Por momentos George W. Bush e Tony Blair focaram as atenções para o conflito israelo-palestiano. O Presidente americano, imediatamente apoiado pelo primeiro-ministro britânico, prometeu apresentar, em breve, o “mapa da paz” aos israelitas e aos palestinianos. No entanto, alguns comentadores políticos interpretam este acto como uma estratégia de apaziguamento da revolta árabe e europeia perante um conflito no Iraque, duvidando do empenho e da vontade da administração Bush de implementar e levar a bom porto a discussão em torno do “mapa da paz”.
Com a guerra do Iraque no horizonte, George W. Bush voltou, há precisamente uma semana, a falar do processo negocial israelo-palestiniano. Desta vez salientou a importância do “mapa da paz” para se alcançar uma solução pacífica para aquela região que, segundo os intentos de Washington poderão culminar com a criação de um Estado palestiniano “viável e independente”, em 2005.
As palavras de Bush foram subscritas minutos depois pelo primeiro-ministro britânico, Tony Blair, que, numa estratégia concertada, salientou a premência do relançamento do processo de paz no Médio Oriente e informou que o Presidente americano lhe teria dito que o “mapa da paz” seria publicado assim que o recém nomeado, primeiro-ministro palestiniano, Mahmoud Abbas, tomasse posse – facto que deverá acontecer daqui a três semanas.
Apesar das “boas” intenções anglo-americanas, a verdade é que as suas posições sobre o conflito israelo-palestiniano não podem ser interpretadas numa perspectiva restringida à situação degradante dos territórios autónomos e do próprio Estado de Israel. Na verdade, mais do que uma tomada de posição sobre esta questão, Bush e Blair marcaram uma estratégia, visando um eventual apaziguamento do mundo árabe, num mais que provável conflito no Iraque.
As duas questões não podem, obviamente, ser dissociadas até porque a questão palestiniana e a sua relação com Israel são, desde a criação do Estado judaico, o móbil da unidade árabe, ou pelo menos, o fio condutor de todo o mundo árabe. A causa palestiniana é talvez a única bandeira pela qual os líderes árabes falam a uma só voz, mas que, mesmo assim, ao longo dos anos não têm conseguido adoptar no terreno uma posição coesa e coerente, especialmente ao nível da liga Árabe.
Assim sendo, o plano de Bush para a Palestina poderá representar um instrumento da política externa norte-americana para lidar com os árabes e europeus em caso de guerra no Iraque, relegando o conflito israelo-palestiniano para um facto secundário, mas eficientemente instrumentalizado nas mãos da administração Bush. Por isso, não será de estranhar que ainda esta semana Brian Whitaker escrevia no “The Guardian” que “Ariel Sharon pode permanecer confiante de que nada mudou”.
Whitaker refere ainda que a abordagem de Bush e de Blair nesta questão foi ligeiramente diferente. De acordo com a interpretação do colunista do jornal britânico, Bush deverá entregar o plano aos israelitas e palestinianos para a sua discussão. Ou seja, não tendo referido a palavra “divulgação” pública, dificilmente a administração Bush estará, pelo menos para já, empenhada numa implementação do referido “mapa da paz”, que deverá estar muito próximo da sua fórmula final.
Nesta lógica, alguns comentadores políticos acreditam que a promessa de Bush, em apresentar o “mapa da paz”, foi uma esquema para tentar desarmar a revolta árabe e europeia sobre a questão iraquiana.
Relembre-se que o “mapa da paz” foi fruto dos esforços do “Quarteto” ( Estados Unidos, União Europeia, Rússia e Nações Unidas) e que tem sido constantemente alvo de discussão.
Apesar dos apelos à paz no Médio Oriente, a Casa Branca e Downing Street encetaram uma política que peca pela falta de coerência, quando confrontada com a problemática iraquiana. Mais uma vez, as palavras de Bush acabam por revelar-se insípidas e inócuas, se se tiver em conta que a administração norte-americana não terá o mesmo empenho em pressionar Israel e os palestiniano em eventuais negociações sobre o mapa da paz.
Sabe-se também que o Governo hebraico irá ditar as suas exigências quanto à aprovação do “mapa da paz”, num processo que sem a persuasão dos Estados Unidos, poderá durar eternamente.
Mesmo com as reformas da Autoridade Palestiniana em curso, Israel – pelo menos com o Executivo de Ariel Sharon, claramente marcado por “falcões” – nunca estará satisfeito quanto ao grau reformador da cúpula de poder palestiniana. Entretanto, o processo poderá arrastar-se indefinidamente e ficar ofuscado pela conjuntura internacional de crise durante meses ou anos, como aliás se verificou durante a campanha do Afeganistão e, agora, com a guerra do Iraque.
O resultado poderá comprometer os esforços de criação de um Estado palestiniano daqui a dois anos.
Para Whitaker, a posição assumida pelo primeiro-ministro britânico face ao “mapa da paz” foi uma “charada”, tendo sido apenas um meio para sensibilizar a opinião pública inglesa, por modo, a contrabalançar a oposição que tem manifestado sobre a questão do Iraque.
Uma estratégia que o chefe do Governo espanhol, José Maria Aznar, parece estar a seguir na opinião do especialista em assuntos diplomáticos do jornal israelita “Ha’aretz”, Aluf Benn. “Quanto mais a opinião pública nos seus países se opõe à guerra, mais Blair e Aznar se agarram à questão palestiniana como um salva vidas político…Eles têm que provar aos seus cidadãos na Europa que se preocupam em pôr fim à ocupação israelita nos territórios ocupados, para ganharem legitimidade na ocupação do Iraque”, escreveu Benn.
Primeiro-ministro palestiniano deverá
tomar posse daqui a três semanas
O Conselho Legislativo Palestiniano (PLC) aprovou, na terça-feira, a criação do cargo de primeiro-ministro, uma das exigências feitas pela administração Bush e pelo Governo israelita, enquadrada no processo de reformas políticas em curso no seio da Autoridade Palestiniana (AP), delineadas pelo “Quarteto”.
Naquilo que é já considerado como uma vitória para a democracia palestiniana, o Presidente, Yasser Arafat, viu-se obrigado a abdicar muitos dos seus poderes para o novo chefe de Governo.
Com os privilégios legislativos definidos, Mahmoud Abbas, o homem nomeada para ocupar o recém criado cargo, terá sensivelmente três semanas para formar Governo. Com esta medida, o domínio absoluto de Arafat na vida política palestiniana que se tem feito sentir nos últimos anos parece ter chegado ao fim, após um período de vários meses de contestação interna crescente, vinda, por vezes, do seio do seu próprio partido, a Fatah.
De acordo com o vice-presidente do PLC e legislador da Fatah, Ibrahim Abu Naja, Arafat “decidiu abdicar da sua exigência para participar na formação do Governo”. No entanto, Naja salientou que os deputados prometeram a Arafat informarem-no da composição do novo Executivo, antes deste ser apresentado ao PLC para ser objecto de aprovação. O membro da Fatah fez novamente questão de reiterar a impossibilidade de Arafat implementar as suas vontades e exigências ao novo Governo.
Mahmoud Abbas, tido como um homem moderado, terá agora que reunir uma equipa que consiga enfrentar os enormes desafios que se avizinham. Nas áreas mais críticas, o combate à corrupção surge como o maior problema para Abbas, juntamente com as questões de segurança, nomeadamente, com o controlo das facções extremistas. No novo primeiro-ministro são depositadas as esperanças do reatamento do processo de paz.
Neste contexto, Washington acolheu positivamente a criação do novo cargo político, tendo uma alta fonte do Departamento de Estado norte-americano revelado que os requisitos que a administração Bush definiu para a criação da figura de primeiro-ministro foram cumpridos. Antes, o secretário de Estado, Colin Powell, considerou esta medida um “passo positivo”, mas adiantou que os Estados Unidos gostariam de ter visto mais poderes atribuídos a Mahmoud Abbas.