A Câmara de Lisboa mostrou-se “aberta” à instalação de uma sala de injecção assistida na capital, como uma “experiência piloto”. Contudo, remete a decisão para depois do congresso internacional, em Junho, onde devem ser “analisados modelos de intervenção”, já aplicados noutros países. Com enquadramento legal desde 1999, a decisão passa pelas autarquias. O IDT perfilha a ideia de “existirem condições” para avançar, ainda este ano, com este projecto.
Desta vez parece que a instalação de “salas de chuto” começa a ganhar forma prática. João Goulão, presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), anunciou, no final da semana passada, a disponibilidade da edilidade liderada por Carmona Rodrigues, para avançar com o projecto, ainda no decurso deste ano. Segundo aquele responsável “há condições para realizar esta experiência-piloto, na proximidade de um grande centro de tráfico”, na capital lisboeta.
Já esta semana, o vereador Sérgio Lipari Pinto, responsável pela política de prevenção e combate à toxicodependência na Câmara Municipal de Lisboa, sublinhou que “nunca esteve, nem está, contra esse tipo de experiência na cidade de Lisboa”, embora o executivo camarário prefira que, “pela grande responsabilidade que tal decisão acarreta” se faça primeiro “um diagnóstico profundo e sério” do problema e se assuma “um compromisso entre todas as entidades públicas e privadas numa rigorosa avaliação de diagnóstico da situação actual”.
Ora, João Goulão entendeu estas palavras como um “começo”. Explicou: “A avaliação com base num diagnóstico local é já um pressuposto para a instalação.” A sua confiança de que “siga em frente” assenta no novo Plano Nacional de Combate à Droga – que está em fase de aprovação interministerial – no qual se prevê “a realização desses diagnósticos, com a participação de organismos do IDT, das autarquias e dos ministérios envolvidos”. E até chegou a prometer que haveria “um retrato da realidade e programas lançados antes de Julho”.
Mais complicado no Porto
A criação de salas de injecção assistida dispõem de enquadramento legal desde 1999. Segundo a sua lei, a decisão de as instalar deve passar pelas autarquias e pelas Organizações Não Governamentais (ONG).
Daí que Goulão se mostre convicto de que “a luz verde” do município lisboeta avance, com ou sem o congresso internacional de Junho, tanto mais que “há abertura do Governo, desde logo ao assumir o plano nacional contra a droga e toxicodependência. E teime em insistir com outra experiência-piloto no Porto, mais complicada, conhecida como é a oposição do autarca Rui Rio.
As salas de injecção assistida, avisa, “são uma resposta, não uma solução”, e a experiência “só faz sentido integrada numa rede alargada de dispositivos de redução de danos”. Assim, o IDT promete, como pivot de toda a acção, uma avaliação ao fim de um ano, para se fazerem ajustes se forem necessários “até em relação à legislação”.
O modelo ainda não está definido, pois “será discutido com os parceiros”. O presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência diz apenas que, “como é habitual neste tipo de programas, a experiência-piloto será lançada na proximidade de um grande local de consumo, isto é, de um bairro de tráfico, e integrará, pelo menos, uma cabina destinada aos usuários de drogas não injectáveis”. Outro suporte inscrito no plano nacional é a instalação de máquinas de troca de seringas.
Medida controversa sempre adiada
Quem lida com este problema, sobretudo os especialistas, está de acordo numa coisa: “A situação dos toxicodependentes de fim de linha, mais degradados, em Lisboa e no Porto, é suficientemente grave para que se avance e não se fique à espera, mais uma vez, de diagnósticos que nunca mais chegam.”
Têm uma certa razão neste lamento, tendo em conta o historial passado. Com efeito, a criação de uma sala de injecção assistida era defendida pelo ex-presidente da Câmara de Lisboa, João Soares, que chegou a visitar um espaço em Madrid, considerando-o “uma progressão natural de uma política global de redução de riscos”.
Depois, o seu sucessor, Santana Lopes, no final do mandato municipal, lamentou que não tenha conseguido criar uma sala de injecção assistida, justificando-se com “dificuldades de articulação da CML com o poder central”.
A última campanha eleitoral para as autárquicas é bem o registo desta medida controversa, aplaudida por uns e criticada por outros. Na verdade, só o Bloco de Esquerda, pela voz de José Sá Fernandes, ao visitar uma das principais zonas de tráfico e consumo de droga a céu aberto na capital – Anjos e Intendente – defendeu as salas de chuto.