2025/08/15

Política, Forças Armadas, justiça e jornalismopor Pedro Cid

Não me parece correcto que o general Silva Viegas se tenha demitido da Chefia do Estado Maior do Exército com a alegação pública de que tinha perdido a confiança no ministro da Defesa Nacional. Dizer isto, desta forma, e com todo o respeito, é contribuir para dar mais uma pequena machadada na nossa democracia.

Subverte os princípios da legítima subordinação dos militares ao poder político sufragado pelo voto. Isto, no plano dos valores e da ética de que as Forças Armadas são, de certa forma, depositárias únicas do nosso património.
Não quero retirar ao Silva Viegas a força do seu gesto de demissão. Parece legítimo dizer que os militares têm uma formação que não é compatível com certos comportamentos, formais ou substanciais. O militar, sério e compenetrado com os valores que lhe ensinaram a defender, é escravo da sua palavra. O que ele promete, cumpre. O que lhe prometem deve ser cumprido. Ou seja, o actual Ministro da Defesa, enquanto titular de uma pasta, que é prestigiada, que gere politicamente as Forças Armadas, naquilo onde a política tem força orientadora, nem sempre terá tratado os militares com a dignidade, formal e substancial, que eles reclamam para si. Um ministro pode ter um percalço inesperado e chegar atrasado a uma cerimónia. Não pode fazê-lo sistematicamente, porque isso fere os tais princípios por que se norteiam as Forças Armadas. O Ministro da Defesa não pode titubear na linha de rumo de reformas, nem dizer aos Chefes militares uma coisa e fazer outra, com a irresponsabilidade (e leviandade) política que é incompatível com as funções que exerce. São estas coisas acumuladas que levam um general dos mais prestigiados das nossas Forças Armadas ( já na reserva e com liberdade para fazer tais declarações), a dizer que o actual ministro não é confiável…
O general Silva Viegas foi imprudente na sua declaração. A demissão, por si só, ainda por cima apresentada ao Presidente da República, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas, directamente e não ao Chefe do Estado Maior General, seu superior hierárquico operacional ou mesmo ao próprio Ministro da Defesa, era já por si suficientemente ruidosa. Dizer que perdeu a confiança no Ministro é, no fundo, retirar espaço de manobra ao Presidente da República, o qual, aliás, nem sequer pediu ao general que aguardasse – aceitou logo o seu pedido de demissão – quando me parece que, antes de o fazer, devia consultar o Governo. Se o fez – pôde tê-lo feito – até agora não houve fugas de informação, o que também não deixa de ser curioso.
A reforma das Forças Armadas centra-se sobretudo na questão da sua profissionalização, da redução de efectivos, que devem ser altamente qualificados nos diversos patamares de hierarquia, na gestão harmoniosa de recursos, nos cortes em duplicação de missões, de institutos, de academias e, se calhar até de ramos e de armas. O Ministro Paulo Portas não pode viver com os louros políticos de ter conseguido resolver problemas que há muito se arrastavam, nomeadamente contagens de serviço e aposentação para os antigos combatentes. Não pode contentar-se com decisões, importantes sem dúvida, e até decisivas para o futuro, de resolução de contratos, de revisão da questão dos submarinos, ou das OGMA. Tem de olhar, para o dispositivo humano e de grande qualidade técnica que são os elementos, individual e colectivamente, considerados das Forças Armadas. Isso é o mais difícil e é o que tem tardado a ser feito. O Dr. Paulo Portas tem de perceber que qualquer afronta, mínima que seja, mesmo involuntária, mas com sequências em outras atitudes, afecta a Instituição. Espera-se pois que o Governo, e em particular o Dr. Paulo Portas, saibam rever a sua actuação. Penso que o Primeiro Ministro pode, também, ser um elemento decisivo. O 14 de Agosto, dia da Infantaria e efeméride, muito cara à Historia do País e dos militares, poderia ser um bom pretexto para algum gesto especial do poder político para as nossas Forças Armadas, uma espécie de ponto de partida para um novo tipo de relacionamento, directo, frontal e respeitador da Instituição Militar.
Não há qualquer discussão acerca da sua subordinação ao poder político. Não há, nem remotamente, a mínima condição para qualquer aventura fora do quadro democrático. Mais uma razão para que o poder político seja escrupuloso, cumpridor e fiável nas suas relações com os militares.
Num outro plano da actualidade, o debate da actuação dos jornalistas, nesta face crucial em que vive a justiça portuguesa, tem feito vir ao de cima algumas posições curiosas, que merecem reflexão de âmbito geral. Francisco Azevedo e Silva fez, há dias, no Diário de Notícias, uma afirmação fundamental neste debate e que, de resto constitui o cerne da actividade jornalística, tão violada grosseiramente hoje em dia pelos próprios jornalistas: “Importante não é proibir o jornalista de informar, é sim responsabilizá-lo pela notícia que dá. É ele o autor e não as fontes que cita ou omite”. Palavras sábias, palavras de risco. Em duas linhas recorda-se um código de conduta que ninguém, ou quase ninguém, está a cumprir. Por sua vez Teresa de Sousa, é autora de uma crónica notável no Público, ainda que me pareça muito ideologicamente orientada. Ainda assim, são cruciais algumas perguntas que faz: “Quem quis desmentir tão rapidamente as escutas a Ferro Rodrigues? Quem decidiu divulgar o caso ISCTE-CIDEC, até então imune a qualquer fuga de informação”. Por ser, em minha opinião, ideologicamente orientada, a prosa de Teresa de Sousa pede alguma força argumentativa e contém riscos de ambiguidade, mas prova à saciedade que há questões que são da justiça, que a justiça ou o legislador têm que ponderar, e há problemas de ética e deontologia que são dos jornalistas e do cuidado que têm obrigatoriamente que assumir nas suas relações com as fontes. Discernir onde é que as fontes podem ser manipuladoras é uma questão nossa, muito particularmente nossa, dos jornalistas, que têm fugido, em boa verdade, ao controlo colectivo. E só quando a democracia sofrer um qualquer abanão, autoritário ou de outra índole, aqui del rei que estamos a ser amordaçados…Quero ver, depois, quem vai estar na primeira linha da contestação….

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