
Louçã disse que coligações com o PS nem pensar; Sá Fernandes vem dizer que em Lisboa, com ele, não será bem assim. Em que situação ficamos?
Todos nós compreendemos que o acordo que se fez em Lisboa, nestas últimas eleições, resultou da crise política mais profunda que a Câmara Municipal alguma vez viveu. Tinha-se batido no fundo em termos de credibilidade, das dívidas, de capacidade de fazer alguma política para a cidade. O acordo que se fez entre António Costa e José Sá Fernandes foi sobre pontos específicos muito claros. Isso tem permitido, até agora, responder a essa profunda crise que a CML tem vivido. Passados estes dois anos de articulação entre o vereador Sá Fernandes e António Costa, é preciso repensar quais as políticas que Lisboa necessita. É mais clarificador para a cidade se as diferentes forças políticas tiverem a capacidade de apresentar os seus projectos. E acho que José Sá Fernandes também concorda com isto.
Se este balão de ensaio correr bem, por que não continuar com a experiência?
É preciso perceber também o que António Costa pretende para Lisboa. Muitas propostas de António Costa nestas eleições não tinham a ver com a nossa visão para a CML. Nomeadamente, a questão dos despedimentos. António Costa, no início, achava que era necessário despedir grande parte dos trabalhadores. Mas esta articulação entre ele e Sá Fernandes permitiu integrar um conjunto de falsos recibos verdes nos trabalhadores da Câmara.
Se a coligação está a dar frutos positivos…Temos que perceber quais as propostas de António Costa a partir de 2009. Não creio que a política de António Costa para a cidade de Lisboa tem alguma coisa a ver com a proposta de José Sócrates para o país. São duas partes diferentes do PS. Mas não ponho as minhas mãos no fogo. Todos nós ganhamos, em 2009, que os projectos sejam claros. Se António Costa concordar em todos os aspectos com o que tem vindo a ser a estruturação do programa do BE, mas de pessoas independentes como o Sá Fernandes, então, logo se vê. Mas acho que é muito difícil isso acontecer. António Costa será, em parte, condicionado pela estrutura do PS. Podemos ser ingénuos e pensar que tudo correrá bem e que vamos ser todos muito amigos. Mas as coisas são o que são. António Costa, certamente, terá vontade de também fazer distinções em relação ao projecto do BE. Se calhar, é melhor toda a gente clarificar bem qual o seu projecto e as pessoas atribuem a sua confiança a uns ou a outros.
Sá Fernandes é independente. Pode voltar costas ao BE e juntar-se a António Costa.
Creio que não. José Sá Fernandes não está connosco por um acaso. Tem havido um projecto construído entre independentes e o Bloco. Temos tido uma consonância de pontos de vista, que se mantém. Não vejo razão para, subitamente, haver uma mudança de lado.
Não há ninguém no BE que possa suceder a Francisco Louçã? Estamos a assistir à eternização do líder.
Eternização é um bocadinho excessivo. Em 2009 serão dez anos. O problema não é que o BE não tenha tido a capacidade de gerar e criar diferentes dirigentes, responsáveis e protagonistas. O Francisco Louçã – e até os seus adversários o reconhecem – é um excelente porta-voz de um programa político. Uma pessoa muito competente e um excelente comunicador.
Mas não há ninguém no BE que seja tão bom ou melhor que Francisco Louçã?
Não estou a dizer que o Francisco Louçã é a perfeição em pessoa. Ele tem os seus defeitos – e eu bem os conheço. Mas é um excelente porta-voz de um projecto político. Isso, obviamente, cria sempre dificuldades: quem é que é capaz, tão bem, de protagonizar essa passagem de…
… Há medo de suceder ao líder carismático?
Não sei se há medo. Mas há a percepção que a política são propostas, mas também reconhecimentos. As pessoas, na rua, reconhecem o Francisco Louçã e vão ter com ele.
Também reconhecem a Ana Drago. Gostaria de ser líder do BE?
Devo-lhe dizer que não. É uma enorme responsabilidade e é muito trabalhoso. Eu, como dirigente do Bloco e deputada, sinto que às vezes há um momento em que é preciso saber respirar. Nós somos tudo isto mas não somos apenas isto. Enquanto pessoas gostamos de nos interessar por outras coisas. O Francisco Louçã faz por mês 2 mil quilómetros.
Sente internamente uma necessidade de renovação no BE?
Sinto. Até minha. Já estou em política mais visível há 5 anos.
O BE deveria entrar num novo ciclo e emergir uma nova geração?
Acho que essa nova geração vai surgindo. Agora, é preciso que também tenha espaço para fazer a sua afirmação. Uma década é muito pouco tempo para organizar uma força política, mas já é o suficiente para nos permita fazer uma avaliação. Começa a ser o momento de haver uma geração que vem olhar para as forças e fraquezas do Bloco. É o momento de se fazer alguma crítica interna e avançar com a renovação de cargos e do projecto político.
2009 será um ano vários desafios eleitorais. A Ana Drago está disponível para estar presente em quais?
É uma decisão que ainda não tomei. Gosto de ser deputada. Quando chego ao final do dia sinto-me útil e que fiz qualquer coisa que gosto e que mexe comigo. Mas também não sei se devo ficar aqui tanto tempo e não devo ir experimentar transformar o mundo em noutros sítios.
Onde?
Gostava muito de trabalhar numa organização que tivesse um impacto mais local.
Câmara Municipal do Porto, por exemplo?
Não estou a falar de instituições de política, mas da sociedade civil.
Está a ponderar abandonar a política?
É uma questão que está sempre presente. Sou um receptáculo de gente que tem histórias muito dolorosas. E eu tento tornar essas histórias mais visíveis e pressionar o poder de modo a que isso não aconteça. Mas às vezes não consigo resolver os problemas da vida das pessoas – o que é muito frustrante.
Barack Obama ou Hillary Clinton?
John Edwards.|