2025/11/12

Moçambique – um caso exemplarpor Pedro Cid

Arrisco mesmo dizer que Portugal tem um potencial único de emigração qualificada, que devia ser canalizada para os PALOP

Espanta-me a pouca atenção que os órgãos de comunicação social portugueses dão à actualidade – política, económica, social, desportiva e de natureza internacional – dos países africanos de língua portuguesa e até de Timor, cujo esforço de reconstrução e alinhamento estratégico estão a passar completamente à margem da opinião pública portuguesa.
Angola, Moçambique e S. Tomé e Príncipe são três países que estão em trânsito acelerado de mudança, na qual os portugueses deveriam estar mais empenhados, quer do ponto de vista do estabelecimento de parcerias contínuas, nos mais diversos sectores, quer no conhecimento mais pormenorizado do que ali se vai passando. A RTP África vai dando alguns “cheirinhos”, mas absolutamente insuficientes, no sentido que de os espaços africanos de língua portuguesa precisam das nossas parcerias – na construção civil, na actividade bancária, nos professores, nos profissionais liberais, no turismo, no investimento empresarial, seja ele agrícola ou industrial.
Entendamo-nos: África não é um novo maná, estão definitivamente enterrados os conceitos coloniais que vigoraram muito para lá do que seria de desejar, mesmo após as independências. Nalgumas questões sensíveis ao nível da pura política de relações de Estado, por exemplo na cooperação militar, Portugal nunca deixou de estar presente. O conceito de cooperação é que foi subvertido, precisa de ser enterrado sem pompa, nem circunstância.
Hoje, pode dizer-se que Moçambique é uma pujante democracia em fase de consolidação. Há um poder e uma oposição, legitimados pelo voto, conscientes, cada qual do seu papel na vida do País. Há um Parlamento Democrático onde se espelham as diversas teses políticas, em absoluta liberdade de expressão. Há uma vontade colectiva de fazer de Moçambique um grande país, de acordo com as suas fantásticas potencialidades e os seus poderosos recursos naturais. A paz é um dado adquirido e pode mesmo dizer-se que é irreversível. Depois de uma prolongada guerra civil, não pode exigir-se mais, nem fingir que não há dificuldades. Claro que existem – Moçambique precisa de duas gerações para ser auto-suficiente em matéria de quadros
Para atingir níveis de preparação escolar, no secundário e na universidade. Para consolidar a rede das suas infra-estruturas em pleno. É aqui que entram os portugueses, com vontade de assumir novos projectos de vida. Arrisco mesmo dizer que Portugal tem um potencial único de emigração qualificada, que devia ser canalizada para os PALOP. Aquilo que ficou dito em relação a Moçambique pode também aplicar-se a Angola, também numa fase de intensa reconstrução. Ainda há dias apanhei na RTP África uma reportagem sobre um novo bairro em construção, com qualidade de fazer inveja a muitos condomínios fechados que por cá se apregoam. Quando oiço dizer ao eng. Sócrates que a sua primeira medida se for eleito primeiro-ministro tem a ver com a preocupação pelos licenciados sem trabalho, penso logo na falta que eles estão a fazer em Angola e Moçambique, obtendo as contrapartidas justas, em matéria de remuneração e de projecto de vida. O colonialismo passou, mas a história que deixou o legado comum da língua subsiste e a estima recíproca pelos cidadãos portugueses é maior do que a relação com emigrantes de qualquer outro país estrangeiro.
O Presidente Jorge Sampaio cumpriu exemplarmente a sua função da mais alta representação do Estado, ao deslocar-se ao Maputo para testemunhar a posse do novo Chefe do Estado moçambicano, Armando Guebuza, que foi, aliás, dilecto colaborador de Samora Machel. Guebuza foi temperado com o tempo, e a sua costela antiportuguesa de 1975 parece hoje muito atenuada.
Tenho comigo uma fotocópia de um manuscrito do Livro de Honra da Barragem de Cahora Bassa onde, em 17 de Setembro de 1986, Samora Machel escreveu, entre outras coisas, o seguinte: “Os trabalhadores moçambicanos e portugueses fraternalmente, juntando o suor do seu trabalho, garantem que este empreendimento sirva os interesses mais altos do desenvolvimento e prosperidade de Moçambique. Moçambicanos e portugueses consolidam aqui a unidade, a amizade e solidariedade cimentadas pelo aço e betão armado que produziu Cahora Bassa.”
A mensagem do primeiro Presidente de Moçambique, há quase 20 anos, precisa agora de ter continuidade. Muitos portugueses, se receberem os adequados estímulos podem
entroncar-se com os moçambicanos, numa parceria atractiva: obterem melhores condições de vida, que não teriam no rectângulo europeu e contribuir decisivamente para o progresso de grande país africano!

O tempo anormalpor Jorge Ferreira

Os campos agonizam com uma seca de frio e de Inverno e a política agoniza com uma seca de dignidade e de interesse

Portugal regressou ao tempo da Campanha Alegre. Os campos agonizam com uma seca de frio e de Inverno e a política agoniza com uma seca de dignidade e de interesse, com a cumplicidade do “star system”.
Seca de ideias: Santana Lopes e Sócrates fogem das ideias como o diabo foge da cruz. A tirania do ultramarketing político moderno pode ser a perversão da essência da democracia, que é o confronto e o debate de ideias. A ideia é que, quanto menos falar do concreto, mais votos tem.
Constituição, Constituição Europeia, referendo, política orçamental, política económica, Pacto de Estabilidade e Crescimento, investimento, educação, saúde, portagens, sistema fiscal, contrato social, isto é, o que está compreendido nas contrapartidas públicas pelo pagamento de impostos, empresas, acesso à Justiça, tudo isto e muito mais são contratempos que os candidatos concordam em evitar.
Seca de interesse: quando o tema de campanha por excelência é a boataria, nos cidadãos, já de si enfastiados pelo triste espectáculo em que o País vive desde que Durão Barroso foi embora, aumenta a descrença e a indiferença, com o perigo da abstenção a espreitar. Nada garante que os indecisos das sondagens optem por votar.
Seca de democracia: as opções eleitorais do País estão seriamente condicionadas pela mediocracia. São as televisões, não o povo quem decide quem se ouve, quem se vê e, consequentemente, em quem não se vota. Estações privadas fazem coberturas cubanas de discursos cubanos de mais de uma hora, de quem querem e lhes apetece, sem garantirem a equidade no tratamento das várias candidaturas. Violam despudoradamente a Lei e o alegado Estado de Direito está desarmado e não actua. O Presidente da República está calado, como se nada se passasse. Marcelo Rebelo de Sousa também.
O problema é quando começar a chover. A água chegará, mesmo fora de tempo, violenta e arrasadora. E ao queixume das sementeiras agonizantes sucederá o queixume das inundações e da falta de prevenção. Nessa altura se calhar já teremos um novo Governo, que se queixará do anterior e da pesada herança que lhe deixou. A campanha alegre destes dias de telenovelas venezuelanas baratas e de mau gosto dará lugar a mais uma campanha triste de desgraça nacional e do fatalismo lusitano.
Do que isto está mesmo a precisar é de uma varridela. Democrática. Em urnas. Pelo voto. Ousará Portugal?

Alimentar a roda?por Manuel dos Santos

Barroso, já demonstrou,(…) que tem a capacidade, ou a sorte, de estar presente no local e no tempo apropriados (…). Ora é o que está a suceder mais uma vez

Negar, negar sempre, mesmo perante a evidência, é um dos segredos do êxito do processo de integração europeia.

Ao alimentar a “roda da decisão” de uma forma que, por vezes, parece exasperante, as instituições europeias mais não fazem do que gerar o tempo de espera indispensável para que seja possível seguir em frente.

Na Europa comunitária, como na natureza, nada se perde e nada se ganha, só que tudo se transforma, segundo um método, um ritmo e um sentido que, mais cedo ou mais tarde, permitem atingir os fins em vista. Pelo menos tem sido sempre assim desde a sua fundação Os bons resultados estão à vista.

Esta é, para já, a lição que pode retirar-se da recente iniciativa da Comissão Europeia que propõe, finalmente com pragmatismo e sentido de oportunidade, o relançamento e a redefinição da Estratégia de Lisboa.

Todos reconhecem, o que ainda há pouco tempo negavam, ou seja, que os objectivos fixados, em Lisboa, não podem ser alcançados no prazo de 10 anos (a partir de 2000), como estava previsto.

O egoísmo dos Estados-membros, as diversidades das características das economias nacionais, a ausência de coordenação eficaz das políticas e a ineficácia da “autoridade” da Comissão, tornaram irrealizáveis as metas fixadas, porque queimaram todos os prazos. O tempo de negar a evidência, entretanto, acabou.

Perante este fracasso, a alternativa era rejeitar o acordo estabelecido ou proceder à reformulação e ao relançamento da Estratégia. Só que para tornar esta segunda hipótese possível era fundamental que passasse o tempo indispensável para que a concreta natureza das coisas tornasse tudo mais visível e mais fácil.
A análise, feita a meio do percurso, por um Grupo de Sábios, presidido por Wim Kok, foi absolutamente decisiva, pois permitiu passar da negação absoluta do insucesso para a necessidade da reformulação da estratégia.

Só isso justifica a citada iniciativa da Comissão, já identificada quando da apresentação ao Parlamento Europeu do Plano de Actividades para 2005, mas agora efectivamente concretizada com a remessa, para o Conselho Europeu da Primavera, da respectiva comunicação. O trabalho do comissário Verheugen, responsável pela actividade económica da União, começa a produzir, também neste sector resultados satisfatórios.

Por seu turno, o Presidente da Comissão, Durão Barroso, já demonstrou, em diversas circunstâncias, que tem a capacidade, ou a sorte, de estar presente no local e no tempo apropriados (fugindo dos locais e dos tempos quando isso é do seu exclusivo interesse). Ora é o que está a suceder mais uma vez.

Aguardam-se, pois, com expectativa, as próximas iniciativas legislativas da Comissão e, em especial, o seu enquadramento político na relação com os Estados-membros.

Há cinco anos, a União Europeia lançou uma Agenda ambiciosa de reformas económicas que deveria ser cumprida até 2010. Não o foi e conseguir reconhecer isto agora, partindo para o essencial (a preservação do espírito de Lisboa), já é muito importante.

A União está muito longe de esgotar o seu potencial de mudança e isto é fundamental para atingir elevados níveis de crescimento económico e de emprego. Não é, contudo, do simples crescimento quantitativo que necessita a Europa. A UE necessita que o crescimento seja sustentado, social e ambientalmente, e que o emprego seja, crescentemente, de melhor qualidade e estabilidade. Só desta forma é possível reforçar a coesão social que é, seguramente, o objectivo mais importante fixado nos Tratados.

A chave para a solução deste problema estará, naturalmente, na capacidade e qualidade da governação europeia, no volume dos recursos disponíveis e no seu uso eficaz e transparente, mas residirá, fundamentalmente, no grau de comando politico da Comissão e na vontade efectiva dos Estados-membros.
O Presidente Barroso reconhece que a economia europeia é o maior bloco comercial do Mundo mas também sabe que isto não chega para a transformar no espaço económico mais atractivo e, muito menos, para assegurar, em plenitude, o seu potencial de desenvolvimento.

Fazer avançar a economia, sem pôr em causa o modelo político europeu de sociedade, é, portanto, o actual grande desafio.

A agenda social, a protecção ambiental, o reforço da identidade europeia com base no conhecimento e a defesa do tecido empresarial mais frágil (que representa 2/3 do volume de negócio e emprega cerca de 90% dos trabalhadores europeus) constituem objectivos que, se cumpridos, reforçarão a atractividade da Espaço Económico Europeu.

Para que isto se torne uma realidade é, no entanto, necessário que todos os membros da União Europeia façam mais e melhor, mas ainda não é claro como é que a actual Comissão os vai obrigar a esse “sacrifício”.

Com efeito, o que agora se propõe é uma substancial mudança nos métodos de funcionamento e decisão, a elaboração de novos métodos e um debate abrangente e empenhado no seio da União, que permita responsabilizar cada país pelo grau das suas realizações.

Esta filosofia é correcta, mas pode não ser suficiente e, para o ser, tem de ser sustentada politicamente, no médio prazo, pela própria União e por cada um dos seus Estados-membros, de forma a estabelecer a necessária coordenação das políticas e a sua crescente harmonização. Só que, isto é mais Europa e nem todos estão preparados para a receber e aceitar.

As soluções nem são tão difíceis quanto, às vezes, se apresentam, pois todos sabem o que é preciso fazer e como o fazer. O difícil é saber como ganhar eleições depois de se ter feito o que se deve.
A Comissão, acabada de nomear, não tem esse problema e muito menos o tem o seu Presidente que, no momento oportuno, o endossou, em Portugal, para o seu, infeliz e trapalhão, sucessor.

Mas essa não é a situação generalizada dos governos europeus.

A palavra final é, como quase sempre, da política.

Uma crescente ambição e uma ousadia não calculista são os ingredientes que separam a concretização dos objectivos, e a atitude, meramente defensiva, de continuar a negar… mesmo perante a evidência.

“Estou seguro que Freitas se vai enganar de novo”

Paulo Portas, líder do CDS/PP, manifesta-se convicto, em entrevista ao SEMANÁRIO, de que Freitas do Amaral, ao pedir, agora, a maioria absoluta para o PS, se vai enganar de novo, recordando, com efeito, que há três anos também se enganou, ao pedir, desta vez, a maioria absoluta para o PSD.

Paulo Portas, líder do CDS/PP, manifesta-se convicto, em entrevista ao SEMANÁRIO, de que Freitas do Amaral, ao pedir, agora, a maioria absoluta para o PS, se vai enganar de novo, recordando, com efeito, que há três anos também se enganou, ao pedir, desta vez, a maioria absoluta para o PSD. Ironizando a este respeito, Paulo Portas salienta que os portugueses já perceberam “que não é possível saber qual será a próxima mudança de opinião do prof. Freitas do Amaral”.

Qual o grande objectivo eleitoral do CDS/PP? Será que continua a ser os tão desejados dois dígitos? Recordo-lhe que as últimas sondagens são pouco animadoras…
São os dois dígitos, sem dúvida alguma. O CDS está habituado a sondagens pouco animadoras, como lhe chama, porque somos sempre subestimados. Em 2002, atribuíam-nos entre 4 e 6 por cento das intenções de voto a uma semana das eleições. Os portugueses, na hora da decisão, deram-nos 8,7 por cento. Agora, as sondagens atribuem-nos substancialmente mais, para além de se verificar uma clara tendência de crescimento, o que já é uma mudança significativa. Mas o CDS não faz como outros, que exigem votos aos eleitores. O CDS está a procurar fazer uma campanha pela positiva, onde apresenta a obra feita, a sua marca no Governo, onde demonstrou ser um partido estável, leal e, permita-me dizê-lo, competente. Um partido útil que defende valores essenciais para Portugal. Valores como o Direito à Vida ou a redução dos impostos sobre a classe média, que podem ser postos em causa pelas forças de esquerda, nomeadamente pelos comunistas e pela extrema-esquerda radical. Votar CDS é evitar um governo condicionado por esses partidos e é por isso que eu peço aos eleitores que dêem mais força ao CDS. Com mais força podemos fazer mais pelos portugueses.

As suas convicções num bom resultado eleitoral para os democratas-cristãos talvez se expliquem pela circunstância de haver muita gente de direita que está descontente com o PSD, mas que, por ser de direita, não quer votar PS e votaria CDS/PP…
Há um equívoco na política portuguesa que é preciso contrariar, a bem da democracia. Que eu saiba, nenhum partido é dono dos eleitores, nenhum partido foi a um notário registar a propriedade de um voto. Na minha opinião, não existem eleitores de partidos, existem eleitores livres que decidem em quem votam. Mas respondendo à sua pergunta, no caso que refere, são sempre votos que não se perdem, que ficam em casa, na área do centro-direita. E isso é muito útil a Portugal. Tendo o CDS 10 por cento dos votos, como é nossa forte convicção, será sempre o PS e a extrema-esquerda quem mais perdem. Seja em Setúbal ou em Braga, no Porto ou em Lisboa, em Viana de Castelo ou no total nacional. Um deputado do CDS é um deputado a menos do PS.

Fez cair o Carmo e a Trindade com as suas afirmações de que o CDS/PP estaria disponível para entendimentos pós-eleitorais com o PS. Esqueceu-se que tem um acordo com o PSD?Não, não me parece que tenha caído o Carmo e Trindade. Nem sequer o Largo do Rato. Como me parece ser evidente para todos, o CDS foi e é um partido radicalmente leal. Em momento algum falei sobre entendimentos pós-eleitorais com o PS. O que eu disse é que há matérias em que existe há 28 anos um claro consenso nacional entre os partidos do arco da governabilidade – CDS, PSD e PS – que em nenhuma circunstância deve ser posto em causa. Como sejam a nossa presença na Aliança Atlântica ou na União Europeia. São consensos hoje felizmente generalizados na sociedade portuguesa. Felizmente, repito, já não estamos no PREC e esses consensos não podem ser condicionados por comunistas ou pela extrema-esquerda radical. O CDS é um partido responsável, um partido de Governo, um partido que não é bota-abaixo. Agora, o que é verdade é que o próximo Governo de Portugal não pode ser condicionado pela extrema-esquerda radical e pelos comunistas, que iriam pôr em causa esses consensos. Iriam arranjar novos problemas aos portugueses, quando os portugueses só procuram soluções.

Não respondeu à carta de Morais Sarmento, apenas para não criar polémicas com o PSD ou porque considerou-a despropositada?Não respondo a cartas que não me são dirigidas.

Não quis polemizar com o PSD, mas noto-lhe que o cabeça de lista por Braga deste partido, Luís Filipe Menezes, chegou mesmo a afirmar que um voto no CDS/PP era um voto em Sócrates…Não comento afirmações que não fazem qualquer sentido. Desculpe, mas o CDS está concentrado em fazer uma campanha positiva e jamais entrará em polémicas ou picardias políticas.

O acordo pós-eleitoral que o CDS/PP celebrou com o PSD é válido apenas com a liderança de Santana Lopes, ou, caso contrário, foi firmado entre os dois partidos, como instituições, e independentemente de qual seja a liderança dos social-democratas?Não comento cenários virtuais, como compreenderá. Não entro nisso. Sou presidente do CDS e o meu partido, como já provou, cumpre leal e escrupulosamente os acordos que assina.

Freitas do Amaral afirma, publicamente, que vota PS e pede a maioria absoluta para este partido. Com alguma ironia, o dr. Paulo Portas disse que ainda havia de ver Freitas do Amaral pedir a maioria absoluta para o Bloco de Esquerda. Acha que poderá ser mesmo assim?Tudo é possível, como eu disse. O Prof. Freitas do Amaral enganou-se nas últimas eleições, há apenas três anos, quando pediu a maioria absoluta para o PSD. Estou seguro que vai enganar-se agora de novo. Já o vimos em manifestações ao lado do Bloco de Esquerda e, por isso, o cenário que referi não é de todo despropositado.

Ao mesmo tempo que pede a maioria absoluta para o PS, Freitas do Amaral disponibiliza-se para uma candidatura presidencial, provavelmente com o apoio dos socialistas. Julga que Freitas do Amaral poderá derrotar Cavaco Silva ou qualquer outro candidato do PSD e do CDS/PP?Como lhe digo, os portugueses já perceberam que não é possível saber qual será a próxima mudança de opinião do Prof. Freitas do Amaral. Mas há um tempo para tudo e o tempo de hoje não é de presidenciais, mas de legislativas.

O programa de Governo do CDS/PP foi apresentado no passado domingo. Os democratas-cristãos defendem, nomeadamente, um choque de valores. Mas que valores?
Desde logo e em primeiro lugar, o Direito à Vida. Quem é pelo Direito à Vida, como princípio básico de civilização, sabe que o CDS dá uma garantia que mais ninguém pode dar: estamos unidos contra a liberalização do aborto e a favor da criação de condições para que as mulheres não tenham de recorrer ao aborto. Com humanidade e com a compreensão dos casos concretos, é evidente. A sociedade portuguesa precisa de valorizar referências e há, neste momento, uma espécie de relativismo ético que não abona ao estado do País. Mas o choque de valores proposto no programa do CDS vai mais longe: cada meta apresentada no programa de Governo corresponde a um valor acrescentado. Quando defendemos a redução dos impostos para os mais pobres, defendemos o valor da solidariedade. Quando defendemos políticas sociais e fiscais de apoio à natalidade e à maternidade, defendemos o valor da família. Quando defendemos a revisão da Constituição para introduzir mais modificações na legislação laboral, defendemos o valor do trabalho.

A revisão da parte económica da Constituição é uma velha aspiração do CDS/PP. Julga que a crise que atravessamos é, em parte, explicada pela actual Constituição?A revisão da parte económica é útil e necessária porque a Constituição não pode ser um programa político que impeça os partidos eleitos de cumprir os seus próprios programas eleitorais. Não pode impedir reformas que são essenciais para o crescimento económico e para o desenvolvimento sustentável, para tornar competitiva a nossa economia, para dar mais força às empresas, para criar mais emprego para todos.

“A nós não nos vão ver entrar em ataques
pessoais ou na baixa política”

O CDS/PP foi o único partido a apresentar a sua equipa governativa. Por que razões o fez?
Apresentar aos portugueses uma equipa de Governo é um acto de transparência democrática. Só desta forma os portugueses podem julgar, antes do voto, se os membros dessa equipa têm mérito profissional, experiência nos assuntos de Estado, se há coerência na equipa, se há consistência suficiente para quatro anos. Ao apresentar uma equipa de Governo, o CDS pôs as cartas na mesa. Os portugueses devem gostar de saber que o CDS apresenta como seu ministro da Economia um dos melhores gestores da nova geração em Portugal, como é o Dr. Pires de Lima. Ou que o ministro da Justiça que o CDS apresenta é um dos mais conceituados jurisconsultos portugueses, que foi presidente do Tribunal das Comunidades Europeias, como é o Dr. Cruz Vilaça. Os eleitores que votarem no CDS sabem quem é a futura ministra da Saúde, a Drª Maria José Nogueira Pinto. Não votam no escuro, sabem com o que contam. O que não se verifica no caso do PS que até pede uma maioria absoluta. Mas maioria absoluta para quem? Quem é que vai ser o futuro ministro das Finanças do PS? Quem é que vai ser o ministro da Economia? E da Saúde? Ninguém sabe.

Disse, há tempos, que o CDS/PP iria fazer uma campanha séria, pela positiva. Mas, o que se passa à sua volta, é precisamente o contrário: ataques pessoais, insultos vergonhosos, numa palavra, baixa política. Não lhe parece que as coisas estão a levar um rumo feio?
Como lhe disse, o CDS tem o sério propósito e vai contribuir para a elevação do debate político em Portugal. Não nos desviaremos um milímetro desse nosso caminho. A nós não nos vão ver entrar em ataques pessoais ou do que justamente chama de baixa política. Queremos contribuir para uma melhor imagem da Política e dos políticos.

Acha que este tipo de campanha, a que me refiro, poderá propiciar uma elevada abstenção no dia 20 de Fevereiro?
Penso que os eleitores não perdoarão e castigarão no próximo dia 20 de Fevereiro todos aqueles que entrarem nesse tipo de campanha. Espero, sinceramente, que os portugueses que pensam abster-se possam ter acesso à nossa campanha e ganhar a consciência do que estamos a procurar transmitir: uma campanha sem ataques pessoais, com apresentação de proposta viáveis e de uma equipa de Governo. Digo “possam”, porque espero sinceramente que os meios de comunicação social comecem a dar cobertura igual a todos os partidos e antena a todas as propostas eleitorais. Para que os portugueses não sejam discriminados entre os que têm TV Cabo e, por isso, podem assistir a debates e a programas interessantes, e os outros, os que só têm direito a uma programação que muitas vezes nivela por baixo e restringe o livre acesso ao debate de ideias.

Se das próximas eleições não resultar para o País um Governo estável, crê que a decisão do Presidente da República de dissolver o Parlamento cai pela base?
Naturalmente. A dissolução da Assembleia da República foi um acto falhado, tendo em conta que existia no Parlamento uma clara maioria parlamentar sufragada pelos portugueses. Mas, repito, o CDS não é um partido do bota-abaixo, é um partido de Governo que acredita na estabilidade e que tudo fará para que a estabilidade seja possível em Portugal. As legislaturas são para se cumprir.

Julga que, apesar da desilusão que há entre os portugueses, que os três anos de Governo do CDS/PP com o PSD foram uma boa experiência?Julgo que tiveram muitos aspectos positivos, nomeadamente no que diz respeito a reformas essenciais. Mas compreendo e aceito a desilusão dos portugueses. A legislatura não se cumpriu, Portugal e o Mundo viveram nestes últimos três anos uma grave crise económica. Mas, ninguém se pode esquecer: o Governo em que o CDS participou, dando o melhor de si mesmo, cumprindo os compromissos que assumiu perante os portugueses, herdou uma situação de descalabro orçamental e uma crise económica e financeira deixada pelo Partido Socialista. Uma situação que, pela primeira vez na história da integração europeia, levou Portugal a ser punido pela Comissão Europeia. Dadas as circunstâncias, compreendo a desilusão, mas não deixarei de procurar lembrar também a marca muito positiva do CDS ao longo dos últimos três anos e as nossas propostas para os próximos quatro.

Campanha de boatos e cartazes está a ser demolidora para socialistas

Um cartaz cor-de-rosa com as figuras sinistras do guterrismo, que querem voltar à ribalta política com Sócrates e o PS depois de 20 de Fevereiro, é o último cartaz da JSD, lembrando aos portugueses em quem não devem votar. A campanha do PSD pode chocar as elites e não ser do agrado dos media

Um cartaz cor-de-rosa com as figuras sinistras do guterrismo, que querem voltar à ribalta política com Sócrates e o PS depois de 20 de Fevereiro, é o último cartaz da JSD, lembrando aos portugueses em quem não devem votar. A campanha do PSD pode chocar as elites e não ser do agrado dos media. Mas é de uma eficácia extraordinária: desde a vitimização de Santana Lopes ao ataque ao carácter oportunista e incompetente do guterrismo e à orientação sexual dos candidatos, tudo está a postos para inverter a tendência e deixar tudo na mesma: o PSD tem tudo para se manter no poder. E, no final, os estrategas da campanha de Santana Lopes não têm dúvidas: as elites, que são sempre “as mais chocadas” e as últimas a mudarem, vão apoiar o PSD, dizem os autores da campanha. Simplesmente porque não querem Sócrates e a família guterrista com o apoio desnecessário de Freitas do Amaral no governo de Portugal. O desespero socialista está patente nas palavras de Jorge Coelho e no posicionamento de António Vitorino para suceder a Sócrates no PS.

A partir do comício de Braga, a onda de boatos fez o seu percurso e acabou por condicionar o discurso político antes do arranque da campanha eleitoral para as legislativas de 20 de Fevereiro. Nas elites políticas, a crítica foi unânime à baixeza dos boatos. Mas no IC 19 e nas baixas classes médias, a vida privada e o carácter dos candidatos está a fazer o seu percurso, de um modo eficaz politicamente e demolidor para a confiança dos políticos. E, nessas circunstâncias, o PSD acaba por sair vencedor, mesmo que não esteja em causa o programa político, nem sequer a composição do próximo Governo.
Nos bastidores do PSD, Santana Lopes não tinha que fazer nada: depois dos “colos”, veladas insinuações dos apoiantes de Braga, Santana Lopes caiu doente e deveria aparecer apenas na noite de ontem, no debate entre os dois candidatos a primeiro-ministro, afirmando que, do lado dele, jamais houve insinuações sobre a vida privada ou os negócios do candidato socialista, e que, bem pelo contrário, o achava nas mesmas condições que ele, Santana, aliás, também divorciado e pai de filhos.
Teria sido uma estratégia demolidora para o líder socialista, conforme pensam os estrategas do PSD apoiados pela escola brasileira. Santana Lopes perde as elites e perde mesmo credibilidade nos meios económicos mais importantes. Mas essas elites nunca elegeram nenhum Governo e nunca fizeram nenhum resultado eleitoral. Esses têm efeito, quando muito, nas votações de Paulo Portas, basicamente com apoios em alguns grupos de interesses e, sobretudo, na gente humilde das feiras, que normalmente não é sensível à orientação sexual dos dirigentes.
Já o mesmo não se passa nas classes médias suburbanas, e que estão na cidade em primeira geração, para quem a homofobia está presente na educação e que rejeita comportamentos liberais e costumes demasiado abertos. É esse eleitorado suburbano que vai decidir as próximas eleições e que, em última análise, vai dizer se tudo continua na mesma, com o PSD a ser o partido mais votado e a maioria parlamentar a ser de direita.
Ao contrário do que a contra-informação dos media, globalmente ao serviço da estratégia do PS, vai fazendo passar, o PSD de Santana Lopes vem de 32% dos votos obtidos por Durão Barroso, nas eleições europeias e de uma vitória tangencial em 2002, que só foi possível porque a campanha eleitoral terminou. A base eleitoral de Barroso estava a desfazer-se diariamente, depois de no início Barroso aparecer nas sondagens com maioria absoluta.

O exemplo de Barroso

Para os estrategas do PSD, José Sócrates está aparecer demasiado como um candidato alternativo, sem consistência e sobretudo sem conteúdo. O PSD tem tido a habilidade de reduzir o debate a “fait divers”, que vão evitando a discussão do passado, situação que o PS acaba por não conseguir contornar: desde o debate nas televisões, em que Sócrates acabou por impor um formato, em que os outros partidos praticamente não passam em canais generalistas (os debates, até ontem, ocorreram em sinal fechado, distribuído pela TV Cabo, na SIC Notícias), o que acaba por facilitar a bipolarização. Por outro lado, depois da marcação dos debates ter anulado o efeito dos programas eleitorais, o debate à volta dos “colos do outro candidato” acabou por dominar as conversas e sobretudo as entrevistas aos líderes dos políticos e a opinião publicada.
Esta semana, na entrevista a Sócrates na RTP e na entrevista a Paulo Portas na TSF, parte significativa do tempo de antena foi gasto a discutir a legitimidade da crítica à vida privada, às insinuações e aos boatos maldosos, como armas políticas nesta campanha eleitoral.
Ora enquanto se discute essas matérias, obviamente acaba por se acentuar os efeitos mais perversos do boato, da difamação ou da simples informação privada, acabando por ter um efeito não desejado por parte da candidatura de José Sócrates.
Para Paulo Portas o universo da política trata da vida pública e não da vida privada, lembrando a expressão de Maria José Nogueira Pinto, que a política não deve espreitar pelo buraco das fechaduras. Essa reserva do CDS/PP leva o partido da direita a defender uma campanha pela positiva, anunciando medidas e temas políticos, e evitando entrar no debate, que anima os grandes partidos. É uma estratégia inteligente para o seu eleitorado, pois Paulo Portas sabendo que o seu partido só entra nas classes altas e nas muito baixas, sabe que o discurso da vida privada não pega no seu eleitorado e aí ele tem apenas que se concentrar em manter a mobilização. Com a abstenção a subir, isso é quanto basta para o PP manter os seus oito por cento ou conseguir mesmo subir até aos dez por cento. Daí que a marcação do PP ao PCP será uma estratégia inteligente e Portas nem tenha perdido tempo com o ataque de Francisco Louçã a propósito da falta de legitimidade para Portas falar sobre a vida e o aborto, ele que nunca teve filhos e por isso não conhece o “sorriso de uma criança”.
A partir de Louçã estavam abertas as portas para os “boatos e insinuações” que iriam enlamear a campanha e o líder socialista, o que acabou por condicionar todo o debate da última semana.

O regresso dos temas económicos e programáticos

Santana Lopes decidiu afastar-se e depois, quando confrontado com as insinuações, desmentiu totalmente o envolvimento do PSD e dele próprio em tal baixeza. Sócrates e o PS estavam então a vitimizar-se de um problema que só os próprios tinham criado e decidido ampliá-lo, exactamente numa estratégia de “demages control”. Mas o tacticismo está a demonstrar-se desastroso para o PS nas classes médias, embora continuasse a limitar o crescimento do PSD e da credibilidade de Santana Lopes nas elites e nas classes altas.
Santana Lopes está particularmente preparado em matérias económicas e de finanças públicas. Tem os números todos na cabeça e acompanhou a elaboração do último Orçamento do Estado, o que lhe dá uma vantagem relativa para debates com o candidato socialista. Só que a sua credibilidade ficou bastante afectada com as “trapalhadas” do Governo e sobretudo com a pouca qualidade do Executivo. A própria decisão de cortar com o barrosismo, por exemplo, esta semana no dossier Galp, foi penosa para o PSD. E como Santana Lopes não teve coragem de deixar de fora os barrosistas que o traíram e permitiu a desordem que se instalou à sua volta, a sua imagem de líder político acabou por sair bastante chamuscada.
Mas o primeiro-ministro não desistiu por isso de marcar pontos nas elites, em particular nas elites económicas, contando neste particular com a ajuda de António Mexia e de alguns líderes de opinião. Esteve esta semana no American Club a falar a empresários e jornalistas sobre política económica, um discurso que interessa à minoria que Santana Lopes quer cativar, mas que o PSD sabe que é irrelevante para os resultados de 20 de Fevereiro.
Sócrates pode levar aí vantagem, mas apenas até ao confronto dos números. É exactamente com isso que Santana Lopes pode jogar. O debate de ontem evidenciou um primeiro-ministro solto e à vontade em matéria económica, muito realista e a prometer aquilo que as classes médias querem ouvir: baixa de impostos e combate ao desemprego. Tudo no âmbito de contas públicas sãs, sem as quais não há desenvolvimento económico sustentável.
O discurso começa a passar, mas sobretudo o PSD não tem ilusões: as elites podem não ser importantes nesta votação, mas vão ser importantes para relançar a economia do País e por isso o primeiro-ministro tem que começar já a olhar para a governação que se segue.
Neste momento o que interessa é que o PS continua, a cerca de duas semanas, à defesa. As insinuações sobre a vida privada de Sócrates acabam por fazer o seu caminho, por infames que sejam, e por ter resultados nas classes médias e médias baixas. Para as elites tudo mudará, logo que comece a haver a percepção que o PS não tem condições para ganhar as eleições e que tudo poderá continuar na mesma. Nestas circunstâncias, o discurso económico, e pela positiva, de Santana Lopes dá o pretexto para as elites oportunisticamente mudarem de campo, como tinham começado a fazer contra Barroso e a favor de Ferro, nas eleições de 2002.

Socialistas preocupados

O desespero começa a tomar conta do lado socialista. O primeiro sinal foi dado pelo próprio líder da campanha socialista, Jorge Coelho, ao gritar contra as “porcarias” que estão a surgir na campanha: “porcarias, porcarias!”; depois foi a vez de Manuel Carrilho anunciar os seus alegados apoios para uma eventual candidatura à Câmara de Lisboa. Carrilho aparece com mais independentes e gente de maior qualidade que as “Novas Fronteiras”, num posicionamento para uma eventual candidatura à liderança do PS, caso as coisas corram mal.
Mas o maior sinal veio mesmo do insuspeito António Vitorino admitindo poder ser candidato a líder do PS, em entrevista ao “Público” e à Renascença.
O antigo comissário percebe que a campanha do PSD pode ser miserável, mas que surte o efeito desejado. Os portugueses podem não quer votar no PSD, mas o que não querem seguramente é Sócrates como primeiro-ministro. O PS, que tinha a oportunidade de voltar agora ao poder, acaba por ser penalizado pelo candidato a primeiro-ministro. Como reserva está António Vitorino: ele sempre disso que, para voltar, tinha primeiro que estar resolvido o problema Sócrates e Jorge Coelho. Parece que estará mais cedo do que todos esperavam…, deixando Sampaio com um problema de consciência difícil: o que fará o Presidente depois de 20 de Fevereiro?