Na biografia de Sócrates, esta semana lançada, fica-se a perceber porque é que o “não” da Irlanda ao Tratado de Lisboa foi uma derrota pessoal para o primeiro-ministro e advinha-se a estratégia portuguesa futura: depois de ter ajoelhado os polacos, como disse Sócrates, há que ajoelhar os irlandeses. O livro, da autoria de Eduardo Maio, editado pela Esfera dos Livros, intitula-se “O Menino de Ouro do PS” e nele também se diz que Sócrates pensa em política vinte e quatro horas por dia. Talvez porque não seja mulher, como disse Manuela Ferreira Leite esta semana.
Na biografia de Sócrates, esta semana lançada, fica-se a perceber porque é que o “não” da Irlanda ao Tratado de Lisboa foi uma derrota pessoal para o primeiro-ministro e advinha-se a estratégia portuguesa futura: depois de ter ajoelhado os polacos, como disse Sócrates, há que ajoelhar os irlandeses. O livro, da autoria de Eduardo Maio, editado pela Esfera dos Livros, intitula-se “O Menino de Ouro do PS” e nele também se diz que Sócrates pensa em política vinte e quatro horas por dia. Talvez porque não seja mulher, como disse Manuela Ferreira Leite esta semana. O SEMANÁRIO publica extractos da obra:
“O primeiro-ministro pôs, no entanto, toda a sua ambição e empenho, nessa presidência. A sua costela transmontana fez o resto. José Sócrates começou a desenhar a sua estratégia de sucesso para a presidência na noite em que a presidência alemã obteve o mandato para abrir as negociações entre os Estados-membros com o objectivo de aprovar o novo tratado: “Nessa noite eu pensei: agora vou lá dentro e vou dizer aos meus colegas que nós vamos aprovar o tratado. Vou abrir a Conferência Intergovernamental já em Julho e vamos aprovar o tratado em Outubro. Não vai ser em Dezembro, vai ser em Outubro!”, conta José Sócrates, explicando a seguir que a sua intuição política lhe dizia para correr esse risco, “quanto mais tempo lhes desse mais tempo havia para aparecerem propostas criativas. Além disso, se falhássemos a aprovação em Outubro ainda podíamos tentá-la em Dezembro. Então, fui lá dentro e disse-lhes: quero que saibam uma coisa. Tenho esta presidência toda clarinha no meu espírito. Isto vai passar-se assim – vamos abrir a CIG no dia 21 de Julho e vamos fazer a CIG mais pequena de toda a história europeia. Tudo isto vai terminar não em Dezembro, como estão a pensar, mas em Outubro, e em Outubro vamos ter um acordo. Um silêncio! E de repente: toda a gente a bater palmas. Isso é que é atitude!”, descreve o socialista. “Foi aproveitar o momento”, explica. “Porque é que eu queria em Outubro? Porque se aprovasse o tratado em Outubro ainda o assinávamos cá, durante a presidência portuguesa, como assinámos.”
A Polónia foi o país que mais dificuldades trouxe aos planos de José Sócrates: “Tínhamos ali uma questão crítica com a Polónia. Eu fiz assim. Primeiro tirámos toda a gente da frente para isolar a Polónia. Depois eu fui à Polónia e disse ao Presidente e ao primeiro-ministro: eu estou aqui muito disponível para ajudar a construir uma solução que proteja os interesses polacos. Sou sensível a isso. Mas quero que saibam de uma coisa: a cláusula de Ionina não figurará no tratado. Não é esse o meu entendimento do que está no tratado. E o presidente polaco perguntou-me: mas isto não é já para o conselho de Outubro, pois não? Porque esse conselho é dois dias antes das eleições polacas. E eu respondi: eu sei. Mas quem marcou as eleições foram os senhores, depois do conselho já estar marcado. A seguir tentaram convencer-me dos argumentos deles”, recorda José Sócrates, “e eu rematei: sabe, senhor presidente, eu nasci em 57, fui eleito para o Parlamento nacional em 87, um ano depois do meu país ter aderido à Europa. Dediquei toda a minha vida ao ideal europeu. Eu gosto demasiado da Europa para ser durante a minha presidência que vou alterar um conselho europeu por causa de uma questão interna e de uma agenda de um país membro. Não faço isso! Tenho a maior consideração pela Polónia mas isso, eu não faço. Eu não adio! Não quero olhar para trás e dizer: há aqui um acto de que me envergonho e desse acto eu tenho vergonha. E não o fiz. E eles vieram cá e ajoelharam. Assinaram o acordo dois dias antes das eleições na Polónia”, remata José Sócrates. “Aqueles seis meses foram infernais. Em trabalho e em tensão”, relembra. “Conciliar a agenda política interna e a agenda política internacional. Estava muita coisa em jogo. Eu sentia que tinha uma especial responsabilidade. Isso tirava-me o sono. Algumas vezes acordava a pensar nisto. Como resolver? Porque até aos momentos decisivos há uma grande ansiedade. Não calcula a alegria que eu e aquela gente toda tivemos no dia em que assinámos o acordo, porque são meses a pensar nisto, foi desde Outubro de 2006. A partir de Janeiro todas as sextas-feiras reunimos o grupo da presidência (…)
“Uma intensidade louca”
Noutra parte da biografia, sobre a dedicação de Sócrates ao cargo, pode ler-se: “Estudioso e trabalhador José Sócrates dedica-se ao governo praticamente o tempo todo. “Vive para aquilo com uma intensidade louca!”, afirma em tom de pasmo um dirigente do PS. “Ele dedica agora vinte e quatro horas do dia à governação”, confirma Edite Estrela, “Isso é o que mais lhe deve ter custado, ao decidir ser líder do PS, foi deixar a sua vida pessoal, deixar de ter tempo para ele e para a família.”
Desde que está no governo, José Sócrates vê os filhos ao fim-de-semana, mantendo com eles, no resto dos dias, o contacto por telefone. As férias em conjunto, em vários momentos do ano ajudam a diminuir as saudades (…)
Quando António Guterres se afastou da liderança, no final de 2001, ficou mais claro para Sócrates, e para muitos socialistas, que, muito provavelmente, o poder do partido se abriria, um dia, para ele. O socialista foi exímio na gestão dos seus passos desde então “avec son faux air de Dustin Hoffman sous des cheveux poivre et sel coupés court”, escreveu a “Le Point” a 19 de 007 – “com um certo ar de Dustin Hoffman, debaixo do cabelo grisalho de corte curto, com os seus fatos Armani ou Hugo Boss que irritam a ala esquerda do seu partido este socialista iconoclasta nunca prometeu a Lua a ninguém”. Como o próprio diz “não estou no governo para facilidades nem para vender simpatias”. José Sócrates gere o governo do país doseando a esperança e a confiança com as fortes dificuldades que o atravessam. No final do primeiro ano no poder, o primeiro-ministro avisou os portugueses que o pior ainda estava para vir.” (…)
O tabu
Sobre o tabu da recandidatura de Sócrates a PM, o livro aflora o seguinte: “José Sócrates vive a nostálgica lucidez de que a sua passagem pelo governo do país é efémera. Ainda antes de ser líder do PS, conversando com o seu amigo Joaquim Valente, o socialista reflectia sobre a mudança do poder em Espanha, o fim abrupto da longa governação de José Maria Aznar, e interrogava-se sobre se valia a pena tanto sacrifício pessoal e tanto envolvimento em nome de um projecto político que, inevitavelmente, acabaria abreviado à simples escuma dos dias, com a erosão do tempo. José Hermínio, seu amigo da Covilhã, tem razão, a comunicação da política foi-lhe rarefazendo o riso: “Sou muito obcecado com o meu trabalho, muito concentrado”, começa José Sócrates, em busca das razões, “esta governação foi uma governação muito difícil e muito exigente. Nunca passei por momentos de facilidade. Foram sempre momentos muito exigentes. Três anos…”, Sócrates arrasta a frase, como quem avalia o fardo que carregou, “três anos de dificuldades, de combates, de luta, de obstáculos, e talvez isso…”. Deixe as suas marcas?” (…). Apesar de ter no horizonte a possibilidade dos socialistas se revalidarem no poder, Sócrates recita constantemente o destino: “um político termina sempre com uma derrota”, preparando-se para o enfrentar, um dia.”|