No seu artigo desta semana no jornal “Público”, intitulado “Contra o Medo, Liberdade”, onde faz duras críticas à condução política de Sócrates, Manuel Alegre abre a porta à participação do seu movimento de cidadãos nas legislativas de 2009. O que pode revelar-se um problema complicado para Sócrates, ameaçando a maioria absoluta do PS. A hipótese é alicerçada nas excelentes votações obtidas pelo poeta nas presidenciais e por Helena Roseta em Lisboa, e parece estar a fazer o seu caminho em vários sectores da esquerda, que defendem não se poder alienar um capital político, que oscila entre os dez e os vinte por cento de votantes, e não se reconhece nos partidos de esquerda existentes.
No seu artigo desta semana no jornal “Público”, intitulado “Contra o Medo, Liberdade”, onde faz duras críticas à condução política de Sócrates, Manuel Alegre abre a porta à participação do seu movimento de cidadãos nas legislativas de 2009. O que pode revelar-se um problema complicado para Sócrates, ameaçando a maioria absoluta do PS.
Porém, o Movimento de Intervenção e Cidadania que Alegre, Roseta e outros activistas criaram há mais de um ano não pode, enquanto tal, disputar as eleições, obrigando à formação de um partido político. O que pode alterar, também, de uma maneira radical a atitude do PS para com Alegre e Roseta. Quer nas presidenciais, quer nas intercalares em Lisboa, Sócrates e o PS nunca levantaram a voz contra o poeta e a arquitecta, o que não deixa de ser curioso já que eles se atravessaram no caminho dos candidatos oficiais socialistas, ainda por cima homens de grande peso político como Mário Soares e António Costa. Porém, nas legislativas, com Sócrates a poder conhecer na pele o efeito nocivo de uma candidatura oriunda da família alegrista, as coisas podem ser muito diferentes. Com Sócrates a fazer um ataque cerrado à família alegrista. Esta quarta-feira, na entrevista que deu à SIC, José Sócrates já deu sinais
da forma como pode vir a tratar Alegre, respondendo duramente ao artigo do poeta. Já se percebeu, também, que quando existem danos directos na esfera do líder socialista, a máxima é a de que “quem se mete com Sócrates leva”. O que, de certo modo, dá razão a uma das critícas do artigo de Alegre, de que o PS gira hoje à volta do seu líder.
No final do seu artigo, numa parte que passou despercebida a muitos analistas, Manuel Alegre escreve sobre o futuro político imediato: “sei, por experiência própria, que não é fácil mudar um partido por dentro. Mas também sei que, assim como, em certos momentos, como fez o PS no verão quente de 75, um partido pode mobilizar a opinião pública para combates decisivos, também pode suceder, em outras circunstâncias, como nas presidenciais de 2006 e, agora, em Lisboa, que os cidadãos, pela abstenção ou pelo voto, punam e corrijam os desvios e o afunilamento dos partidos políticos. Há mais vida para além das lógicas de aparelho. Se os principais partidos não vão ao encontro da vida, pode muito bem acontecer que a recomposição do sistema se faça pelo voto dos cidadãos. Tanto no sentido positivo como negativo, se tal ocorrer em torno de uma qualquer deriva populista. Há sempre esse risco. Os principais inimigos dos partidos políticos são aqueles que, dentro deles, promovem o seu fechamento e impedem a mudança e a abertura.”
O perigo populista
Outro aspecto curioso do texto de Alegre é o alerta em relação a uma hipotética deriva populista. O voto dos cidadãos tem, segundo o poeta, uma vertente positiva, que se depreende ser aquela que se tem traduzido nas votações expressivas nas presidenciais e em Lisboa, e uma vertente negativa, que poderá ser a que se venha a traduzir em movimentos populistas à direita. O poeta, que demonstra aqui toda a sua sagacidade política, parece antever que o preço a pagar por Sócrates, e pela democracia portuguesa, por ter desideologizado o PS e ter deixado que toda a vida política esteja centrada em si, pode ser o aparecimento de um fenómeno populista à direita, também sem ideologia, que combata Sócrates com as mesmas armas da demagogia e, sobretudo, da propaganda.
Refira-se que no artigo, Alegre põe em causa a personalização da política com Sócrates: “Não tenho qualquer questão pessoal com José Sócrates, de quem muitas vezes discordo mas em quem aprecio o gosto pela intervenção política. O que ponho em causa é a redução da política à sua pessoa. Responsabilidade dele? A verdade é que não se perfilam, por enquanto, nenhumas alternativas à sua liderança. Nem dentro do PS nem, muito menos, no PSD. Ora isto não é bom para o próprio Sócrates, para o PS e para a democracia. Porque é em situações destas que aparecem os que tendem a ser mais papistas que o Papa. E sobretudo os que se calam, os que de repente desatam a espiar-se uns aos outros e os que por temor, veneração e respeitinho fomentam o seguidismo e o medo.”
A hipótese a que Manuel Alegre abre a porta, não só para as legislativas de 2009 mas também para as europeias que as antecedem, sobretudo numa altura em que são muitas as interrogações que se colocam sobre a construção europeia, é alicerçada, tal como o próprio afima nas excelentes votações obtidas pelo poeta nas presidenciais e por Helena Roseta em Lisboa, e parece estar a fazer o seu caminho em vários sectores da esquerda, que defendem não se poder alienar um capital político, que oscila entre os dez e os vinte por cento de votantes e não se reconhece nos partidos de esquerda hoje existentes. Como é sabido, Helena Roseta teve dez por cento dos votos nas eleições de 15 de Julho em Lisboa e Manuel Alegre obteve 18 por cento de votos nas presidenciais. O facto de tanto Manuel Alegre e Helena Roseta terem obtido estes bons resultados num quadro em que enfrentaram os candidatos de todos os outros quadrantes à esquerda, do PS ao Bloco de Esquerda, passando pelo PCP, pode tê-los convencido de que esse capital político não pode ser alienado, até porque, dentro da linha tipíca do pensamento de Alegre e Roseta, os votos recebidos são uma responsabilidade, havendo o dever de concretizar os anseios de quem votou no poeta, na arquitecta e nos seus activistas. Recorde-se que nas presidenciais, Alegre enfrentou Mário Soares, Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã, ganhando o campeonato à esquerda. Já Helena Roseta levou a melhor Sá Fernandes e Ruben de Carvalho.
Alegre pode pescar no PS e Sócrates pescar à direita
A hipótese de o movimento de Alegre se erigir em partido e concorrer às legislativas de 2009, pode, na verdade, a concretizar-se, baralhar por completo o xadrez político. Caso o movimento de cidadãos crescesse à custa do PS, com um resultado à volta dos quinze por cento de votos, e tirasse a maioria absoluta a Sócrates, o cargo de líder do PSD poderia voltar a ser apetecível, com os pesos pesados de laranja a ponderarem, de novo, as suas posições. Ameaçando, também de novo, o lugar de Marques Mendes (ou Luís Filipe Menezes). De facto, perante estas condições adversas para o PS, um candidato laranja carismático que conseguisse unificar as tendências poderia sonhar com o regresso ao poder, ainda por cima quando o CDS-PP atravessa uma crise de que não se vê o fim à vista. Até a hipótese de uma maioria absoluta laranja não é, neste cenário, de descartar. Caso tal acontecesse, não seria, porém, apenas Sócrates o perdedor. Também Alegre e Roseta conheceriam o sabor amargo de histórias que parecem de sonho e que depois se transformam num pesadelo. Eles que, adivinha-se, fariam uma campanha em 2009 a dizer que era preciso dar força ao movimento de cidadãos, para obrigar Sócrates a uma política de esquerda (e, eventualmente, a uma coligação, dando aplicação a um chavão do PCP desde há vinte anos que os comunistas nunca souberam nem puderam concretizar) confrontavam-se com a tragédia de a sua actuação ter levado a direita de regresso ao poder. Enquanto a direita esteve em crise, o voto em Alegre e Roseta funcionou, mas quando aquela renasceu, esse mesmo voto revelar-se-ia fatal para toda a esquerda.
Mas o filme dos acontecimentos também pode ser outro. Mesmo com o movimento de cidadãos a concorrer em 2009, Sócrates poderá obter maioria absoluta para o PS. Caso em que se confirmaria que Sócrates é mesmo um fenómeno político a marcar o século XXI. Mesmo perdendo votos à esquerda, Sócrates compensava essas perdas com ganhos pescados à direita, no eleitorado tradicional do PSD e do CDS. Enquanto Mário Soares tinha sido superado por Alegre e António Costa tinha visto Helena Roseta deixá-lo com uma votação sofrível de 29,5 por cento, Sócrates não deixava a família alegrista comer-lhe as papas na cabeça e era ele, mais uma vez, quem se ficava a rir. Com maioria absoluta no bolso, vendo o PSD mais uma vez destroçado, o CDS de regresso ao partido do táxi (ou da lambreta), e o PCP e o BE cabisbaixos pelo facto de o movimento dos cidadãos ter penetrado fundo nos seus eleitorados. Ironia das ironias, o PS, que em quase quarenta anos de democracia, nunca conseguiu arrumar o PC, podia ver em 2009 os comunistas reduzidos à sua menor expressão eleitoral de sempre. À custa de Manuel Alegre. Refira-se que se este cenário-maravilha para Sócrates se viesse a concretizar, o líder socialista poderia, de novo, renunciar às críticas ao movimento de cidadãos, à semelhança do que fez nas presidenciais com Alegre e em Lisboa com Roseta.
Rsistir às pressões eleitoralistas
Entretanto, quarta-feira, na entrevista que deu à SIC, Sócrates apresentou-se confiante no futuro. Por mais de uma vez, em perguntas relacionadas com as várias adversidades que tem sofrido, entre as quais o caso da licenciatura pela Universidade Independente e as vaias sucessivas de que tem sido vítima, a últimas das quais no Estádio da Luz, Sócrates referiu que elas têm constituído um incentivo para seguir em frente, consciente de que está a exercer o seu dever, depois de ter encontrado o país numa situação lastimosa em 2005.
O primeiro-ministro abordou vários temas da actualidade, tendo considerado “inadmissível” a resistência do governo regional da Madeira em aplicar em lei do aborto, apelidando de “ensurdecedor o silêncio” dos líderes do PSD e CDS–PP sobre esta matéria.
Sócrates avisou que a Madeira “vai ter que aplicar a lei, porque é uma lei da República e porque resulta da vontade popular”. Em resposta, Alberto João Jardim referiu, ao seu jeito, que “quem está obcecado com a Madeira, precisa de se tratar”, dando sequência a algumas vozes do PSD-Madeira que já avisaram que a lei dificilmente será aplicada na Madeira, pelo menos no quadro actual dos meios existentes. A situação pode redundar num impasse que apenas poderá ser resolvida pelos bons ofícios do Presidente da República. Recorde-se que Cavaco Silva alertou na semana passada para a necessidade de a lei do aborto ser cumprida em todo o território nacional.
Na mesma entrevista, Sócrates garantiu que a despesa pública vai continuar a descer até 2009, rejeitando ceder a eventuar pressões eleitoralistas para as legislativas de 2009, o que pode ser um discurso que agrade à direita e a mobilize para votar Sócrates em 2009. ” A despesa em percentagem do PIB desceu em 2006, vai descer em 2007, também em 2008 e em 2009″, até atingir os 40 por cento do produto interno bruto”, considerou Sócrates. Sobre a mobilidade na função pública, Sócrates afirmou que perto de 900 funcionários públicos já estão na situação de mobilidade especial e que a reestruturação dos serviços públicos continuará a ser feita de acordo com o que está na lei e de acordo com as necessidades dos serviços. O chefe de governo garantiu que as reestruturações dos vários ministérios vão ser feitas em função do que está na lei e que vai ficar a cargo de cada serviço a definição das suas necessidades em termos de recursos humanos para fazer face aos objectivos que tem que cumprir. Para o primeiro-ministro todas as medidas implementadas no âmbito da Reforma da Administração Pública (o novo regime de carreiras, vínculos e remunerações, o novo sistema de avaliação, a mobilidade especial, a redução de organismos da administração pública e a redução em 25 por cento das chefias intermédias) tem apenas como objectivo melhorar a qualidade dos serviços.
As críticas de Alegre à política do Governo
No seu artigo, centrado no direito à liberdade, Manuel Alegre não perdeu a oportunidade de criticar a política do governo em diferentes áreas. Num só parágrafo, utilizando a forma negativa, o poeta é demolidor: “Não vou demorar-me sobre a progressiva destruição do Serviço Nacional de Saúde, com, entre outras coisas, as taxas moderadoras sobre cirurgias e internamentos. Nem sobre o encerramento de serviços que agrava a desertificação do interior e a qualidade de vida das pessoas. Nem sobre a proposta de lei relativa ao regime do vínculo da Administração Pública, que reduz as funções do Estado à segurança, à autoridade e às relações internacionais, incluindo missões militares, secundarizando a dimensão administrativa dos direitos sociais. Nem sobre controversas alterações ao estatuto dos jornalistas em que têm sido especialmente contestadas a crescente desprotecção das fontes, com o que tal representa de risco para a liberdade de imprensa, assim como a intromissão indevida de personalidades e entidades na respectiva esfera deontológica. Nem sobre o cruzamento de dados relativos aos funcionários públicos, precedente grave que pode estender-se a outros sectores da sociedade. Nem ainda sobre a tendência privatizadora que, ao contrário do Tratado de Roma, onde se prevê a coexistência entre o público, o privado e o social, está a atingir todos os sectores estratégicos, incluindo a Rede Eléctrica Nacional, as Águas de Portugal e o próprio ensino superior, cujo novo regime jurídico, apesar das alterações introduzidas no Parlamento, suscita muitas dúvidas, nomeadamente no que respeita ao princípio da autonomia universitária.”