A guerra no Iraque já começou. De uma forma camuflada, unidades de operações especiais norte–americanas operam em território iraquiano há mais de um mês. No seguimento do que o SEMANÁRIO avançou há duas semanas, ontem, o “Washington Post” revelava pormenores das missões em curso. Entretanto, Bush quer avançar uma segunda resolução já para a semana.
A anarquia política e diplomática não podia ser maior, no dia em que o chefe da equipa de inspectores da ONU (UNMOVIC), Hans Blix, vai ao Conselho de Segurança apresentar o seu segundo relatório sobre as inspecções que decorreram em território iraquiano.
Divergências profundas no seio da Europa quanto a um eventual ataque ao Iraque estão a escavar um fosso profundo com os Estados Unidos, e a cimentar a divisão entre uma “nova e velha” Europa, seguindo a classificação do secretário da Defesa norte-americano, Donald Rumsfeld.
Depois de confrontos de opiniões e estratégias sobre o desarmamento do regime de Saddam Hussein levadas a cabo no Conselho de Segurança das Nações Unidas e no ventre da União Europeia, esta semana, o embate estendeu-se à NATO (ver texto nestas páginas), o símbolo máximo das relações transatlânticas, manifestado, por exemplo, com a evocação do artigo 5º pela primeira vez na sua história, como resposta da solidariedade europeia ao povo norte-americano depois dos ataques do 11 de Setembro.
Hoje, Blix vai apresentar um relatório, que provavelmente dará o aval para a guerra, indo de encontro aos anseios americanos. A conselheira para a segurança nacional da Casa Branca, Condoleezza Rice, esteve na quarta-feira de manhã, em Nova Iorque, para pressionar o inspector chefe da UNMOVIC a apresentar um relatório revelador das violações do regime de Bagdad à resolução 1441.
Esta manobra política coincidiu com a proposta anglo-americana para uma segunda resolução, legitimando uma intervenção bélica no Iraque, a ser votada na próxima semana, de acordo com fontes oficias americanas ao “Washington Post”. A administração Bush mostra, assim, que pretende antecipar-se aos acontecimentos e não correr quaisquer riscos.
No entanto, a França, a Alemanha e a Rússia já disseram que não estão dispostas a aprovar esta hipótese, querendo dar lugar a uma solução pacífica, nomeadamente com o prolongamento das inspecções.
Mas, apesar do discurso político adverso, à ultima da hora, poderão haver algumas surpresas nas posições assumidas por Paris, Berlim e Moscovo. Esta eventual inflexão na política externa das três chancelarias só fará sentido se for enquadrada em dois pressupostos: o poderio militar americano e os interesses nacionais dos Estados europeus.
A primeira questão prende-se com o facto dos Estados Unidos estarem determinados a avançarem sobre Bagdad, com ou sem aval do Conselho de Segurança, com ou sem apoio dos supostos aliados. O seu poderio militar é de tal maneira avassalador que de pouco adiantaria contribuições bélicas de outros países. “Nós não precisamos de uma coligação internacional para vergar o Iraque. Conseguimos fazer isso sozinhos”, escrevia esta semana o famoso colunista do “New York Times”, Thomas L. Friedman.
Quanto à segunda questão, França, Alemanha e Rússia querem em última instância assegurar a prossecução dos seus interesses, um objectivo realista da política dos Estados. E aqui, convém distinguir os interesses franceses e russos com os dos alemães. Estes, por uma questão de sobrevivência política não se poderão dar ao luxo de eventualmente ficarem isolados, numa posição irredutível contra a guerra. Esta situação poderá assumir contornos reais se a França e a Rússia alcançarem os seus objectivos na questão iraquiana: manter os inúmeros contratos petrolíferos que actualmente as suas maiores companhias detêm com Bagdad.
Neste capítulo, convém desmistificar a ideia redutora de que os americanos querem controlar o ouro negro dos poços do Iraque. O SEMANÁRIO escrevia a 18 de Outubro de 2002 que Bush iria deixar o petróleo iraquiano para os europeus. Saddam Hussein tem tentado criar uma rede complexa com os supostos aliados dos americanos, comprometendo-os economicamente com o Iraque, chegando ao ponto de haverem 30 contratos para entrarem em vigor depois de levantadas as sanções.
Com estas teias de interesses de empresas petrolíferas europeias, chinesas, indianas e agora japonesas, no Iraque, torna-se cada vez mais provável que os americanos se “desinteressem” pelo petróleo iraquiano, querendo apenas assegurar a estabilidade dos preços no mercado internacional.
Além do mais, empresas como a russa Lukoil, ou a francesa Elf, têm pressionado os seus Governos a negociar com Washington a manutenção das suas posições num Iraque pós-Saddam. A acrescentar a isto, os Estados Unidos estão cientes dos elevados custos que teriam de suportar para, eventualmente, ter que recuperar o complexo de produção petrolífera iraquiana. Por isso mesmo, esta semana, o “Financial Times” e o “New York Times”, em artigos de análise, colocavam de parte uma guerra norte-americana contra o Iraque baseada em interesses económicos.
Unidades de operações especiais
norte-americanas no Iraque
O SEMANÁRIO já tinha avançado há duas semanas a presença de forças especiais do Exército norte-americano e da CIA no norte do Iraque. Ontem, o “Washington Post”, citando fontes próximas do Pentágono, confirmou a existência de unidades de operações especiais suas em várias partes do território iraquiano à procura de locais onde estejam colocadas armas, a estabelecer redes de comunicações e a capturar potenciais fugitivos pertencentes ao regime de Saddam.
As tropas estão divididas em duas “task forces”, com um número indeterminado de homens, que estão em operações dentro do Iraque há mais de um mês. O objectivo destas unidades é de preparar terreno para as tropas convencionais, mal Bush dê ordem de ataque.
Numa operação, que os militares do Pentágono consideram ser dramaticamente diferente daquela que ocorreu em 1991, os Estados Unidos mobilizaram, na quarta-feira mais 40 mil homens, perfazendo no total 150 mil soldados preparados para entrar em combate.
Entretanto, a crise com a Coreia do Norte mantém-se perigosamente sem solução à vista. A Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) afirmou, esta semana, que Pyongyang está a violar claramente as regras de segurança, quanto à proliferação nuclear.
Apesar dos receios norte-americanos, Washington mantém-se prudente, não tomando medidas drásticas, e a Rússia já disse que para já não pretende levar este assunto ao Conselho de Segurança. Ontem, a Coreia do Sul apelou a Pyongyang para aproveitar uma janela de oportunidade, para solucionar esta crise pacificamente.|
Aliança Atlântica
no princípio do fim?
O fim do sistema bipolar, que vigorou durante toda a Guerra Fria, conhecendo momentos de maior ou menor rigidez, deixou desenquadradas muitas das organizações internacionais que foram criadas dos escombros da Segunda Guerra Mundial. Nos tempos seguintes aos frenéticos anos de 1898-91, o debate foi lançado no seio académico, questionando-se sobre a eventuais razões que poderiam sustentar o prolongamento da vida dessas mesmas organizações.
O exemplo da NATO foi talvez o mais paradigmático do desajustamento que determinadas organizações passaram a enfrentar, quando inseridas numa nova realidade sistémica, para as quais não estavam preparadas nem tinham mecanismos de resposta às exigências impostas pelas relações internacionais dos anos 90, e que ajudaram a definir um paradigma assente numa única super potência.
É certo que a NATO, a ONU e a União Europeia tentaram, de uma forma ou de outra, adaptar-se aos tempos da globalização, livres de preconceitos e regras que as cinco décadas de confronto político e ideológico entre dois blocos impuseram. No entanto, hoje constata-se que as organizações pilares, nas quais assentaram a estabilidade do mundo ocidental durante anos, começam a ruir, como se de um arrastamento tardio se tratasse, catorze anos após a queda do muro de Berlim. Primeiro, foi o sistema que sucumbiu agora são as suas organizações.
Por exemplo, a ONU há muito que é criticada pela sua composição e funcionalidade. Os cinco membros do Conselho de Segurança continuam a ser os aliados da II GM, uma situação irrealista perante as alterações que a História tratou de fazer no mundo. Caída em descrédito, as resoluções da ONU não são mais do que meras proclamações políticas sem resultados práticos, como o conflito crónico no Médio Oriente comprova.
A questão iraquiana parece estar a provocar mais estragos nas estruturas ocidentais, do que propriamente nas do Governo de Bagdad. O Conselho de Segurança da ONU transformou-se num autêntico circo, a União Europeia numa manta de retalhos sem nenhum padrão a seguir e a NATO mergulhou, esta semana, numa crise sem precedentes, que a pode condenar à existência meramente formal, sendo o mesmo que dizer à sua extinção.
A França, a Alemanha e a Bélgica vetaram a possibilidade da NATO proporcionar meios de defesa à Turquia (mísseis Patriot, aviões AWACS, meios anti-NBQ) numa eventual retaliação iraquiana àquele país, caso os Estados Unidos avancem com uma intervenção militar sobre Saddam Hussein. O impasse em relação à defesa da Turquia até poderá ser resolvido nas próximas horas, mas as fissuras no edifício da Aliança são bastante profundas para serem tapadas com uma “simples” revisão do conceito estratégico.
O que inicialmente começou por ser uma divergência de posições nacionais, reflectindo princípios e interesses soberanos, acabou por “minar a unidade da NATO, numa altura em que surgem muitíssimas questões sobre o futuro da aliança, no pós Guerra Fria”, lia-se esta semana no “New York Times”. Ainda o mesmo jornal referia que diplomatas e analistas consideram que a divisão sobre a ajuda à Turquia exacerbou sentimentos profundos e perturbadores dos dois lados do Atlântico, derivados de muitos factores, que não exclusivamente do Iraque. “A questão da guerra ao Iraque tornou-se numa questão pessoal na disputa à liderança americana”.
O debate quanto ao futuro da Aliança reacendeu-se, indo provocar, certamente, a clivagem de posições entre aqueles que sempre defenderam a extinção desta organização desde a implosão do seu inimigo, nomeadamente do Pacto de Varsóvia, e os outros, que alinharam pelas reformas dos conceitos estratégicos, como meio de adaptação às necessidades emergentes.|
Portugal e a escolha estratégica
A NATO poderá estar a viver os dias do fim, colocando os seus Estados-membros perante alguns dilemas e incertezas quanto ao futuro. Portugal integra a NATO desde a sua fundação, em 1949, tendo este factor condicionado claramente as directivas nacionais em termos de política externa nas últimas décadas.
Nas horas críticas, a via atlântista sobrepôs-se sempre à europeísta. Hoje, o veio de ligação (NATO) entre Portugal e os Estados Unidos está em crise, podendo mesmo sucumbir. Isto não significa que a relação política esteja em perigo. Pelo contrário, Lisboa e washington poderão acentuar a suas relações diplomáticas e laços de solidariedade.
Mas seja como for, Portugal terá que fazer opções estratégicas quanto ao papel que quer assumir no futuro no sistema internacional.
Para já, o Governo português debate-se com meras conjecturas, porém, não poderá descurar os seus interesses nacionais, especialmente ao nível da segurança. Ao assinar a declaração dos oito Barroso marcou uma posição, mas não definiu necessariamente um rumo para a política externa portuguesa. |
O bom…
Por norma, costumam ser os grandes momentos que fazem os grandes líderes. A História tratou de glorificar e endeusar todos aqueles estadistas que em determinada altura da sua vida provocaram rupturas nas relações internacionais e alteraram o rumo dos acontecimentos.
Quase sempre, enfrentavam um inimigo poderoso, que tinha tanto de grandeza política, como de perversidade ideológica (Napoleão, Hitler, Estaline, etc). Com a devida distância temporal, os compêndios criaram visões maniqueístas desses líderes e colocaram-nos nos respectivos campos do bem e do mal, do bom e do vil.
A personificação de valores universais e de projectos imperiais provocaram sempre fracturas no sistema e o embate de “grandes” estadistas. Apesar de uns terem ficado na galeria dos tristemente célebres, a verdade é que todos gozavam de uma capacidade assustadora de liderança.
George W. Bush, o bom, a personificação do bem, e o imperador de uma nação baluarte da democracia e dos valores humanos, assim, como dos mercados livres, iniciou uma guerra, de novos conceitos, quanto à sua forma e quanto aos seus objectivos. A doutrina da geoestratégia e da táctica, acumulada ao longo de séculos, talvez desde Sun Tzu, foi posta de parte, para dar lugar a novos meios que permitam combater um inimigo poderoso, mas invisível.
Perante a barbárie do 11 de Setembro e a ameaça do terrorismo, poucas dúvidas restariam para colocar Bush no campo dos bons, dos libertadores dos oprimidos e nos devastadores dos malefícios da Humanidade. Porém, nem de todos os grandes momentos saem grandes líderes.
O discurso de Bush não passa, e o projecto messiânico dos Estados Unidos é visto com desconfiança.
Porquê? Talvez, pela fragilidade dos pilares em que assenta a “guerra de Bush” ou, quem sabe, pelo simples facto do Presidente dos Estados Unidos ser visto pelo mundo afora, como um autêntico cowboy, à boa imagem da série “Dallas”.
Mas, talvez a grande diferença resida no facto dos “grandes” líderes da História não terem precisado de engendrar esquemas para convencer os seus súbditos a embarcarem consigo em jornadas homéricas, por forma a conquistar o mundo e a combater o inimigo. Por convicção, milhões de pessoas ajudaram homens da política e de Estado a alcançarem um estatuto heróico. Bush dificilmente conseguirá esse feito.
…o mau
A ascensão de Saddam Hussein ao poder seguiu os trâmites que qualquer déspota que se preze teima em cumprir: eliminar fisicamente os seus opositores para depois governar isoladamente durante bons e longos anos.
Num único dia sangrento, Saddam revelou toda a sua maldade ao depor o general Ahmed Hassan Bakr, no princípio dos anos 80, e ao convocar todos os poderosos do partido Ba’ath para uma sala, revelando em voz alta os nomes dos seus rivais, tendo estes, posteriormente, sido arrastados para o exterior e abatidos pela polícia secreta.
Desde esse dia, a liderança de Saddam raramente foi posta em causa, no entanto, e curiosamente, foi também a partir desse mote, e com a “ajuda” da revolução iraniana em 1979, que o conselheiro da segurança nacional americana da altura, Zbignew Brezinski, “encorajou publicamente o Iraque a atacar o Irão e a recuperar o canal de Shatt-al-Arab”.
Hoje, mais de vinte anos passados, Saddam continua a ser um homem mau, porém, a grande diferença é que deixou de servir os interesses de Washington. De aliado dos Estados Unidos, para combater o expansionismo soviético no Médio Oriente durante a Guerra Fria, passou a “inimigo de estimação”, personificando um dos rostos do “eixo do mal”.
e o vilão.
De acordo com algumas teorias da conspiração, daqui a vinte anos documentos ultra-secretos, até então guardados nas catacumbas do Pentágono, revelarão ao mundo que Osama bin Laden, o imaginativo e líder terrorista da Al-Qaeda, morreu logo nas primeiras horas de bombardeamentos norte-americanos no Afeganistão.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, a CIA tem-se encarregado de o “manter vivo” desde então, graças à já famosa CNN árabe, Al-Jazeera. Assim sendo, bin Laden lá vai fazendo os seus “anúncios” de forma muito conveniente para os interesses norte-americano, com um “timing” perfeito para a estratégia de Bush e com um discurso imediatamente aproveitado pela Casa Branca.
Com este cenário montando, e é apenas disso que se fala, de uma teia conspirativa, talvez seja caso para dizer que assim dá muito jeito ter um bin Laden vivo…mas a monte. O vilão certo para as alturas certas.