Em vez de fazer uma remodelação e afirmar a sua autoridade, Sócrates preferiu dar uma imagem de unidade do PS ontem à noite na Junqueira. Com a presidência da União Europeia à porta, o primeiro-ministro não quis correr riscos. Para já, Cavaco deu
o sinal que quer tréguas por causa da presidência e no PS também se travaram as críticas a Sócrates. Mas o desgaste vai continuar na imprensa: depois do currículo de Sócrates são os negócios do pai, os contratos dos aviões, as compras das armas, as adjudicações. Para a oposição, os seis meses de Presidência vão servir para passar para o País a imagem de que o PS é um grupo de interesses. Mendes, Santana, Portas e Cavaco Silva estão atentos. É o regresso da política, na sua forma mais básica e populista, da suspeita e da intriga.
O Partido Socialista reuniu-se ontem à noite, na Junqueira, para comemorar o 34.º aniversário da sua fundação. Dois mil militantes para apoiar José Sócrates e com Mário Soares a discursar. Depois de, nas últimas três semanas, a oposição interna ter achado que o primeiro-ministro poderia cair – o que levou à retirada estratégica de António Costa (ausente de férias agora, pois no Verão tem que estar atento aos incêndios, como ministro da Administração Interna) e às movimentações de Helena Roseta e do grupo de Manuel Alegre – é o velho patriarca, o ex-Presidente da República e fundador do PS, Mário Soares, que vem colocar uma pedra no assunto. O recuperar de Sócrates regista-se depois de ter sido controlada a contra-ofensiva dos dirigentes da Universidade Independente – que poderão aceitar a falência da UnI contra a fundação da Universidade Pedro Álvares Cabral – e de Cavaco Silva ter desvalorizado a questão e de Santana Lopes e Luís Filipe Menezes terem criticado Marques Mendes.
Mas estas tréguas, dentro e fora do PS, serão sol de pouca dura. Para a oposição, o primeiro-ministro está inevitavelmente afectado na sua credibilidade e já não tem condições para pedir rigor, disciplina e a principal exigência do seu mandato: qualificação. Basicamente, para Marques Mendes, o próprio o terá afirmado, “joga-se o tudo ou nada, ou ele ou Sócrates, um dos dois terá que cair”.
Depois da licenciatura de Sócrates
a corrupção nos contratos do Governo
Por outro lado, o desgaste vai continuar na imprensa, agora passando do carácter do primeiro-ministro a todos os actos da governação. Começa pelas suspeitas que vão ser lançadas em todos os contratos, desde a Ota até à compra de aviões para combate a incêndios – mais uma vez a israelitas – até aos fornecimentos de armas, aos airbus para a TAP, as adjudicações de empreitadas pela administração central, etc. O desgaste será durante o período da presidência sobre os ministros e os membros do Governo, devendo o primeiro-ministro ser poupado por causa da presidência da União Europeia.
Mas o cerco terá que ser feito à sua volta, podendo os negócios do pai e de outros amigos aparecerem metódica e organizadamente na imprensa para desgastar, todos os meses, durante os próximos tempos, o Governo socialista.
Basicamente, o que estrategicamente Marques Mendes pretende, como aliás disse o seu número dois, Azevedo Soares, é desgastar a imagem do primeiro-ministro e do seu Governo, para tornar inevitável a perda da maioria absoluta do PS em 2009, com Sócrates ou sem ele.
Note-se que actualmente se admite, mesmo no PSD, o cenário de Sócrates poder abandonar, como Guterres o fez, a liderança do PS, depois da presidência portuguesa da União Europeia, podendo suceder-lhe António Vitorino – que tem a confiança de Bruxelas e que poderá refazer, através de Francisco Pinto Balsemão e Durão Barroso, a sua relação com os EUA – ou António Costa, um homem bem visto pelos meios judaicos. Mas claramente o Aparelho guterrista (leia-se Coelho e Vitorino) poderá sempre jogar o nome de António José Seguro, cujas ligações internacionais apesar de tudo a Bruxelas e aos meios da “intelligence” americana e espanhola estão por se fazer. Neste particular, a ascensão de Pina Moura na Prisa/Média Capital poderá dar ao antigo controleiro do PCP uma relevância no jogo de cadeiras pós-Sócrates.
Mas, para já, José Sócrates conseguiu travar a ofensiva contra a sua pessoa, pensada, segundo os meios próximos do primeiro-ministro, por meios santanistas, há vários meses, e sobre a qual Marques Mendes foi obrigado a cavalgar, para evitar Santana Lopes, que, finalmente, apareceu, no fim, a tirar-lhe o tapete e a apoiar o primeiro-ministro, obviamente, depois do desgaste feito.
O PS reagiu a tempo colocando gente sampaísta na UnI para gerir os estragos, tendo a gestão das ameaças ao governo acabando por funcionar a favor do primeiro-ministro, numa manobra de propaganda genial – “notícias bombásticas”, anunciava-se no início da semana – que acabariam por transformar José Sócrates – como aliás antes aconteceu com Sá Carneiro – em vítima.
No caso, a vitimização do primeiro-ministro e a teoria da cabala do PSD acabaram por travar as garras que lhe foram deitadas dentro do próprio PS. Ao ver os “timings” a anteciparem-se, Belém dá dois sinais nas duas últimas semanas.
Por um lado, o Presidente da República desvaloriza o assunto em face dos problemas do País e, por outro, Cavaco Silva nos bastidores vai denunciando o desconforto da situação económica nacional.
Belém contra Constâncio
Belém atira directamente ao governador do Banco de Portugal e ao irresponsável relatório de Primavera de Vítor Constâncio, onde anuncia o fim da crise. Para Cavaco os problemas estão todos aí e a correcção do défice deve-se apenas a receitas extraordinárias e ao crescimento económico induzido pela Europa, que está a crescer muito mais. Nada mudou em Portugal e está tudo por fazer. O perfil da economia tem que mudar e obviamente é isso que explica que, nos últimos três anos, o investimento tenha caído 15%.
Cavaco Silva não está contente com os resultados. Mas publicamente não quer incómodos durante a presidência portuguesa da União Europeia. E depois tem toda a consciência que será ele a alternativa ao primeiro-ministro. Ou seja, se hoje Cavaco Silva se candidatasse ao PSD ou alguém evocando o seu beneplácito, era certo que seria derrotado. Mas Cavaco sabe que o dia em que criticar publicamente José Sócrates, obtém automaticamente a rendição do PSD e colocará à frente do partido quem quiser – desde Ferreira Leite a Paula Teixeira da Cruz.
É esta agenda que os santanistas e Marques Mendes temem e de alguma maneira a agitação e o desgaste do primeiro-ministro têm a ver com a necessidade de neutralizar o Presidente da República.
Corrigindo a “doutrina Joaquim Aguiar” da Cooperação Estratégica, o Presidente da República veio, esta semana, esclarecer, no sítio da Presidência (ver abertura da Política) os limites dessa actuação.
É um sinal de que está atento às movimentações santanistas e aos desajustes no PS.
Ataques ao primeiro-ministro e sistemáticas suspeitas de corrupção ou de nepotismo em negócios públicos vão colocar S. Bento e os socialistas sobre pressão nos próximos tempos. Ainda por cima, o impulso reformista que Cavaco Silva – com base nos poderes implícitos positivos – exige, cria inimigos na sociedade civil e nos funcionários públicos. A CGTP e o PCP tem uma greve geral marcada para 30 de Maio, o que vai desgastar ainda mais o já fragilizado Governo.
Do lado de José Sócrates, o momento é vital. O primeiro-ministro ainda por cima não tem tempo para parar e pensar. Parte hoje para o “Governo Presente” no Porto e a partir da próxima semana tem a agenda carregada com responsabilidades internacionais decorrentes da próxima presidência portuguesa da União Europeia.
Mas, no seu núcleo, a consciência que o desgaste vai continuar e que tem em vista debilitar a maioria obriga a um tocar a reunir nas hostes socialistas. Os próprios dirigentes máximos do PS puderam testemunhar que o PS estava envergonhado com as questões levantadas e a discussão sobre o carácter do primeiro-ministro. Só que o PS começa a perceber que a substituição de Sócrates pode significar o fim da maioria absoluta com Cavaco Silva em Belém, tal como aconteceu quando Barroso foi substituído por Santana Lopes.
Para já todos recuaram, a começar pelos próprios sampaístas, que já imaginavam Costa como primeiro-ministro. O primeiro passo foi na Independente.
Independente: UnI nega irregularidades
no caso Sócrates, mas não há registos
Nesse contexto, o presidente da empresa que gere a Universidade Independente (UnI) assegurou esta semana não ter detectado irregularidades no processo académico de José Sócrates, apesar de não existirem quaisquer elementos de avaliação, à excepção da prova de Inglês.
Na conferência de imprensa realizada a meio da semana, Lúcio Pimentel, o ferrista presidente da SIDES, afirmou que foi concluído o processo interno de averiguações à licenciatura do actual primeiro-ministro, mas não conseguiu explicar as incongruências divulgadas relativamente ao diploma de José Sócrates.
Relativamente à avaliação, o responsável afirmou que o dossier individual do ex-aluno integra cinco pautas, quatro das quais assinadas pelo professor António José Morais e datadas de 8 de Agosto de 1996 e uma, referente à disciplina de Inglês Técnico, assinada por Luís Arouca e sem qualquer data.
Segundo o responsável, Sócrates fez também uma prova oral a esta disciplina, além do trabalho já divulgado, mas não há qualquer registo relativo a esse elemento de avaliação.
“Os elementos de avaliação dos alunos não constam, nem podem constar do processo individual [dos estudantes], mas de um arquivo morto que, por regra, é destruído ao fim de cinco anos. Por erro, a prova de Inglês Técnico foi parar ao processo individual [de José Sócrates]”, explicou Nuno Tavares, vogal da direcção da SIDES.
Já no que diz respeito ao processo de equivalências, os responsáveis da instituição asseguraram que este “decorreu segundo os procedimentos em uso na Universidade Independente”, tendo o plano sido proposto pelo director do curso de Engenharia Civil e aprovado pela reitoria.
No entanto, o único elemento relativo a este processo que consta nos arquivos da UnI é o papel assinado por Luís Arouca, no qual estão referidas as cinco cadeiras que Sócrates teria que realizar para completar a licenciatura, não existindo qualquer registo do documento elaborado pelo director do curso.
Acresce que Luís Arouca não era reitor em 1995, quando enviou a Sócrates o papel com as cadeiras que tinha de fazer, como o próprio presidente da SIDES confirmou.
“De direito, à data, Luís Arouca não era reitor, mas não sabemos se houve algum procedimento de delegação de competências”, afirmou Lúcio Pimentel.
De acordo com o responsável da empresa, a universidade também não dispõe de livros de termos referentes àquele período, documentos obrigatórios por lei e relativos às disciplinas, onde estão especificados os nomes dos professores, os conteúdos curriculares e os elementos de avaliação.
“Em relação aos livros de termos, não os temos porque naquele período não existiam”, afirmou, acrescentando que a instituição também não tem registo informático do pagamento das propinas por parte de Sócrates.
No encontro com os jornalistas, os elementos da SIDES asseguraram que a conclusão da licenciatura do actual primeiro-ministro foi a 8 de Setembro de 1996, desvalorizando o facto de essa data corresponder a um domingo.
“É costume vir-se aqui trabalhar ao domingo. Não vejo que por aí possa haver alguma coisa que torne sofismável esta situação”, adiantou Nuno Tavares.
Quanto ao certificado enviado em 2000 para a Câmara da Covilhã, no qual se refere 8 de Agosto de 1996 como a data de conclusão da licenciatura, os responsáveis garantiram não existir na universidade qualquer registo desse documento, embora o próprio Luís Arouca já tenha revelado que de facto o tinha enviado à Câmara Municipal da Covilhã em 1999, a pedido dos interessados, e Sócrates seria alheio ao erro da data, admitindo tratar-se apenas de um erro de secretaria, mas sublinha que apresentará uma queixa nas autoridades, caso sejam encontrados indícios que apontem para uma falsificação.
Sócrates com agenda europeia
Para José Sócrates os trabalhos não acabaram. As sondagens ainda não o penalizam, mas a sua autoridade e credibilidade estão em causa. Se fosse Salazar provavelmente já tinha feito uma remodelação e calado de vez os críticos internos. Poderia dar um sinal correndo com os ministros polémicos e mais desgastados ou, num acto de autoridade política, correndo mesmo com António Costa, cuja presença no executivo faz lembrar o Chanceler Brown em Londres, todos os dias a lembrar à opinião pública que se pode ser diferente no Governo. Foi esse o jogo de Botelho Moniz, quando ensaiou o golpe contra Salazar, e no dia seguinte estava demitido. Nunca mais foi ninguém no País ou nas Forças Armadas.
Mas ontem no PS, esse cenário era totalmente afastado. Sócrates preferiu dar para fora uma imagem de unidade em torno do Governo e da sua agenda reformista. Um dirigente do PS garantiu mesmo ao SEMANÁRIO que o cenário de uma remodelação antes da presidência europeia está totalmente afastado.
O caminho é estreito. Ao não remodelar, Sócrates já está a escolher os alvos dos ataques da oposição nos próximos seis meses. Um período muito longo em que o primeiro-ministro, ocupado com a agenda internacional e fragilizado com a polémica à volta do seu currículo académico, não poderá vir em socorro de ninguém.
As apostas estão abertas, como queria Marques Mendes: como chegará o Governo socialista ao fim da presidência portuguesa da União Europeia?