2025/07/13

“Deve-se discutir muito seriamente a hipótese do nuclear”

João Soares é um dos rostos principais da ala esquerda socialista. O ex-edil de Lisboa, embora afirme que já provou que na política e no amor não se pode dizer nunca, assegura que a liderança do PS não é nada que esteja no seu horizonte.

João Soares, Presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE

João Soares é um dos rostos principais da ala esquerda socialista. O ex-edil de Lisboa, embora afirme que já provou que na política e no amor não se pode dizer nunca, assegura que a liderança do PS não é nada que esteja no seu horizonte. Sobre a governação de Sócrates, refere que, não obstante existirem ministros que estiveram menos bem, o Governo fez reformas muito importantes: na educação, na Segurança Social, nas finanças públicas ou na saúde. Afirma-se defensor do nuclear, do TGV e um grande fã do Magalhães.

Duarte Albuquerque Carreira
da.carreira@semanario.pt

Numa altura em que a Europa parecia estar a pender para a esquerda, a direita ganha as eleições europeias. Como é que justifica este facto?

Vejo isso com tristeza e como mais uma prova de que, infelizmente, a Europa ainda não encontrou o seu caminho, numa lógica de afirmação no plano internacional dos valores que são os seus. Valores que têm que ver com o sistema social europeu, o respeito pelas regras democráticas… Todos os sistemas de solidariedade social que afirmaram a Europa no Mundo nos melhores momentos da sua história. Mas é sabido que a Europa está a passar por uma crise, não só institucional.

Mas não é um paradoxo? Numa altura em que se anunciava o fim do neo-liberalismo…
Tenho o privilégio de estar a trabalhar, no quadro parlamentar, num cenário internacional muito alargado, que vai desde Vancouver a Vladivostok. É o da Assembleia Parlamentar da OSCE, de que sou presidente desde há um ano. Isso tem-me dado a possibilidade de ter uma visão diferente das coisas. Acompanhei muito as últimas eleições presidenciais americanas. E tenho a convicção, de há uns tempos a esta parte, que é muito dos EUA que vai vir a mudança que vai impulsionar o Mundo, um Mundo confrontado com uma crise de dimensões para tantos inesperadas.

Vê uma dinamismo maior na Administração Obama do que na Comissão Europeia?

Incomparavelmente maior. Sobre essa matéria não tenho nenhuma espécie de dúvidas. A nova Administração americana está a fazer uma verdadeira “revolução” nos EUA e no Mundo. E, infelizmente, a Europa não tem sabido acompanhar. Uma boa parte das pessoas que estão à frente da Europa – e não quero reeditar a questão Durão Barroso – foram cúmplices da anterior Administração Bush.

Mas foi a família política que ganhou as eleições europeias.

Mas isso não significa que a política passe a ser justa pela simples razão de se ter ganho as eleições. Eu já ganhei e perdi eleições, sei bem como essas coisas são.

E o lugar de presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE permite-lhe estar atento à vida política nacional?

Permite. E permite até, se quiser, uma certa distância em relação ao dia-a-dia e aos faits divers portugueses, que talvez ajude a apurar um pouco mais o olhar.

Não foi à reunião da Comissão Política Nacional do PS, órgão no qual tem assento. Se pudesse ter marcado presença, o que diria aos seus camaradas e ao seu Secretário-geral?

Não fui porque estava, nessa noite, a chegar da Ásia Central. Mas teria dito coisas semelhante àquelas que sei que disse, por exemplo, o António José Seguro: só quero ajudar, quero dar o meu contributo para que o PS possa continuar a ser o partido do Governo a seguir às próximas eleições legislativas.

E como é que isso se materializa?

Isso materializa-se, do meu ponto de vista – mas a responsabilidade de conduzir as operações é de quem tem legitimidade interna para o fazer -, conseguindo unir e mobilizar, antes de mais, todo o PS nas suas mais diversas sensibilidades, empenhando-o num combate que vai ser difícil.

Na sua opinião, quais as razões que estão na base do “cartão amarelo” que a população quis mostrar ao Governo através das europeias?

Antes de mais, houve uma onda que varreu os 27 países da UE. Mas pesaram razões internas. E, durante a campanha, como é sabido, não houve uma discussão sobre questões de natureza europeia. Em termos gerais, Portugal é um País difícil de governar, há até aquela velha frase que os romanos quando nos ocuparam disseram sobre os lusitanos… É muito difícil governar Portugal e, ao fim de um certo tempo, as pessoas ficam descontentes com quem tem responsabilidades de poder. Porque o poder é ter que tomar decisões e optar, muitas vezes contra interesses corporativos que estão instalados de uma forma muito viva na sociedade portuguesa. É preciso saber encontrar um equilíbrio entre a vontade de mudar para melhor, e a necessidade de envolver nessa vontade aqueles que têm de ser os principais agentes dessa mudança. No caso da educação, por exemplo, não se pode fazer uma reforma do sistema educativo sem os professores. Mas para se fazer uma reforma minimamente séria do sistema educativo tem-se, em alguma medida, de estar contra aquilo que são os interesses instalados. E é esse equilíbrio que é fácil de definir numa entrevista, e em palavras ditas assim, mas quando se tem a responsabilidade de mexer nas coisas é diferente.

Uma remodelação profunda no Governo antes das europeias teria feito sentido?

Sinceramente acho que não. Acompanho aquilo que foi a posição do primeiro-ministro. E agora uma remodelação teria ainda menos sentido. Não é em ano de eleições que se modificam equipas governativas que têm que ser julgados por aquilo que foram capazes de fazer. É evidente que há pessoas que estiveram menos bem nas suas responsabilidades ao nível do Governo, mas seguramente não esperará que eu lhe diga quem são porque estamos em ano de eleições. E estou certo que não estarão em próximas equipas governativas se o PS ganhar, como desejo, as eleições legislativas.

Um dos actuais ministros que, certamente, não estará num possível futuro Governo socialista é Mário Lino. Que anunciou o adiamento do TGV para a próxima legislatura.

Aí tem um projecto com o qual eu me identifico claramente. E estou à-vontade para falar sobre essa matéria porque sempre disse, em todas as circunstâncias e desde há muitos anos, que o projecto do novo aeroporto é um disparate completo por ser mau para o País e para a região da capital do País. Mas estarmos ligados à rede de comboios modernos de alta velocidade é qualquer coisa de decisivo. Teria sido, do meu ponto de vista, muito mais ajustado ter feito a reforma do sistema ferroviário numa lógica de modernidade do que ter feito a segunda auto-estrada Lisboa-Porto junto ao litoral.

Posso presumir que discorda do adiamento, na melhor das hipóteses por mais uns meses, do projecto do TGV?

Agora não é dramático. São razões de pudor democrático. Lançar o concurso agora ou daqui a três meses é rigorosamente a mesma coisa, estamos a falar de coisas que se arrastam há trinta e tal anos.

José Sócrates mudou de estilo depois de ter perdido as europeias?

Não. Não mudou nem pretende mudar. Nem eu o aconselho, de maneira nenhuma, que mude – ele aliás não precisa dos meus conselhos. Ninguém pode mudar de estilo, sobretudo, numa lógica de proximidade com actos eleitorais como aquela que estamos a viver.

Mas apostar mais no diálogo?

O diálogo é importante. E é importante que o valorizemos, também, numa lógica de imagem. Teria sido desejável que houvesse mais diálogo, nomeadamente com o movimento sindical, ao nível dos professores, e das grandes questões que movimentaram o mundo do trabalhar. É importante que o diálogo exista, e que se passe a imagem desse diálogo, que deixe de haver tanta crispação no relacionamento com o universo sindical.

De acordo com a tradição, o partido que ganha as eleições europeias vence também as legislativas. Isso preocupa-o?
Nunca fiz a reconstituição histórica dessa matéria. Mas não estabeleço uma relação directa… Mas se você está a querer que eu diga que há o risco de perdermos, claro que há o risco de perdermos as eleições legislativas. Isso seria dramático para o País. É preciso que o País tenha a consciência de que se volta – com todo o respeito pessoal que tenho por ela – a velha senhora é o regresso do velho estilo cavaquista, no pior sentido politico da expressão, ainda por cima com Cavaco como Presidente. E coligados com o CDS de Portas.

Ainda pensa que a direita em Portugal é dirigida por uma troika agressiva, impiedosa e muitas vezes despudorada na argumentação política? Disse isto em 2003 referindo-se a Durão Barroso, Paulo Portas e Santana Lopes.

Nessa altura era. Mas reconheço que esse não é o estilo de Manuela Ferreira Leite. Aliás, lembro-me bem – e já que você está a fazer citações – dos comentários que ela fez sobre o Durão Barroso quando foi para a Comissão Europeia e deixou o Governo e o PSD entregue a Santana Lopes. Condenou isso com veemência e honra lhe seja feita por essa atitude.

Que bandeiras gostaria que o seu partido trouxesse para a campanha eleitoral das eleições legislativas?

Em primeiro lugar, o PS tem de valorizar o esforço, importante e incontestável, que foi feito por este Governo em muitas áreas. Sei que na nossa terra há muita dificuldade em ter memória daquilo que de positivo foi feito… Houve transformações importante, nomeadamente no plano das Finanças Públicas. Equilíbrios que foram conseguidos que, agora, em larga medida, estão comprometidos pela grave crise internacional. Depois houve coisas decisivas que foram conseguidas na área da Segurança Social. O Vieira da Silva teve um papel na reforma da Segurança Social que tem de ser sublinhado com uma palavra de gratidão por quem, como eu, seguiu isso com atenção. Correia de Campos, na saúde, fez uma reforma importante. Também há algumas áreas na educação onde se deram saltos qualitativos importantes: a introdução do estudo do inglês, o aumento do tempo de estudo, a questão dos computadores… Sei que é de bom-tom entre muita esquerda pretensamente esclarecida gozar com o computador Magalhães, mas eu sou um fã do Magalhães. Devo-lhe dizer que tenho feito promoção internacional do Magalhães e tenho visto o deslumbramento com que países da Europa, da Ásia Central ou do Cáucaso ficam perante o projecto.

Mas o dr. João Soares não tem um Magalhães.

Não tenho um Magalhães aqui porque o computador que me deram no Parlamento é outro. Mas o meu filho mais novo, o Jonas, já usa o seu Magalhães.

A mensagem que passou não foi essa.
Esse é um dos dramas do tempo que estamos a viver: há, muitas vezes, uma grande diferença entre a realidade de facto e a imagem exterior que passa. E as pessoas que estão concentradas a trabalhar em modificar a realidade de facto no terreno, às vezes, esquecem-se das questões da imagem e consideram-nas secundárias.

Isso num Governo tão profissional quanto à imagem e com agências de comunicação?

Não acredito em agências de comunicação. Olhe, há quem diga que foi isso que me aconteceu em Lisboa: estava tão concentrado no trabalho que estava a fazer no terreno que me borrifei nas questões da imagem, e depois apareceu um Santana Lopes a dizer que fazia 250 mil casas para jovens no centro histórico, ou que fazia uma piscina em cada freguesia, muitos parques de estacionamento… E eu que tinha feito parques de estacionamento, algumas piscinas e muitas casas não me preocupei com a imagem.

Mas também não perdeu por muitos votos, cerca de 800…

856, deve ser um número que só eu sei. Nem o Santana se deve lembrar dele. E há quem diga que mal contados – matéria sobre a qual eu nunca me pronunciei.

Voltando à questão das bandeiras que o Governo deve trazer para a campanha eleitoral das legislativas…

As coisas têm que, cada vez mais, aproximar-se de uma escala humana, próxima das pessoas. Tudo o que tenha que ver com a qualificação é muito importante. Qualificar as pessoas, qualificar o território, qualificar a administração publica. A educação e a saúde são coisas muito sérias. A qualificação da Administração Pública, com a diminuição do peso da burocracia, onde houve por parte deste Governo vontade de mudar mas as coisas não foram tão longe quanto seria desejável. E a qualificação do território, matéria onde se fez um esforço: o investimento nas energias renováveis, eólicas e solares, deixou uma marca, ficámos muito bem qualificados no ranking europeu em matéria de energias renováveis.

A energia nuclear deveria ser uma bandeira para a próxima legislatura?

Pessoalmente, acho que é uma matéria que se deve discutir. Se eu, em vésperas de eleições, aparecer a dizer que se deve avançar para o nuclear, você faz disso um título muito chamativo e depois crucificam-me na praça pública. Deve-se discutir muito seriamente, mas duvido que seja possível fazê-lo em vésperas de eleições. Até porque em Portugal é muito fácil fazer demagogia e crucificar as pessoas quando elas dizem a mais elementar das verdades.

Tenciona fazer campanha ao lado de José Sócrates?

Claro que sim. Farei sempre campanha pelo PS – em todas as circunstâncias. Nunca ninguém me viu não participar numa campanha do meu partido. Participarei muito activamente.

Tenciona recandidatar-se a deputado?

Claro que sim, até para poder continuar o meu mandato como presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE. Onde tenho procurado honrar o Parlamento português e prestigiado Portugal.

Em nome da governabilidade o PS deve estar aberto a um entendimento com o resto da esquerda representada no Parlamento?

Só faz sentido falar sobre essa matéria depois das eleições. O PS tem que pedir uma maioria para poder continuar a governar, em nome daquilo que fez, em nome daquilo que se propõe fazer e em nome, sobretudo, da inquietação que os portugueses teriam em ver voltar o esquema da “velha senhora”: o cavaquismo puro e duro na sua versão mais hard.

E se não tiver essa maioria? É possível a esquerda dialogar entre si?

Isso depois se verá. Mas acho que a esquerda pode dialogar. Defendi isso para Lisboa, antes de qualquer outra pessoa o fazer. E é importante sublinhar que quem pôs em causa essa primeira e única experiência, de unidade da totalidade da esquerda, foi o PSR, com Francisco Louçã. Mas a unidade da esquerda é difícil, sobretudo vendo estes antecedentes.

Mas o desígnio da governabilidade, ainda mais numa altura de profunda crise, não poderá falar mais alto?

O António Guterres provou com muita inteligência, e muita capacidade de realizar na prática, que era possível governar mesmo sem uma maioria absoluta. A verdade é essa. Os primeiros quatro anos do Guterres foram absolutamente excepcionais.

Depois da morte de Francisco Sá carneiro, Cavaco Silva é a grande referência da direita nacional. Acha que a sua acção enquanto PR tem beneficiado o PSD?

Não quero ser injusto e não lhe faria essa acusação. Se o PS não tiver uma maioria absoluta para governar, como alguns desejam, Cavaco Silva vai ter muitas dificuldades como PR. Vai ter que ajudar a fazer equilíbrios que permitam ao País ser governado com o mínimo de estabilidade. Ninguém quer voltar a um período, como já houve na nossa história democrática, em que os governos duravam um ano ou ano e meio no máximo. O País precisa de estabilidade governativa e a necessidade de intervenção do PR, obviamente, terá que ser reforçada. Mas espero que isto não se tenha que provar – até por ele, coitado.

Ainda alimenta a vontade de, um dia, ser secretário-geral do PS?

Dei a cara na altura em que julguei ser importante fazê-lo. E com os resultados que são conhecidos, levei uma cabazada – como outros também levaram. Mas eu levei uma cabazada muito maior do que a do Alegre e, como democrata que sou, aceitei os resultados com a maior das humildades. Nessa matéria, não penso que faça sentido voltar a dar a cara outra vez. Embora, já uma vez um avião que caiu me tenha ensinado que devemos estar preparados para tudo. Mas a liderança do PS não é nada que esteja no meu horizonte. A Roseta é que costumava dizer que “na política e no amor não se pode dizer nunca”. Eu gosto da frase, e acho que já o provei nos dois planos

Tiro a Sócrates

O bombardeamento cavaquista a Sócrates intensificou-se esta semana. O dia de ontem, 25 de Junho, logo a seguir à entrevista de Manuela Ferreira Leite na SIC, foi particularmente difícil para o primeiro-ministro, de autêntica guerra relâmpago. A partir do norte de Portugal, Guimarães, berço da nação, e Braga, a cidade dos arcebispos.

Bombardeamento cavaquista

O bombardeamento cavaquista a Sócrates intensificou-se esta semana. O dia de ontem, 25 de Junho, logo a seguir à entrevista de Manuela Ferreira Leite na SIC, foi particularmente difícil para o primeiro-ministro, de autêntica guerra relâmpago. A partir do norte de Portugal, Guimarães, berço da nação, e Braga, a cidade dos arcebispos. As bombas vieram assinadas: compra da TVI pela PT, simultaneidade das eleições e Concordata com a Santa Sé. Ninguém acredita que há menos de um ano ainda se falava neste país em cooperação estratégica.

A cooperação estratégica parece um artefacto de antigamente. Não deixa de espantar que, há menos de um ano se falasse ainda nela, quando hoje se vive um clima de guerra dura e total entre Belém e São Bento. Esta semana foi particularmente difícil para Sócrates. O dia de ontem ficou mesmo assinado por uma ofensiva de Belém, nunca vista, que começou logo de manhã e se prolongou por todo o dia. Curiosamente, na véspera, Manuela Ferreira Leite tinha estado na SIC, no mesmo palco onde Sócrates esteve há uma semana. A líder do PSD era outra mulher, tranquila, satisfeita, emanado segurança. A entrevista não lhe podia ter corrido melhor. Os inimigos de Sócrates estão a aproveitar a sua grande fragilidade, derivada da derrota nas europeias, para lhe caírem em cima na pior altura. Vale tudo. Sócrates parece ter entrado numa centrifugadora. A frase que mais se tem ouvido nas últimas duas semanas nos meios políticos, naturalmente próximos do PSD, é que Sócrates está a colher o que semeou.
Ontem de manhã, depois de na véspera Sócrates ter sido questionado no Parlamento sobre a compra da TVI pela PT e de Sócrates ter garantido que não sabia nada do negócio, Cavaco Silva instou a PT a esclarecer os portugueses. “Face às dúvidas fortes que neste momento estão instaladas na sociedade portuguesa, é importante que os responsáveis da empresa de telecomunicações expliquem aos portugueses o que está a acontecer entre a PT e a TVI. É uma questão de transparência”, disse o Presidente da Re República. Cavaco fez ainda questão de explicar que não costuma fazer “declarações públicas sobre negócios das empresas”, mas que neste caso entendeu “abrir uma excepção”, “pela natureza do sector que está causa e pela importância nacional da empresa de telecomunicações”. Recorde-se que o governo, através da Golden Share, que detém na PT tem o poder de veto em relação aos negócios da PT.

Sobre esta operação, o presidente do conselho de administração da PT, Henrique Granadeiro, fez ontem saber que “se houvesse qualquer perspectiva de negócio com a Media Capital teria de ser resolvido no conselho de administração”, o que não aconteceu nem se prevê que aconteça.

Na mesma manhã de ontem, Cavaco passou a outro disparo contra José Sócrates, numa matéria muito diferente. A partir de Guimarães. Depois de na semana passada ter ouvido os partidos sobre a data das autárquicas, o governo estava à espera que o PR, que também ouviu os partidos esta semana, marcasse primeiro a data das legislativas. A ser assim, o governo poderia marcar as autárquicas para uma data diferente das legislativas, não cedendo à vontade de Cavaco. Ora o Presidente da República considera agora que o governo é que tem de marcar primeiro a data das autárquicas, argumentando que as leis sugerem este processo. “É o Governo em primeiro lugar que tem de anunciar a sua decisão sobre o dia das eleições autárquicas. E só depois disso é que o Presidente da República pode anunciar a sua decisão. Fá-lo-ei quando chegar o meu tempo. Estarei concerteza preparado para anunciar aos portugueses essa data depois de o Governo anunciar a data das eleições autárquicas”, disse Cavaco Silva. O Presidente da República frisou, em seguida, que “este é o processo sugerido pelas leis em vigor”, uma declaração que deixou muita gente estupefacta. É a segunda vez esta semana que Cavaco se socorre de informações que não do conhecimento comum dos políticos e juristas, já para não falar da generalidade dos portugueses. Cavaco também disse no princípio da semana que os portugueses preferem eleições legislativas e autárquicas em simultâneo, de acordo com os dados de uma sondagem que ninguém conhece.
Ao marcar as legislativas depois de o governo marcar as autárquicas, o Presidente da República tem a porta aberta para, mesmo contra a opinião dos partidos, à excepção do PSD, fazer coincidir os dois actos eleitorais, o que deve ser o mais provável.
Por último, horas depois, em Braga, Cavaco Silva disse esperar que as questões pendentes na Concordata entre o Estado e a Igreja “sejam resolvidas a muito breve prazo”. Cavaco acrescentou que “há boa vontade das duas partes para resolver o problema da regulação da Concordata”, frisando que se trata de assuntos que “já deviam ter sido resolvidos”.
Cavaco Silva respondeu a um apelo lançado pelo Arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga que lamentou a demora na assinatura da regulamentação da Concordata, essencial para a aplicação da mesmo. No último mês, vários sectores da direita têm-se insurgido contra a demora do Governo nesta questão. Ao solidarizar-se com este processo, Cavaco deu mais uma machadada a Sócrates e também ao sector mais jacobino do PS, onde pontifica Vital Moreira.
Para além deste bombardeamento cavaquista, Sócrates tem sido fustigado com fogos cruzados, vindo de todos os sectores. Viu empresas que trabalharam com o governo ou que o primeiro-ministro elogiou serem alvo de operações do poder judicial, viu o PSD levantar a questão do saco azul da Fundação Comunicações Móveis, o Freeport recrudescer, o Ministério Público arquivar uma queixa em relação a um artigo que pode muito bem ter ultrapassado os limites da lei.

“O Governo tem de ouvir mais”

Joel Hasse Ferreira, que integrou a lista do PS às eleições do Parlamento Europeu mas que não conseguiu ser eleito, reconheceu que os portugueses, com a sua votação, quiseram mostrar um “cartão amarelo ao Governo”.

Joel Hasse Ferreira, Deputado do PS no Parlamento Europeu

Joel Hasse Ferreira, que integrou a lista do PS às eleições do Parlamento Europeu mas que não conseguiu ser eleito, reconheceu que os portugueses, com a sua votação, quiseram mostrar um “cartão amarelo ao Governo”. Mas existiram mais problemas: “a questão da dupla candidatura, não soubemos explicar bem o imposto europeu nem como é que víamos a questão da reorganização do sistema financeiro e os casos fraudulentos…”. Agora, sendo “tarde para mudar significativamente de políticas”, “o Governo tem de ouvir mais”, defendeu. O socialista falou ainda sobre Cavaco Silva, um homem “perigoso”, que “está a tentar, sem se notar, ter uma certa intervenção na vida pública e política, caminhando para uma solução em que seja ele a governar”.

Ficou desiludido por não ter sido reeleito para mais um mandato no Parlamento Europeu?

À partida, quando me convidaram para nono da lista – embora muitos elementos da direcção do partido preferissem que eu fosse mais acima – foi dito que era o último candidato elegível. Na altura havia um grande estudo internacional feito por uma grande empresa europeia que dava nove deputados para nós, oito para o PSD e depois dois, dois, um. Mas de facto fiquei um pouco surpreendido, não tanto pelo clima que via nas pessoas mas pelas sondagens. Porque, ao contrário do que diz o dr. Paulo Portas, as sondagens prejudicaram o PS e beneficiaram o CDS. Muita gente que é da área do PS, e que tem críticas ao partido, pensou “eles estão com quatro ou cinco pontos de avanço e está segura a vitória e nós podemos não ir votar, votar em branco ou votar numa lista pequena ou até no Bloco. Termos elegido só 7 deputados, para mim, foi uma onda de choque. Fiquei completamente estupefacto.

Como é que explica esse mau resultado?
Houve um tombo geral dos socialistas europeus. Em termos históricos, os partidos socialistas europeus perderam duas oportunidades de ouro. Em primeiro, a seguir à queda do muro de Berlim, não souberam explicar o que era o socialismo real. Que, no conflito entre o estalinismo e o socialismo democrático, havia quem, efectivamente, tinha tido razão. A segunda oportunidade acontece em 1998, quando, numa Europa a 15, os socialistas tinham 12 chefes de governo e ministros das finanças. E hoje, com a Internacional Socialista sem actividade, há um movimento na Europa inverso ao que há nos Estados Unidos. É a primeira vez que há uma administração americana mais progressista do que a Comissão Europeia.

E em termos nacionais, houve um cartão amarelo às políticas do Governo?
Houve. Durante a campanha ouvi vários factores de descontentamento, normalmente os mesmos. E, muitas vezes, até de pessoas afectas ao PS. Ouvi várias críticas. A questão da dupla candidatura, em que não soubemos passar a mensagem que era completamente legítima. Da Saúde, que só renasce quando as pessoas, médicos, enfermeiros, estão conscientes que o antigo ministro integra as listas. Não soubemos explicar suficientemente bem como é que víamos a questão da reorganização do sistema financeiro e os casos fraudulentos. Outra coisa que os portugueses não perceberam foi o imposto.

Não são demasiados erros para uma campanha que se afirmava tão profissional?

A campanha foi profissional, em termos de logística. Não são os profissionais que organizam a campanha, que tratam os carros e da propaganda que têm culpa dos erros políticos.

Vital Moreira foi um mau candidato?

Não. Foi um candidato extremamente bem preparado. Uma pessoa absolutamente brilhante que conhece há vinte anos as questões europeias. Há questões tácticas e de formulação, como a maneira de transmitir a mensagem, de que forma e quando, que às vezes não passam tanto pela construção política. Na questão do imposto a mensagem não passou, as pessoas ficaram com a ideia: “o PS quer mais impostos”.

Havia o mito de que o PS com José Sócrates era imbatível.
Esse mito foi criado pelo povo, pela comunicação social, talvez por alguns dos seus colaboradores… Mas nunca o vi com essa ideia. Aliás, durante toda a campanha vi José Sócrates extremamente concentrado e atento ao que se estava a passar. Se nós, que andamos mais no terreno, íamos recebendo alguns sinais negativos, acredito que ele também fosse recebendo algumas mensagens. Havia esse ideia que Sócrates era imbatível, quase todos os comentadores o diziam, mas eu nunca menosprezei Manuela Ferreira Leite, uma pessoa com capacidades políticas e que será uma desgraça para o País se for eleita primeira-ministra.

Depois desta derrota o PS poderá ser afectado por alguma instabilidade interna? Só havia Manuel Alegre que andava a falar sozinho…
Manuel Alegre assumiu uma posição de estar no PS mas… O sim, mas do Giscard d’Estaing ao de Gaulle. E ele percebeu que não poderia manter isso. É uma pessoa extremamente intuitiva. Alegre foi o primeiro homem, para além do meu pai, que me diz que Cavaco Silva é perigoso. Estávamos no Brasil e ele meteu-se num avião para vir cá quando o Cavaco emerge como grande figura em 1985. A Comissão Política do partido de segunda-feira ocorreu, talvez estranhamente para alguns, num tom extremamente elevado, com um espírito construtivo.

O Governo deve analisar os resultados e mudar de políticas?
É tarde para mudar significativamente de políticas. Podem haver pequenas inflexões e explicar melhor algumas medidas. Há um conjunto de grupos sociais que não têm os prejuízos que se pensam. Ainda agora acabei de ver dados que apontam para uma inflação negativa e os funcionários públicos vão ver a sua remuneração real a subir muito. O problema é passar as mensagens. Também é preciso ouvir mais, há coisas que não é lógico fazer-se. As pessoas estranharam se a estratégia global for muito alterada, mas afinar um conjunto de questões é perfeitamente possível. O que só é possível com um contacto efectivo com a população.

Ainda acredita na reedição da maioria absoluta por parte do PS ou esse cenário já assume contornos utópicos?

A minha fé não anda por esses domínios. Acho que a probabilidade diminuiu, até no tocante à imagem. Há pouco referiu que existia o mito que Sócrates era invencível. Em termos objectivos e comunicacionais essa imagem está ultrapassada.

Mas já não faz sentido Sócrates e dirigentes socialistas pedirem a maioria absoluta?

Podem pedir. Mas a probabilidade, neste momento, não é tão elevada. Daqui a um mês, não sei. Quem é que há dois meses pensava que havia um tipo chamado Paulo Rangel, que só os jornalistas e políticos é que conheciam, que iria ganhar as eleições europeias? Fez uma boa campanha mas com muitas contradições e demonstrando uma ignorância de grande parte dos dossiers europeus. O que significa que a performance comunicacional e política foi boa. Não escondo que a probabilidade de uma maioria absoluta é menor, mas não excluo essa hipótese.

Temos uma direita que parece dialogar com alguma facilidade e uma esquerda que não se consegue entender. Que soluções de governabilidade prevê?

Acho que o professor Cavaco Silva está a tentar, sem se notar, ter uma certa intervenção na vida pública e política, caminhando para uma solução em que seja ele a governar. Esta é uma posição pessoal.
Governos de iniciativa presidencial?

Não precisa. Isso é para gente que não tem a manha dele. Houve várias vezes coincidências no discurso de Manuela Ferreira Leite e do Presidente da República. Basta Cavaco Silva manifestar uma grande preocupação por um assunto e alguns dirigentes da direita vêm-se colar ao que diz. Cavaco Silva é uma pessoa extremamente intuitiva, tem uma boa formação económica. Não é impunemente que num país como o nosso se governa dez anos sem ser em ditadura. Na prática, desde a morte de Sá Carneiro, é o grande líder do centro-direita. Cavaco Silva diz o que quer, em linhas gerais e legíveis, através de grandes princípios, e depois espera que peguem no que disse. Ao mesmo tempo, vai tentando ter com o Governo um modus vivendi que, obviamente, vai tendo rupturas. Teve na área institucional, com o Estatuto dos Açores que Cavaco Silva sobrevalorizou. Na área social, embora o Presidente fale muito sobre o tema, não vejo grandes críticas.

Cavaco Silva falou recentemente sobre as grandes obras públicas…

Sobre os investimentos o Presidente da República tem sido muito prudente. As últimas frases de Cavaco Silva sobre os grandes investimentos têm várias leituras. É como o programa do MFA, tem sempre a leitura progressista, conservadora e a leitura assim-assim. Cavaco faz um discurso que está correcto, ao dizer que é preciso ter cuidado na forma de concretizar os investimentos públicos e é necessário fazer uma selecção. A partir daí, Manuela Ferreira Leite e Paulo Portas podem construir um discurso, o PS outro e até Jerónimo de Sousa pode lá ir buscar alguma coisa.

O Joel Hasse Ferreira vai voltar para o Parlamento nacional?

Estou a pensar moderadamente nisso. Tenho várias sugestões em cima da mesa. Houve algumas pessoas que me exprimiram o seu interesse em que eu voltasse à Assembleia da República. Mas não pensei ainda. Estou disponível, obviamente, para os combates políticos que sejam necessários. Vejo muito a política em função daquilo que é necessário fazer e onde poderei ser útil. O trabalho que fiz no Parlamento Europeu foi positivo, por vezes com algum desconhecimento por parte da comunicação social. E não havendo combates políticos, tenho uma vida nas empresas, nas universidades…

Moção do CDS chumbada pelo PS

A maioria parlamentar do PS chumbou, esta quarta-feira, no Parlamento uma moção de censura ao Governo apresentada pelo CDS-PP e que obteve os votos favoráveis do PSD, enquanto PCP, BE e “Os Verdes” optaram pela abstenção.

A iniciativa do CDS, apoiada pelo PSD, foi chumbada pelo PS e contou com a abstenção do PCP, Verdes e BE.

A maioria parlamentar do PS chumbou, esta quarta-feira, no Parlamento uma moção de censura ao Governo apresentada pelo CDS-PP e que obteve os votos favoráveis do PSD, enquanto PCP, BE e “Os Verdes” optaram pela abstenção.
Esta foi a quarta moção de censura apresentada no Parlamento ao Governo de José Sócrates e a segunda liderada pelo CDS-PP. Com rejeição assegurada pela maioria absoluta do PS no Parlamento, nenhuma das quatro moções de censura obteve, nesta legislatura, o apoio de todos os partidos oposição. Moção esta, prometida por Paulo Porta em noite de festa para os centristas, devido à “ressurreição” eleitoral nas europeias, depois de um “susto” das sondagens.
Alias, foi sob o “pano de fundo” das europeias e perante o desaire socialista que Paulo Portas apresentou a moção de censura ao Governo, aproveitando a nova dinâmica da direita, para acusar directamente o Executivo socialista de ter falhado nas opções políticas para o país e apontando a José Sócrates a responsabilidades por “erros de política, que não são de comunicação mas sim de fundo”, arguiu Portas.
No debate parlamentar, o líder centrista justificou a iniciativa de outro modo. Justificou-se para “dar voz” aos cidadãos que censuraram o Governo “no país e nas urnas”. Portas acusou o primeiro-ministro de ‘estar a inventar à pressa uma personalidade’, depois de ter começado a actual legislatura como um ‘animal feroz’. Tentando logo de seguida, demonstrar que o “novo português suave, e modesto”, como ironizou Paulo Portas, referindo-se à nova postura do primeiro-ministro, não cola com uma real alteração de políticas. Afirmou Portas, que José Socrates “apresentou-se como um animal feroz, e agora está à pressa a inventar uma personalidade português suave, modesto e humilde. Não cola consigo. Um português suave, modesto e humilde chamado José Sócrates pode ser um alívio, mas não é solução’, sustentou.
Para Portas “o país cansou-se dessa arrogância que não é uma questão de forma, é de essência. O país cansou-se do excesso de propaganda e do défice de autenticidade”, clarificou Portas.

Sócrates “pós-europeias” mais sereno
Na resposta, Sócrates nunca deixou transparecer a postura de”animal feroz”, não tendo sido, porém, meigo nas considerações à moção de censura sustentada pela direita parlamentar. O primeiro-ministro considerou a iniciativa da “direita”, “um abuso que raia a arrogância” ao tentar transformar as eleições europeias em legislativas. “Uma coisa é compreender os sinais dos eleitores, e eu estou bem atento a esses sinais, outra coisa, bem diferente, é instrumentalizar os resultados, pretendendo confundir eleições europeias e legislativas”, considerou Sócrates. “Todos sabem que a legislatura está no seu termo e que muito em breve os eleitores serão chamados a pronunciar-se sobre o futuro da Governação”.
Sócrates, na sua intervenção – sem nunca perder de vista o eleitorado de esquerda – optou por fazer o já habitual balanço das principais medidas do Executivo e um – propositado ou não – “mea culpa” sobre as contendas criadas por algumas das reformas do executivo em determinados sectores. “Interpreto os sinais de insatisfação sobretudo como um apelo a fazermos mais e melhor”.
A bancada do PS gostou, e aplaudiu de pé o líder do governo durante um ensurdecedor minuto.
A réplica da oposição, às palavras do primeiro-ministro, não tardaram. Assumidos os erros por parte do executivo, a oposição não perdoou e fez a pergunta mais óbvia: “Quais erros? Diga quais erros?”. A resposta assumiu a mesma forma que tantas outras vezes assumiu: Silêncio. A oposição ficou uma vez mais sem resposta.
Portas substituiu-se a Sócrates e tomou as “rédeas” da resposta. Para Portas o executivo errou nas mais diferentes áreas e enumerou-as. Entre elas a da Educação, Agricultura, Administração Interna, Justiça, Economia e Obras Públicas. Nuno Melo, finalizando a intervenção do CDS, rematou o debate declarando as intenções dos centristas: “Daqui a meses, queremos ser alternativa e bom governo. E seremos!”
PSD com olhos postos nas legislativas
No meio do fogo cruzado, entre o CDS e o PS, esteve sempre o PSD. Assumindo a postura de um verdadeiro candidato à vitória nas próximas legislativas, o Partido Social Democrata optou por uma postura de prudência. Isto, numa moção que o PSD decerto não desejaria, mas a qual teve de aceitar, sob prejuízo de perder votos à direita, caducar uma possível aliança com o CDS-PP ou pior que isso, assumir uma postura de neutralidade concedendo uma relativa impunidade ao executivo socialista. Portanto não foi de admirar que o PSD, na voz do vice-presidente do partido, José Pedro Aguiar-Branco, dedicasse a sua intervenção a um “não ataque” ao executivo, mas antes à justificação do “porquê do sim”.
Segundo Aguiar Branco, o PSD votou favoravelmente a moção de censura do CDS-PP para evitar “a equívoca leitura de um prolongamento imerecido de vitalidade deste governo”.
Aguiar Branco considerou que “o Governo não foi digno da maioria absoluta que os portugueses lhe confiaram”, sustentando que “a coerência, a autenticidade, a honra da palavra dada, o respeito e a verdade não se inscrevem no ADN” do Executivo socialista, que “merece uma forte censura” mostrando-se confiante de que o Executivo de José Sócrates será ‘definitivamente censurado nas próximas eleições legislativas’.
Esquerda a “meio-gás” critica governo
Pelo lado do PCP, o secretário-geral, Jerónimo de Sousa, optou por desafiar o Governo a mudar o rumo de política, defendendo que os resultados eleitorais foram um sinal de que “o povo português” quis dizer “basta”. “Não acha que se mantiver o rumo vai bater com a cabeça – salvo seja, sem ofensa, estou a falar do Governo – na medida em que a mesma política vai conduzir ao mesmo resultado, isto é, ao fracasso desta política de direita?’, questionou Jerónimo de Sousa. Sócrates, num registo mais calmo respondeu Sócrates reconhecendo que a derrota eleitoral “espelha um certo desagrado e frustração dos portugueses pelo facto de que a crise económica e financeira se ter somado a anos anteriores em que foi preciso fazer reformas e tarefas patrióticas que exigiram sacrifícios aos portugueses”.
Para finalizar, o BE criticou o Governo por dizer que “é tempo de olhar para as políticas sociais” e acusou o PS de apresentar um projecto de lei que permite o trabalho domiciliário “a crianças de 14 anos”. De acordo com Francisco Louçã, o projecto de lei do PS “determina que o trabalho domiciliário já não é aos 16, já não, no país de Sócrates com 14 anos já se pode fazer trabalho domiciliário desde que se tenha a escolaridade obrigatória”.Na sua defesa, o primeiro-ministro defendeu que as políticas sociais não são de agora, mas “foram conduzidas ao longo de quatro pelo Governo” e garantiu que “nunca o PS apresentou projecto” que permitisse o trabalho domiciliário para crianças de 14 anos. Sócrates acusou Louçã de estar “propositadamente e de forma demagógica a interpretar mal a iniciativa política do PS”.

Acabou o mito que Sócrates é imbatível

Caiu por terra o mito que Sócrates é imbatível. O secretário-geral do PS, para além da sua presença não ser factor bastante para ganhar uma eleição, também comete erros políticos. E a escolha de Vital foi um desses erros. Tal como a própria estratégia da campanha não foi a mais correcta, com o cabeça-de-lista socialista ao Parlamento Europeu a tentar colar o caso BPN ao PSD.

Resultados das eleições europeias provocam mudanças na política nacional

O resultado das eleições europeias do último domingo, mais do que uma vitória do PSD, consubstanciou uma derrota, em toda a linha, do PS. Uma derrota pessoal de José Sócrates, que se empenhou profundamente na campanha através de aparições sucessivas e que escolheu, como os eleitores fizeram questão de comprovar, um mau candidato; uma derrota do Governo, que foi alvo de uma apreciação negativa por parte da população – o tal cartão amarelo; e uma derrota do PS enquanto estrutura, que não se mobilizou adequadamente para a campanha, como vários dirigentes socialistas já denunciaram.

Caiu por terra o mito que Sócrates é imbatível. O secretário-geral do PS, para além da sua presença não ser factor bastante para ganhar uma eleição, também comete erros políticos. E a escolha de Vital foi um desses erros. Tal como a própria estratégia da campanha não foi a mais correcta, com o cabeça-de-lista socialista ao Parlamento Europeu a tentar colar o caso BPN ao PSD. Os eleitores não gostam desse estilo e, consequentemente, fizeram questão de o penalizar. Com o fim da imagem de José Sócrates como “santo milagreiro”, o grande mentor da primeira maioria absoluta na história do PS, chega a crispação interna. Até aqui temos assistido, basicamente, a Manuel Alegre a falar sozinho, abandonado pelos seus camaradas mais de esquerda. O desvelar das fragilidades de Sócrates vai originar o surgimento de vozes a fazer-lhe oposição, já na disputa pela liderança dos socialistas. Tal como Sócrates conspirou contra o ferrismo, mesmo antes de Sampaio dar posse a Santana Lopes e originar a demissão de Ferro Rodrigues, a partir de domingo começaram a trabalhar os conspiradores contra o socratismo. Nova esperança no PSD No principal partido da oposição nasceu, novamente, a esperança de chegar ao poder já este ano. O PSD, não obstante ter obtido um resultado que não é uma vitória estrondosa – até porque a abstenção foi muito elevada – voltou a afirmar-se como alternativa. E com a impossibilidade de um entendimento entre a esquerda (PS, PCP e BE) e a inexistência de diálogo entre os líderes do Bloco Central, o eleitor vai pesar as perspectivas de governação que a direita, Manuela Ferreira Leite e Paulo Portas, poderá oferecer. Perante uma esquerda que não se entende e duas possíveis coligações segundo muitos anti-natura (PS/PSD e PS/CDS), uma solução governativa formada pelo PSD e pelo CDS poderá ser a única via para um Executivo estável numa altura de crise em Portugal e no Mundo. Ao SEMANÁRIO, Vicente Jorge Silva disse não acreditar na hipótese de um possível governo de coligação oriundo da esquerda nem no facto de José Sócrates poder governar sem uma maioria absoluta. “Não acredito que o PS reedite a maioria absoluta e José Sócrates não é homem para governar numa base de compromisso. Ele só sabe governar numa lógica do quero, posso e mando. E, portanto, não estou a ver Sócrates a fazer pontes quer à direita quer à esquerda. Não que as pessoas devam abdicar da coerência com os seus princípios, mas há a capacidade de dialogar, de discutir as coisas”. Se Sócrates não tiver maioria absoluta vai-se embora? Vicente Jorge Silva pensa que sim. “Acho que se José Sócrates perder as legislativas ou não ficar em condições para ter a maioria absoluta tem que se ir embora. António Guterres percebeu o pântano. E agora, é o mesmo pântano que se está a desenhar, mas num clima de crispação, com os médicos, professores…” Extrema-esquerda ganha ao PCP Mais à esquerda, pela primeira vez em 35 anos de democracia, a extrema-esquerda – hoje representada no Bloco – ultrapassou o PCP. Apesar de ambas as forças crescerem em termos eleitorais. De acordo com Vicente Jorge Silva, esse facto seria algo “inevitável”, fazendo uma analogia com o que se passa em França onde Os Verdes obtiveram o mesmo resultado que o PSF. “Acho natural que o Bloco, com uma linguagem e um eleitorado mais moderno, mais jovem e mais urbano, cresça. Enquanto o PCP é um partido regional, do Alentejo, muito envelhecido, que vai tender a ficar cada vez mais velho e com um discurso que é quase sempre o mesmo.” “Uma das coisas que bloqueiam o BE”, continuou “é que ainda é um partido devedor de alguns clichés da antiga extrema esquerda. Mas penso que este resultado vai obrigar o Bloco a pensar se pessoas como Francisco Louçã, muito marcadas por esse passado muito ideológico, são capazes de dar a volta.” Quem beneficiou com o fim anunciado do neoliberalismo O grande mote, interno e a nível internacional, das eleições europeias foi o sentimento – e para alguns a necessidade imperativa – de mudança de paradigma que se fazia sentir na Europa e no Mundo. O fim do neoliberalismo, a implosão do capitalismo, a necessidade de aumentar a regulação e o peso do Estado na economia… Tudo indicava para uma viragem à esquerda e para um aumento do peso da família socialista no Parlamento Europeu. Mas sucedeu exactamente o contrário: o Partido Popular Europeu cresceu e a esquerda diminuiu. Parece um paradoxo em tempos onde, curiosamente, do ponto de vista doutrinário e dos princípios, os socialistas deviam estar mais confortáveis do que a direita. Na opinião de Vicente Jorge Silva, “todos os partidos socialistas foram penalizados. Estamos a assistir, em geral, a um esvaziamento da capacidade destas forças políticas. E são penalizados porque não souberam reagir. Quando caiu o muro de Berlim os socialistas decidiram que se tinham de afastar de qualquer hipótese de ligação ao socialismo real dos países da Europa de Leste e abraçaram o neo-liberalismo. A quedo do socialismo real seria a prova que a social-democracia era uma resposta mais moderna e mais adequada aos problemas da Europa e do Mundo. E agora, os socialistas vêem a direita apropriar-se das suas bandeiras e não são capazes de reagir”. Segundo Jorge Silva quem está a fazer o papel que hoje devia ser feito pela esquerda na Europa é a direita: “os partidos socialistas europeus colocam demasiado empenho em questões civilizacionais, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, porque não são capazes de assumir uma posição mais socialista em questões de política financeira ou económica. A ironia está no facto da direita europeia estar a cavalgar a onda da regulação. Veja-se o caso Sarkozy, que foi eleito com um discurso neoliberal e agora é o campeão das grandes reformas e da regulação.”