2025/11/19

Alegre alerta que “República e a democracia não têm donos”

Sem nunca dizer que desiste de ser candidato a Belém, Manuel Alegre sai desse palco, mas está disponível para que “a expectativa de alternativa e de esperança” seja projectada “para outros combates”. Pela simples razão, como disse, esta semana, em Viseu, de que “às vezes pode acontecer o inesperado”. No seu discurso acusou de “autismo” os partidos e disse estar “presente” para “não deixar morrer um espaço de liberdade, de espírito crítico e de re-invenção da vida política”.

Manuel Alegre retirou-se do palco da corrida a Belém, nunca usando a frase feita de “não sou candidato”, mas uma outra, mais subtil, de “nas presentes circunstâncias, fico onde estou”. Se o fez por querer ser “legalista” esperando o que a Comissão Nacional do PS vai decidir no domingo sobre a matéria, como mandam os estatutos, também não deixou transpirar se essa era “a sua razão”. Se sai de vez ou se volta, neste ou noutro cenário e/ou palco, quando colocou a reserva de “às vezes pode acontecer o inesperado”, também só ele o sabe.
Por isso, o discurso de Manuel Alegre teve tantas “leituras” dos vários analistas e provocou, logo de seguida, e em cascata, tantas perguntas para uma resposta “concreta” pedida pelos jornalistas presentes. O futuro o dirá, apesar de Maria de Belém Roseira, a seu lado na mesa de Viseu, ter dito a um interrogador o seguinte: “Ele não é candidato. Só não percebeu isso quem tem problemas de literacia”. E, como sua apoiante, ela preferiu chamar a atenção paras as palavras do seu camarada, que alertam para uma crise de auto-estima generalizada.
O deputado-poeta (como amigavelmente todos lhe chamam) discursou à sua maneira, digno das “tradições literárias” que todos lhe reconhecem. Um discurso “bom” e “generoso”. Quis explicar a razão da “disponibilidade” para ser um pré-candidato: “Por imperativo cívico e para mostrar que não havia nenhum vazio à esquerda”. Apesar de ter dito que o seu avanço criou “uma expectativa de alternativa e de esperança”, ficou por explicar o capítulo seguinte, quando acrescentou que esse capital “é preciso projectar para outros combates”, pois “a vida não pára aqui” ou porque “às vezes pode acontecer o inesperado”.
Um discurso pautado por críticas aos aparelhos partidários, por exemplo, quando criticou “um apoio prévio da direcção socialista”, antes de o assunto ter sido discutido nos órgãos próprios do partido. E também quando disse que “há mais vida para além do aparelho”, numa clara referência à frase de Jorge Sampaio, que Alegre fez questão de elogiar na sua intervenção.
Fica, assim, mais que justificada esta passagem do seu discurso: “Não sou responsável pela decisão da direcção do PS. Não fui eu que dividi. Não serei pelos seus resultados. Mas também não quero ser responsável pela divisão da Esquerda”.
Mas também um discurso em que meteu um “programa político” de uma eventual cadeira presidencial, quando apontou a existência de “uma crise do Estado, que, se não for atalhada poderá transformar-se em crise da própria República”.
Não disse, preto no branco, que desistia da sua candidatura. Fê-lo, todavia, nas entrelinhas e de forma subtil e poética (como é seu timbre). E, de forma clara e inequívoca acrescentou mais um motivo: “Não sou responsável pela decisão pré-anunciada da direcção do PS. Não serei responsável pelos seus resultados. Mas também não quero ser responsável pela divisão da esquerda”. Aliás, quanto a este último ítem, já depois do seu discurso, e em conversa com um jornalista, Alegre descaiu-se aludindo a um hipotético “compromisso de toda a esquerda” num apoio a Soares, que só o PCP se apressou a desmentir.
Mais acutilante explicou por que motivo discorda do processo do apoio da direcção do PS à recandidatura de Soares, numa alusão crítica a José Sócrates: “o processo não foi claro”. E, além disso, somou o seu parecer: “não está conforme com os critérios republicanos de renovação política”. Aliás, indagado sobre se apoiaria ou não Soares, o vice-presidente da Assembleia da República, invocou a “renovação” uma “mudança” e por uma razão pessoal: “porque sou republicano”.
Contudo, Alegre quis deixar uma nota de esperança e, quiçá, o lamiré para uma oposição interna, quando frisou que “a vida não pára aqui” e quando, perante os portugueses que “querem alternativa, querem frontalidade e querem mudança”, explicitou: “É por isso que aqui estou. Para não deixar morrer um espaço de liberdade, de espírito crítico e de re-invenção da vida política”.
Não se esqueceu de lançar algumas farpas a Cavaco Silva – “traz consigo o risco de uma subversão do equilíbrio de poderes e do nosso regime semi-presidencialista” -, mas, também, disparou, provavelmente, sobre todos os partidos. As seguintes frases têm a sua assinatura: “O país político-partidário sofre de autismo”, (…) “os aparelhos estão mais preocupados em preservar os seus feudos do que em abrir-se aos cidadãos, à sociedade e à vida” e ” Portugal não é um projecto contabilístico, nem pode reduzir-se ao mero deleite do jogo político”.
Será que estará aqui o segredo da sua futura intervenção “projectando para outros combates” a sua vontade porque “há muita gente que poderá não se sentir mobilizada, nem representada e esse é o pior dos vazios”?

“Soares é outra onda”

Foi a título pessoal, e também na qualidade de amigo e apoiante de Mário Soares, que Vítor Ramalho, uma das primeiras pessoas a apoiar publicamente a candidatura de Soares à presidência, deu a entrevista ao SEMANÁRIO.
Segundo o deputado, as esquerdas terão de chegar a um momento e unir-se para derrotar a candidatura de Cavaco Silva. E apresenta os motivos de uma terceira candidatura de Soares, na actual circunstância.

Em que momento percebeu que Mário Soares queria avançar com uma candidatura presidencial?
Apercebi-me que ele ia ponderar a possibilidade de se candidatar no final de Julho deste ano.

No seu entender, o que conduziu Mário Soares a assumir essa posição, sobretudo depois de ter dito “basta” e “nem no limite” seria candidato. Não é contraditório?Não. Hoje o mundo corre vertiginosamente. De 7 de Dezembro de 2004, quando ele fez 80 anos, até hoje, as alterações no mundo foram brutais. O preço do petróleo mais do que duplicou. O Irão tem uma direcção política neoconservadora em absoluto, facto inesperado. A situação no Iraque é a que é. Houve os atentados em Londres. E a conjuntura interna também é outra. Em 7 de Dezembro (2004) o Governo estava demitido, era um Governo de gestão. Houve eleições no início deste ano e tudo se alterou.

Mas em Fevereiro a eleição já tinha sido realizado e Mário Soares continuou a dizer que apoiaria uma candidatura de Manuel Alegre se ela surgisse.A meu ver bem. Mário Soares teve sempre uma precisão relativamente ao seu amigo Manuel Alegre. Disse que, se ele se candidatasse, ele o apoiaria, isso referiu claramente. Contando, como é óbvio, que tivesse o apoio do partido. Se reler todas as declarações do dr. Mário Soares é nesse sentido. Infelizmente, para Manuel Alegre, o segundo pressuposto não se deu. Mas mesmo do ponto de vista das candidaturas, o que se passou, é que se criou uma vazio à esquerda relativamente aos potenciais candidatos.

No seu entender a candidatura de Manuel Alegre não preenchia esse vazio?
Não preencheu por que o PS não o apoiou.

Foi uma questão de apoio do partido e não do avanço de uma candidatura a título pessoal?
Exactamente. O dr. Mário Soares sempre deixou claro, e aqui não há contradição nenhuma, que apoiaria Manuel Alegre. E acrescentou sempre, a indispensabilidade do partido apoiá-lo. A partir do momento em que o partido não o apoiou, e solicitou a ponderação de Mário Soares, em função deste quadro, no meu juízo, a gravíssima situação que o mundo hoje atravessa e a gravíssima situação que o País tem, tudo está interligado, isto não é indiferente a um homem da estatura de Mário Soares.

Como caracteriza a candidatura de Mário Soares?
Soares é outra onda.

Em certos momentos, na intervenção do anúncio da candidatura, Mário Soares teceu algumas críticas ao Governo de José Sócrates. Interpreta isso como válido?
Mário Soares parte de um pressuposto completamente correcto. Ele é um candidato acima dos partidos, mas apoiado pelo seu partido. Isto, do ponto de vista dos conceitos políticos, é uma diferença abismal. Enquanto um candidato proposto por um partido é um candidato de partido, um candidato apoiado por um partido, ainda que seja o partido que ele fundou, tem uma direcção política completamente diferente…

Está a criticar a candidatura de Jerónimo de Sousa?… isto quer dizer, Mário Soares pretende, como aliás o demonstrou na vida, quando foi Presidente da República, é um candidato acima dos partidos, um candidato nacional. As candidaturas de Jerónimo de Sousa, e do próprio BE, são legítimas, no sentido da participação dos partidos na vida política. Mas, o povo português sabe bem que não são candidaturas que levarão, ou que poderão levar, qualquer dos seleccionados pelos partidos à vitória.

Pensa que a candidatura de Jerónimo de Sousa, e a possível candidatura de Francisco Louçã, são para levar até ao fim, são para desistir ou são um obstáculo, na área da esquerda, à candidatura de Mário Soares?
Não me imiscuo na vida dos partidos e respeito profundamente as opções dos partidos. Mas há um pressuposto, em qualquer delas, que eu registo. As duas candidaturas são também para derrotar a direita. E, a análise que os partidos fazem, no meu entendimento, é que vai haver um momento em que a conjugação de esforços terá inexoravelmente de ocorrer. E é salutar que ocorra.

Nesse sentido, não considera que uma única candidatura (da esquerda) é, apenas, uma candidatura contra Cavaco Silva?
Não considero isso, porque os dois partidos em causa têm negado politicamente essa ideia. E têm-no feito de forma reiterada. Uma questão é os partidos apresentarem agora o seu candidato, outra é o que está subjacente ao sentido de marcha política do objectivo final, que é derrotar a direita. Nesse sentido, parece-me óbvio que, independentemente dos dois candidatos, tudo se conjugará, numa determinada altura, para que de facto a direita seja derrotada com o apoio dos militantes desses dois partidos.

Portanto, considera possível uma candidatura de esquerda, de Mário Soares, derrotar a de direita, ou seja, Cavaco Silva?
Não só considero possível, como considero desejável. Esta questão não é uma questão de homens. Refiro muitas vezes que tenho consideração pessoal, e muito grande, pelo Professor (Cavaco Silva). Ele é um homem sério, honesto e de rigor. Mas, neste momento, na situação do mundo, face à globalização e ao que aí vem, o que interessa é que as ideias políticas sejam defendidas e suportadas, em termos de projecto, por um homem que conheça o mundo, que tenha uma visão global do mundo. Que veja para além dos mecanismos instrumentais que são a economia e as finanças. Sinceramente, nesse domínio, nunca vi o Professor Cavaco Silva ter uma sustentabilidade visível.

Mas pensa que ele não tem essa visão?
Penso que tem uma visão do mundo muito mais redutora do que a do dr. Mário Soares. E dou exemplos. Enquanto o dr. Mário Soares, nos últimos anos, escreveu, depois de sair da presidência, sete ou oito livros, que estão aí a demonstrar o que ele pensa sobre o mundo, sobre Portugal e diversos assuntos, o Professor Cavaco Silva fez dois livros de memórias, escreveu sobre economia e finanças e ficou-se por aí. Naturalmente, um ou outro artigo que é escrito não reflecte uma densidade de pensamento da visão global que tem o dr. Mário Soares. Isto é uma marca muito distintiva.

Cavaco Silva vai dar sinais que já tem decisão tomada

Ao contrário do que alguns “apóstolos” da candidatura de Mário Soares insinuam não há qualquer “estado de choque” no círculo próximo de Cavaco Silva, perante a quase certa candidatura presidencial do principal fundador do PS. “Nada fez arrefecer o ânimo do antigo primeiro-ministro”, segundo disse ao SEMANÁRIO uma personalidade que tem acompanhado a preparação da candidatura presidencial de Cavaco Silva.

“Evidentemente – acrescenta a mesma fonte – Mário Soares obriga ao reforço estratégico das linhas de candidatura, mas em nada diminui a vontade de servir os portugueses na Presidência da República, que anima Cavaco Silva. Mesmo sem Mário Soares, na corrida, Cavaco Silva sabe que tem de se submeter ao juízo dos cidadãos portugueses, que deve ser estruturada uma campanha eleitoral e que deve haver confronto democrático, esclarecedor e rigoroso. Para que os portugueses possam escolher em absoluta liberdade de consciência.”
A nossa fonte acrescentou que Cavaco Silva não vai alterar o seu calendário, ou seja, só assumirá formalmente a sua candidatura presidencial depois da realização das eleições autárquicas. Contudo, não estão excluídos sinais concretos de que a sua decisão está tomada. Tais indicações surgirão logo após Mário Soares revelar a sua disponibilidade para assumir mais um mandato presidencial, depois de um interregno de dez anos. O modo e a forma de tornar públicos esses sinais estarão a ser estudados neste momento pelo circulo restrito que vem apoiando Cavaco Silva. Provavelmente, numa declaração aos jornalistas, por ocasião de uma das várias intervenções públicas que estão previstas durante o mês de Setembro.
Os dois candidatos têm uma larga experiência de coabitação institucional. Enquanto primeiro-ministro nos primeiros tempos da democracia portuguesa, são conhecidas as relações muito difíceis e muito crispadas entre Mário Soares e Ramalho Eanes, que afectou durante muitos anos o relacionamento pessoal entre ambos e que só foi atenuado há quatro anos, quando Eanes resolveu apoiar a candidatura à Câmara de Lisboa de João Soares, nas eleições em que, aliás, foi eleito Pedro Santana Lopes. Por sua vez, já na qualidade de Presidente da República, Mário Soares coabitou durante dez anos consecutivos com Cavaco Silva.
Um confronto eleitoral entre Mário Soares e Cavaco Silva tem vários aliciantes políticos, mas o SEMANÁRIO julga saber que Cavaco Silva não entrará pelo caminho de um certo ajuste de contas, “embora não hesite em repor a verdade se Mário Soares entrar nesses terrenos dos dez anos de coabitação. O ex-Presidente que não esqueça dos seus telhados de vidro nessa matéria. Basta ter lido os escritos já publicados por Cavaco Silva sobre esse período. Seguramente, o que interessa aos portugueses não é qualquer ajuste de contas entre ambos, mas o futuro de Portugal e o modo como cada um dos candidatos vê o futuro, durante o período de cinco anos em que se propõem estar em Belém, na suprema magistratura do País”.
Estas confidências da aludida fonte não esbatem a importância do debate que terá ser efectuado sobre as relações entre o Governo do PS, liderado por José Sócrates, que dispõe de uma maioria absoluta e o futuro Presidente da República.
O debate não será inútil, mas Mário Soares pode ficar em desvantagem, até pela forma de intervenção política que tem assumido ao longo da sua carreira política, incluindo, ou sobretudo, durante os dez anos em que esteve em Belém. Logo nos primeiros meses – ainda no tempo do Governo de minoria de Cavaco Silva -, Mário Soares tudo fez para corroer a liderança de Vítor Constâncio no Partido Socialista, de tal modo que o hoje governador do Banco de Portugal breve deixaria o cargo de secretário-geral do PS, com graves acusações ao então Presidente da República. Durante a segunda maioria absoluta de Cavaco Silva, a partir do Palácio de Belém, Mário Soares tudo fez para minar a acção do Governo, desde algumas actuações concretas às ameaças que durante largo tempo pairaram na comunicação social de que poderia dissolver o parlamento.
Alguns analistas têm procurado especular o tipo de relações de coabitação que o Governo de José Sócrates terá com Cavaco Silva, na perspectiva da eleição deste para Belém. Alguns vão mesmo muito longe ao prever uma crispação absoluta entre Sócrates e Cavaco Silva, em contraponto com uma “lua-de-mel” permanente, na eventualidade de ser Mário Soares o próximo inquilino de Belém.
As especulações são o que são, permito–me porém dizer apenas que, em matéria de coabitação institucional, Cavaco Silva tem uma experiência única que muito lhe servirá, não para criar dificuldades políticas ao Governo, mas para exercer uma magistratura de influência positiva na acção do Governo que possa ser útil e benéfica aos portugueses. Seria muito grave, que alguém pensasse que, no papel de Presidente da República, Cavaco Silva pratique uma espécie de “vendetta” contra o Governo, só porque ele, enquanto primeiro-ministro foi contrariado vezes sem conta pelo Presidente da República… Mário Soares.
Ou seja, Cavaco Silva aprendeu, por experiência própria, por vezes dura, o que devem ser as relações entre o Presidente da República e o primeiro-ministro e o respeito institucional, pelas competências próprias de cada órgão de soberania.
Recorrendo à mesma fonte, próxima de Cavaco Silva, com este em Belém “a Presidência da República não será, seguramente, uma central de intriga política, alimentada artificialmente na comunicação social, contra o Governo. E isso aconteceu muitas vezes com Mário Soares, sobretudo a partir do segundo mandato”.|PC

Tensão em Lisboa, incerteza em Sintra e dúvidas em Oeiras e Gondomar

Está instalada uma guerra surda nas estruturas do PSD de Lisboa, que pode ter efeitos perversos na campanha eleitoral que se avizinha, com consequentes resultados negativos no resultado final. A exclusão das listas de algumas figuras sonantes do PSD, como Pedro Pinto ou Helena Lopes da Costa, o número dois da lista de Carmona Rodrigues é referenciado como “salta-pocinhas” (já foi candidato pelo CDS/PP e pelo PS), as relações com o Partido da Nova Democracia e o apoio de Marques Mendes, acusado de fomentar um espírito de facção, são os ingredientes de uma situação que está a causar apreensões nos meios social-democratas.

As questões políticas que envolveram a candidatura de Carmona Rodrigues ainda não estão totalmente dissolvidas. Alguns criticam a ausência de coligação com o CDS/PP, argumentando que o actual CDS/PP de Ribeiro e Castro, não é o mesmo que foi liderado por Paulo Portas. Há dirigentes social-democratas que insinuam que Marques Mendes deu liberdade excessiva a Carmona Rodrigues, “até porque, num primeiro momento, o novo líder do PSD era adepto dessa coligação, mas alguns complexos de esquerda de personalidades próximas do candidato à câmara de Lisboa, inviabilizaram o acordo entre os dois partidos”, como referiu ao SEMANÁRIO fonte conhecedora de todo o processo. “Acresce que a Dra. Maria José Nogueira Pinto é uma adversária temível e pode beneficiar dos votos dos descontentes do PSD e ter uma votação suficiente para impedir a eleição de Carmona Rodrigues” – uma opinião de um antigo membro da Comissão Política do PSD.
Questão política é também a composição das listas, que criou indisfarçáveis tensões políticas nas estruturas dirigentes do PSD de Lisboa. Se é certo que Moreira Marques foi à última da hora excluído das listas, verdade é que Gabriela Seara não é bem aceite e que não há, por assim dizer, “nenhum peso pesado do PSD nas listas do PSD de Lisboa, o que é absolutamente bizarro”, outra crítica oriunda de uma fonte parlamentar. O ónus desta situação poderá acabar por cair em cima de Marques Mendes, que tem sido muito criticado por algum isolamento que adopta em relação a personalidades do partido que o não apoiaram no Congresso em que foi eleito para a liderança do partido.
“Um grande partido tem de contar com toda a gente e ninguém pode ser marginalizado de dar o seu contributo para as vitórias do partido. Aliás, Marques Mendes é um exemplo, Barroso chamou-o para o Governo, os exemplos de Cavaco Silva são elucidativos, chamou para seus colaboradores próximos dirigentes que, nas lutas pelo poder interno, não alinharam com eles e até lhe chamaram fascista. Ora, nestes primeiros tempos, é certo que Marques Mendes tem ido a todo o lado, está presente nos eventos mais significativos do partido, mas ainda não fez a abertura indispensável e até, em muitos casos, quase se tem comportado como líder de facção, o que é terrível para o seu futuro, se não arrepiar caminho” – afirmações referidas ao SEMANÁRIO por um dirigente que já desempenhou vários cargos relevantes no Governo e no partido.
Noutro âmbito há ainda quem critique alguma passividade com que a pré-campanha eleitoral tem decorrido em Lisboa. “Carmona não sabe trabalhar à pressão, há indicadores de opinião que o dão em baixa, quando começou por ter uma enorme distância em relação ao PS, parece que está tudo a dormir” – desabafo truculento e irritado de um dirigente próximo da distrital de Lisboa, a quem não agradou a evolução deste processo. Como não agradou a aproximação tentada à candidatura do PSD do PND de Manuel Monteiro, bem como as notícias de que não haveria militantes desse partido, mas que, em contrapartida, Carmona Rodrigues reservaria lugares para militantes desse partido. E alguns estranham o silêncio do candidato…
Para alguns círculos do PSD, é inquestionável que a vitória dos social-democratas nas eleições locais parece garantida. “Mas se perdermos Lisboa é como se fossemos derrotados”… eis outra frase elucidativa de uma das fontes já citadas, que acrescentou: “Seria a suprema vingança de Pedro Santana Lopes e dos vereadores agora afastados por Carmona Rodrigues.”

Campainha de alarme em Sintra

Outro local emblemático das eleições autárquicas é Sintra, onde há quatro anos, com surpresa geral, Edite Estrela foi vencida por Fernando Seara, determinando o fim da governação socialista e o início de um mandato social-democrata.
Ao longo dos últimos quatro anos, Fernando Seara criou uma imagem de proximidade com os cidadãos do concelho, a ideia colhida pelo SEMANÁRIO (já referida em edições anteriores) é de que o Presidente cessante “não fez grande obra, mas o que fez foi bem feito e criou a tal imagem de simpatia junto das populações”.
No entanto, o PS investiu em Sintra “verdadeira artilharia pesada”, candidatando João Soares à Câmara e Jorge Coelho à Assembleia Municipal. De acordo com múltiplas fontes locais, há muito tempo que os socialistas estão numa fase de pré-campanha e João Soares, certamente lembrado da displicência com que fez campanha em Lisboa, quando foi desalojado por Santana Lopes, desta vez tem “trabalhado que nem um mouro” (expressão utilizada por uma dessas fontes locais) numa campanha diária de muitas horas, quase porta a porta. Esta intensidade com que os socialistas estão a agir em Sintra parece contrastar com algum alheamento detectado na candidatura de Fernando Seara, o que também está a causar alguma apreensão nas hostes laranja. Além disso, alguns inquéritos de opinião traduzem uma subida do PS, de tal modo que se acredita que em Sintra pode ocorrer uma das votações mais renhidas na área Metropolitana de Lisboa.

Oeiras, Gondomar e Porto

Isaltino Morais suspendeu a sua filiação no PSD, horas antes de anunciar a sua candidatura à presidência da Câmara de Oeiras, como independente. Desse modo, ladeou, de modo politicamente engenhoso, a questão das sanções disciplinares do partido de que, seguramente, seria alvo, incorrendo até na pena de expulsão.
Além disso, criou algumas dificuldades à direcção política do PSD, uma vez que, na suas listas, para a Câmara, para Assembleia Municipal, para as juntas e assembleias de freguesia figuram 286 militantes (o número foi indicado por uma fonte próxima de Isaltino) do PSD e não parece haver meios expeditos para instaurar um número tão elevado de processos disciplinares.
Oeiras é um daqueles concelhos, tal como Gondomar, em que os candidatos, por sinal figuras relevantes do PSD, até agora, têm a capacidade de falar directamente com os cidadãos eleitores, sem quaisquer intermediações da máquina partidária. Isaltino Morais e Valentim Loureiro têm peso político próprio, além de que podem apresentar às escâncaras obra feita durante os mandatos que exerceram no lugar onde agora, noutras condições políticas, querem ser outra vez eleitos.
De acordo com as leituras que o SEMANÁRIO recolheu junto de vários meios locais, nos referidos concelhos, Valentim Loureiro, que hoje apresenta a sua lista, deverá ser reeleito presidente da Câmara de Gondomar. Já em Oeiras, as opiniões são mais díspares. É claro que Isaltino, ele próprio, está convencido da sua vitória, “mas as coisas estão muito empatadas com Teresa Zambujo, já que o PS não entra nestas contas, tão irrelevante que é a sua candidatura” (as fontes são social-democratas). De um modo geral, podemos sintetizar a situação em Oeiras, de acordo com as personalidades contactadas: “Não é fácil medir o efeito que têm nas populações as noticias do eventual envolvimento de Isaltino Morais em situações menos claras do ponto de vista da justiça, que o colocou na situação de arguido. Isaltino tem prestígio e tem obra feita. No entanto, o PSD de Oeiras é uma estrutura forte e, apesar de tudo, Teresa Zambujo tem desempenhado bem as suas funções. É o juízo final dos eleitores que determinará o resultado final. No caso de Oeiras, a expectativa só acaba na fase da contagem dos votos”.
No Porto, havendo uma campanha do PS fortemente dirigida contra Rui Rio e tendo este algumas críticas internas do PSD, por causa do afastamento de Paulo Morais, até agora o seu número dois, na Câmara, a tranquilidade é absoluta: “Rui Rio vai empenhar-se na campanha eleitoral e, quase seguramente, obterá a maioria absoluta.” Veremos se o eleitorado da Invicta ratifica, ou não, estas previsões, de um antigo dirigente social democrata.|PC

“Mário Soares está a ser pressionado e impressionado”

Para o vice-presidente da Assembleia da República e ex-líder da bancada parlamentar do PSD, Guilherme Silva, a saída de Campos e Cunha do Governo representa a perda de credibilidade e assinala que a saída se deve a lógicas “partidárias”. A possível candidatura de Mário Soares é mais um estímulo para Cavaco Silva assumir a candidatura e, como prevê, ganhar a eleição presidencial, como adianta em entrevista ao SEMANÁRIO.

A saída de Campos e Cunha (do Ministério das Finanças) retira credibilidade à política orçamental e financeira do Governo?É óbvio que sim. O prof. Campos e Cunha é um homem com um currículo profissional extremamente relevante, quer em termos académicos, quer em termos de desempenho de funções públicas. Emprestava na área económico-financeira, e em particular nas finanças públicas que tinha a seu cargo, uma credibilidade acrescida. Foi ele que apresentou o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) a Bruxelas e que mereceu a aceitação por parte da Comissão Europeia. É evidente que a pessoa do ministro Campos e Cunha estava associada a esse programa, como garantia para as instituições europeias e para o País, e deixou de existir. Não há insubstituíveis em nada, muito menos em política, mas as circunstâncias em que se dá a sua substituição revelam a prevalência de uma lógica aparelhística e político-partidária sobre o rigor e a exigência que a situação grave das finanças públicas impõe ao País.

O PSD foi bastante crítico das medidas de Campos e Cunha, nomeadamente com o aumento do IVA. E agora sai em defesa do ex-ministro.
São coisas distintas. Nós não concordámos com o aumento do IVA, mas concordámos a 100% com as medidas de contenção da despesa. O que resulta do PEC é que haveria da parte do ministro uma preocupação com a contenção das despesas e uma preocupação, muito selectiva, em matéria de investimentos públicos.

O novo ministro, Teixeira dos Santos, disse que é para continuar a política de contenção e cortes. É um sinal positivo dado pelo ministro?
Se não for só uma afirmação de princípio e tiver uma tradução prática… Essa afirmação é, do nosso ponto de vista, um tanto contraditória pelo apoio que ele expressou à Ota e ao TGV.

No caso do TGV, o Governo de Durão Barroso já tinha firmado com Espanha, na cimeira da Figueira da Foz, a linha Lisboa-Madrid.
É verdade. Nem nós propomos que haja um abandono do projecto do TGV.

O que propõem?
Nós chamamos a atenção para a necessidade de, num momento de dificuldades, em termos de consolidação orçamental e saneamento das finanças públicas, saber fazer as opções certas em termos de investimento público. Não pomos em causa as eventuais virtualidades do TGV. Mas tem de ser assumido noutro momento que não este. É preciso ter uma política económico-financeira global coerente… O grande problema com que se depara este Governo é que criticaram durante três anos a política da dra. Manuela Ferreira Leite e do dr. Durão Barroso. O Presidente da República também fez coro com essa oposição, quando veio à Assembleia da República dizer que havia “mais vida para além do défice”. Afinal as medidas que se tomaram e que mereceram sempre a reprovação do PS só pecaram por defeito. Dever–se-ia ter ido mais longe. Devia-se ter sido mais exigente. Mais restritivo. E, porventura, agora, não seria necessário ter medidas tão drásticas como aquelas que vão ser necessárias tomar. O PS vendeu sempre a tese de que era possível a consolidação orçamental e contenção das despesas com medidas de “estímulo” à economia. Chamando ao motor desse “estímulo” investimento público. O PS está amarrado a esta tese e quer, a todo o custo, provar que tem razão e é possível.

Concorda com a tese apresentada por 13 economistas que questionam a qualidade do investimento público?
Sim. Há uma ilusão no imediato. Sabemos que projectos como a Ota e o TGV vão criar empregos no imediato, mas numa altura que se precisa de conter a sangria financeira não é esta a opção certa. Eventualmente poderia ser se tivesse um retorno económico. E, aqui, os economistas são unânimes, isso não acontece. Pior. Não há estudos suficientemente aprofundados para justificar estes investimentos.

Com a possível candidatura presidencial de Mário Soares, é possível que Cavaco Silva não aceite ser candidato?
Via com maior gosto e sei que seria importante para o País que o prof. Cavaco Silva se candidatasse. E creio que a eventual candidatura do dr. Mário Soares não pode nem deve ser um óbice a essa candidatura (de Cavaco Silva). Pelo contrário. Deve ser até um estímulo. É um desafio. Eu faria um apelo ao prof. Cavaco Silva para se candidatar. Por várias razões: o momento que vivemos precisa de um Presidente da República (PR) que tenha um conhecimento e uma identificação profunda do País, designadamente na área da economia e das finanças. O dr. Mário Soares ficou conhecido, no longo exercício das suas funções, quer como primeiro-ministro, quer como PR, de ser um político habilíssimo e exímio, mas ser pessoa menos preparada e com menos domínio dos dossiers. O exemplo do prof. Cavaco Silva é exactamente o contrário.

Estamos a falar da eleição do PR e não de um ministro das Finanças.
Estamos a falar num momento em que esse conhecimento e essa preparação, por parte do PR, é extremamente importante. Não é um PR meramente político que nós precisamos nesta ocasião. Precisamos de um político, e o prof. Cavaco Silva demonstrou sê-lo, e, nesta conjuntura, precisamos de um PR que tenha também um conhecimento desses dossiers. Por outro lado, o dr. Mário Soares tem 80 anos. As pessoas que estão à volta do dr. Mário Soares não estão a ser suas amigas. O dr. Mário Soares não merece acabar mal a sua vida política.

Está a prever uma vitória de Cavaco Silva?
A minha convicção é essa. Seria desagradável para o dr. Mário Soares. Ele, melhor do que ninguém, saberá decidir. Ele próprio reconheceu há pouco mais de um mês, quando disse que (uma candidatura) era totalmente impensável. Penso que ele está a ser pressionado e impressionado com a circunstância do PS não ter alternativa forte à presidência.

Se Cavaco Silva não avançar o centro-direita e a direita terão dificuldades em ganhar a eleição?
Naturalmente que há várias figuras da área do centro-direita com capacidades para serem candidatos.

Por exemplo?
Há vários. O prof. Marcelo Rebelo de Sousa, o dr. Mota Amaral…

Alberto João Jardim?
Por exemplo. Não há nenhum obstáculo a que não possa ser. Temos várias figuras com perfil ganhador. Mas, obviamente, que de todo e entre todos, e estes potenciais candidatos reconhecem, aquele que estaria melhor colocado preparado para essa batalha, seja com o dr. Mário Soares, seja com outros candidatos, é, sem dúvida o prof. Cavaco Silva.