António Guterres não deixou. E, depois de José Sócrates,fragilizado com as sondagens e o fracasso da sua política económica em ciclo eleitoral, ter permitido o regresso da questão do aborto,
o Aparelho socialista decide voltar ao ataque à Igreja Católica, como pretexto para desviar as atenções da derrota eleitoral. Curiosamente, a linha maçónica
do PS tem Vera Jardim a dar a cara na Igreja Católica, no mesmo dia em que Jorge Sampaio ataca o ministro da Justiça e diz que o descrédito dos políticos decorre da corrupção. Em 2005, houve duas comemorações da República.
Depois do aborto, o discurso jacobino contra a Igreja Católica vai subir de tom. Na quarta-feira, o dia da República, no “Diário de Notícias”, o Aparelho socialista e Vera Jardim deram o tom do novo discurso do Aparelho socialista contra a Igreja Católica. Mais que o Estado laico, pretende-se o Estado “ateu”. Contra os crucifixos nas escolas e o lugar honorífico que particularmente se dá à Igreja Católica nas cerimónias oficiais. Depois do Governo da coligação PSD/PP, aliás, com o empenho de Jaime Gama e de Almeida Santos, ter finalmente assinado com o Vaticano a nova Concordata, a questão religiosa ficou pacificada em Portugal. No PS, a ala católica controlada por Guterres não permitia veleidades à Maçonaria, numa altura em que os velhos maçons republicanos e laicos sentiam estar a viver os últimos dias, com a entrada para a sociedade secreta de “gente sem qualidade intelectual, social e moral”, nas palavras de um antigo maçon apoiante do actual grão-mestre.
Transformar a Igreja no inimigo
para atenuar as críticas ao PS
Vive-se o sentimento que estes são os últimos momentos da velha maçonaria que sempre esteve presente na República, diz fonte maçónica. Agora, a agenda parece começar a ser feita apenas dentro do PS, pelo Aparelho socialista. E, nesta altura, com a derrota previsível nas autárquicas e a difícil conjuntura económica, a estratégia do PS, segundo meios do Aparelho, deveria definir um novo inimigo público. Para o Aparelho a exploração dos sentimentos anticlericais ainda pode ter um papel decisivo, embora se reconheça que a estratégia socialista seguida por Zapatero, em Espanha, de ataque directo à Igreja Católica, para desviar as atenções da crise institucional e constitucional espanhola, possa não resultar em Portugal e virar-se mesmo contra o Governo socialista.
A situação é tão mais caricata quanto actualmente a maioria dos bispos católicos é de esquerda e próximo das posições do PS, tendo ajudado a derrubar Santana Lopes.
Mas, a necessidade de lançar outro tema para fixação do eleitorado e venda nos telejornais, como aconteceu com o aborto, está presente nos socialistas, sobretudo depois do discurso do Presidente da República, Jorge Sampaio, no 5 de Outubro, na sala de jantar do Palácio da Ajuda.
Ataque aos católicos para desviar
atenções da corrupção
Para o Aparelho socialista, o ataque à Igreja Católica pode funcionar como alternativa ao tema da corrupção proposto no dia da República pelo Presidente da República. O PS evitaria discutir a questão do financiamento dos partidos políticos e sobretudo numa altura em que está instaurada a guerra entre as magistraturas e as polícias na instrução do processo, a situação poderia tornar-se perigosa para alguns dirigentes nacionais e autárquicos.
Com efeito, depois do novo estatuto do Ministério Público e das Polícias Judiciárias refeito por António Costa, o ministro da Justiça e Guterres, a Polícia Judiciária, com base nas razões de ordem técnica, passou a ter um instrumento para conduzir o inquérito judicial à margem do Ministério Público, podendo, querendo, fazer assim uma verdadeira agenda política. Foi, aliás, esta a sensação que alguns tiveram no caso da Casa Pia, bem como no caso do Apito Dourado.
Esta situação, aliás, deverá ser alterada pelo actual Governo socialista, Foi, aliás, a consciência que, nos casos limites, pode haver desentendimentos entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária, o primeiro uma magistratura independente e a segunda dependente do ministro da Justiça, que leva exactamente o Governo a ponderar a revisão da lei por um lado e por outro cria algum preocupação no PS, sobretudo depois de Jorge Sampaio ter vindo esclarecer, no discurso da Ajuda, que o descrédito da classe política tem a ver com a corrupção.
Sócrates poderá opor-se à agenda do Aparelho
Mas, nos meios parlamentares próximos do primeiro-ministro, admite-se que, embora o primeiro-ministro tenha aceite recolocar a questão do aborto, provavelmente não alinha numa campanha contra a mudança do estatuto privilegiado da Igreja Católica em Portugal. Portugal, apesar de ser um Estado laico, não é um Estado ateu, e historicamente, a sua independência só teve estatuto internacional depois do reconhecimento feito pela Igreja.
A questão do aborto ajudará o Governo socialista a aguentar o efeito do desastre eleitoral previsível para o próximo domingo e as más notícias do Orçamento do Estado para 2006, que, já na próxima sexta-feira será entregue no Parlamento. Sócrates tentará a todo o custo evitar a remodelação, deixando-a para depois das presidenciais. E a questão do aborto poderia ser uma oportunidade para desviar as atenções e o aumento da contestação social, sobretudo tendo em atenção que uma derrota humilhante de Soares nas presidenciais vai obrigar a uma nova postura dos socialistas na governação.
Porém, herdeiro de uma tradição guterrista de cordiais relações com a Igreja Católica, dizem fontes parlamentares, o primeiro-ministro dificilmente alinhará com a agenda de Jorge Coelho e de Vera Jardim de ataque à Igreja Católica.
José Sócrates poderá impedir mesmo o ataque, ainda que numa próxima remodelação não consiga sequer segurar as investigações sobre corrupção na classe política e o próprio ministro Alberto de Costa, sob o fogo cruzado das magistraturas e dos oficiais de justiça, e acabe por ter que gerir a sua agenda política ao sabor dos acontecimentos e da contestação social.