2025/11/18

Negócio na CML – Sá Fernandes vai controlar Júdice

O acordo político estabelecido entre António Costa e José Sá Fernandes prevê que o vereador do Bloco de Esquerda possa vetar as propostas do Governo para a zona Ribeirinha de Lisboa, que ficará entregue a uma “holding” presidida por José Miguel Júdice e que será aprovada em Conselho de Ministros na rentrée política, em Setembro. Mais um embaraço para o Governo de José Sócrates causado pelo voluntarismo de Costa.

António Costa tomou posse quarta-feira como presidente da Câmara Municipal de Lisboa, numa cerimónia muito concorrida, com o Salão Nobre do edifício totalmente cheio, o dobro das pessoas que estava há dois anos quando Carmona Rodrigues tomou posse, e com um calor abrasador no interior da sala, que fez correr muito suor no rosto de convidados, vereadores e presidente.
A eleição do antigo número dois do Governo de Sócrates ficou marcada pela abstenção, a maior de sempre em Lisboa, com 62.8 por cento dos Lisboetas eleitores a não irem às urnas. A 15 de Julho, o PS elegeu 6 vereadores, a lista encabeçada por Carmona Rodrigues 3 vereadores, o PSD também 3 vereadores, a lista liderada por Helena Roseta 2 vereadores, o PCP igualmente 2 vereadores e o BE 1 vereador, José Sá Fernandes. Dos resultados das eleições intercalares ficou a necessidade de se proceder a coligações pós-eleitorais e encontrar um executivo camarário estável, de modo a assegurar a governabilidade nos próximos dois anos de mandato.
O acordo político entre o Bloco de Esquerda e António Costa, que Helena Roseta e Ruben de Carvalho já recusaram, é mais um embaraço para o governo de José Sócrates, que pretende nomear José Miguel Júdice para gerir as três empresas que ficarão responsáveis pelo reordenamento da zona ribeirinha de Lisboa e Oeiras. Sá Fernandes vai ficar com o pelouro do ambiente na CML e dentro clausulas não escritas do acordo com o Bloco de Esquerda, Costa aceita que Sá Fernandes fiscalize os negócios da zona ribeirinha, que o governo quer transferir para as empresas de Júdice. Mais, no âmbito deste entendimento é referido explicitamente que a Câmara exigirá que qualquer intervenção na frente ribeirinha seja precedida de aprovação pela Câmara, o que confere ao vereador do Bloco um papel decisivo na gestão dos projectos à beira rio.
Tal como aconteceu quando era ministro da Justiça do Governo Guterres e avançou com as escutas telefónicas para permitir o combate ao terrorismo e que afinal apenas serviu para o processo de pedofilia da Casa Pia, e tal como aconteceu quando ministro da Administração interna e decidiu intervir na estrutura de combate a incêndios e destruiu todo o comando operacional nos anos de maior intensidade de fogos no país, mais uma vez o excesso de voluntarismo de António Costa parece estar a embaraçar o PS e o primeiro-ministro José Sócrates, que pretendia tomar as rédeas da recuperação da zona ribeirinha de Lisboa contando para isso, como o SEMANARIO avançou, em primeira mão, com José Miguel Júdice.
Ao fazer um acordo com José Sá Fernandes, António Costa pretendia comprar o silêncio do Bloco de Esquerda, responsável pela desestabilização da anterior maioria. Só que Sá Fernandes, não só não assegura o Orçamento à minoria socialista na vereação, como promete fazer uma fiscalização aos negócios na zona Ribeirinha igual à que fez aos da Braga Parques.
Nos próximos dois anos, diz-se no PS, a CML vai mesmo ficar paralisada. Para além de Costa não ter assegurado a maioria dos vereadores na CML, o que o obrigará a acordos pontuais em cada matéria, o problema mais sensível é ainda a coabitação com um uma maioria do PSD na Assembleia Municipal.
Paula Teixeira da Cruz, presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, órgão que não foi a votos dia 15 de Julho e no qual o PSD dispõe de uma maioria, prometeu uma “lealdade institucional” ao novo executivo. Na cerimónia da tomada de posse, na quarta-feira, Paula Teixeira da Cruz, que na semana passada tinha almoçado com o presidente eleito da Câmara de Lisboa, mostrou-se disponível para uma cooperação institucional entre os dois órgãos. Do lado do PSD há a consciência que a situação da câmara exige rigor da parte de todos e António Costa poderá sempre contar com uma atitude leal da Assembleia Municipal para resolver os problemas financeiros da Câmara. Ou seja, Costa terá o voto do PSD para corrigir a situação financeira da autarquia, mas não pode usar a Câmara Municipal para campanhas eleitorais, com vista a uma vitória em 2009, ano de eleições autárquicas. É o preço do Bloco Central na Câmara da Lisboa.
A presidente da Assembleia Municipal foi a única protagonista dos social-democratas a intervir. No seu discurso dedicado à necessidade de combater a corrupção, Paula Teixeira da Cruz deixou um aviso: “haverá tanta lealdade na concordância como na discordância”. Aos presentes, a presidente da Assembleia Municipal deixou ainda o alerta para os “blocos de interesses instalados na cidade, que a divorciam do cidadão comum”.

Costa consciente das dificuldades

O novo presidente da Câmara de Lisboa está consciente que o apoio de Paula Teixeira da Cruz pode ser, do mesmo modo, uma tábua de salvação para a sua vereação, mas também o seu próprio enterro, tendo bem presente o que aconteceu a Mário Soares, no fim do Bloco Central, em 1985, quando Cavaco Silva ganhou as eleições depois do acordo com o Fundo Monetário Internacional executado nos anos anteriores.
De certo modo, a margem de manobra de António Costa é a mesma que Mário Soares tinha em 1983, aquela que o FMI lhe dava e que agora se traduz pela cooperação institucional de Paula Teixeira da Cruz, comenta-se dentro do PS. Consciente das dificuldades, Costa tentou até ao último momento incluir no acordo com o Bloco de Esquerda o PCP e o grupo de “Cidadãos por Lisboa”, de modo a poder fazer exigências públicas à Assembleia Municipal, tendo em atenção o Orçamento do próximo ano.
Era, por um lado, uma maneira de conseguir limitar o protagonismo perigoso e não previsível de Sá Fernandes e, por outro, diminuir o peso do Bloco no acordo permitiria depois desvalorizar eventuais rupturas que o Bloco de Esquerda tente protagonizar para obter espaço politico e identidade própria antes do próximo processo eleitoral, agendado para Outubro de 2009.

Carmona afastado pelo PS

A possibilidade de aproximação de António Costa a Carmona Rodrigues ficou logo excluída pelo presidente da Câmara, visto que no seio do Partido Socialista surgiram imediatamente vozes a denunciarem a imoralidade do negócio com o antigo presidente da edilidade. Costa foi obrigado para comprar a paz no PS e sobretudo o acordo com o Bloco de Esquerda, a distanciar-se de Carmona Rodrigues.
Recorde-se que todos os vinte e oito processos referentes ao urbanismo na Câmara Municipal de Lisboa passaram agora a ser directamente tutelados pela Procuradora geral adjunta Maria José Morgado, que deixa o processo “Apito Dourado” em Setembro próximo. Em alguns destes processos de Carmona Rodrigues e vereadores da sua lista, como Marina Ferreira, poderão ter que responder em Tribunal e, deste modo, seria embaraçoso para Costa depender politicamente desses vereadores acusados judicialmente.
No PS a intriga vai ainda mais longe. Os socialistas criaram mesmo uma maneira de impedir que Costa conseguisse fazer uma maioria estável, obrigando politicamente o edil de Lisboa a estar todos os dias sobre pressão para conseguir gerir a CML e garantir condições para uma recandidatura em 2009.
Depois de resultados fracos – com menos 14 mil votos dos que obteve Manuel Maria carrilho e beneficiando ainda da maior abstenção de sempre – Costa é considerado ferido mortalmente em termos políticos, pelo que a guerrilha a Sócrates poderia ser o único caminho para o antigo número dois do Governo voltar à ribalta. Única esperança dos sampaistas, definitivamente em declínio dentro do PS, António Costa não deve ser contudo menosprezado, consideram fontes social-democratas. Para o PSD na Câmara de Lisboa, Costa é um político com experiência e com muita capacidade e iniciativa, pelo que será sempre um adversário político de peso.

Sá Fernandes nega ter afastado acordo

Entretanto, o vereador da câmara de Lisboa José Sá Fernandes disse ontem que nunca afastou a hipótese de acordos com o candidato socialista António Costa durante a campanha eleitoral para as eleições intercalares, em reacção às críticas de Helena Roseta, que já abandonou a presidência da Ordem dos Arquitectos para se dedicar à vereação a tempo inteiro, que acusou o candidato apoiado pelo Bloco de Esquerda de dizer uma coisa e fazer outra.
Num jantar com apoiantes, na noite de quarta-feira, Helena Roseta voltou a dizer que não está disponível para trocar lugares por compromissos com António Costa e exigiu um pedido de desculpas ao vereador eleito pelo Bloco de Esquerda, acusando-o de dizer uma coisa e fazer outra.
José Sá Fernandes respondeu à candidata independente, afirmando que ela não percebeu o que foi dito na campanha e sublinhando que apenas prometeu não fazer acordos com Carmona Rodrigues, antigo presidente da autarquia.

“Solidariedade institucional” com AM e “diálogo”
com vereadores

Há margem da polémica e tentando ter o apoio de mais forças políticas, o novo presidente da Câmara de Lisboa afirmou na sua posse que terá “solidariedade institucional” com a Assembleia Municipal e “disponibilidade de diálogo” para trabalhar com todos os vereadores.
No discurso de cerimónia de tomada de posse, António Costa dirigiu-se à Assembleia Municipal de maioria social-democrata garantindo que aquele órgão poderá contar “com um escrupuloso respeito das competências, a maior diligência na satisfação de todas as informações solicitadas e uma leal solidariedade institucional”.
O autarca lembrou os onze anos em que foi deputado municipal – entre 1982 e 1993 – mandatos em que aprendeu “a importância do papel da Assembleia, em particular no acompanhamento e fiscalização da acção do executivo”.
Dirigindo-se aos vereadores, afirmou estar consciente de que lhe é exigida “abertura de espírito, disponibilidade de diálogo, vontade para estabelecer pontes entre todos”. “É o que tenho feito e da minha parte podem estar certos de que assim continuarei a fazer”, sublinhou. Apesar do acordo anunciado entre o PS e o Bloco de Esquerda, os socialistas permanecem em minoria no executivo municipal precisando da colaboração de mais dois vereadores para governar em maioria.

Governo em peso na cerimónia

No Salão Nobre do município totalmente cheio, o número elevado de ministros e de secretários de Estado presentes na cerimónia e que fizeram questão de manifestar o seu apoio público a António Costa não passou despercebido. A ouvir o recém-empossado presidente da Câmara Municipal de Lisboa prometer uma “relação de cooperação estratégica” com o Governo estavam sete ministros e mais de uma dezena de secretários de Estado. Com José Sócrates no Algarve em férias, coube a Pedro Silva Pereira, Luís Amado, Vieira da Silva, Rui Pereira, Nunes Correia, Manuel Pinho e Correia de Campos manifestarem a solidariedade pública do Governo para com o presidente da capital do país.
Costa referiu ainda no seu discurso a necessidade de “pôr a Câmara a funcionar e preparar o futuro”. O presidente da CML definiu os dois anos de mandato como sem espaço para “grandes obras”. Acima de tudo, Costa prometeu rigor na gestão financeira e urbanística. António Costa sublinhou a vontade de mudar, salientando que “os lisboetas votaram na mudança”.
Segundo o presidente da câmara da capital, este será o tempo do “saneamento financeiro, o tempo do esclarecimento e resolução dos diversos casos urbanísticos que mancharam a credibilidade do município, o tempo de uma acção firme e determinada para pôr termo ao desleixo e desmazelo que foram tomando conta da cidade”. Os próximos dois anos servirão também, de acordo com o autarca socialista, para “preparar o futuro”, com o relançamento do “planeamento estratégico” e a conclusão da revisão do Plano Director Municipal. “Preparar a reorganização administrativa da cidade e criar uma verdadeira estrutura de governo metropolitano”, foram outras das medidas anunciadas por António Costa.

Manuel Alegre abre a porta à participação nas legislativas de 2009

No seu artigo desta semana no jornal “Público”, intitulado “Contra o Medo, Liberdade”, onde faz duras críticas à condução política de Sócrates, Manuel Alegre abre a porta à participação do seu movimento de cidadãos nas legislativas de 2009. O que pode revelar-se um problema complicado para Sócrates, ameaçando a maioria absoluta do PS. A hipótese é alicerçada nas excelentes votações obtidas pelo poeta nas presidenciais e por Helena Roseta em Lisboa, e parece estar a fazer o seu caminho em vários sectores da esquerda, que defendem não se poder alienar um capital político, que oscila entre os dez e os vinte por cento de votantes, e não se reconhece nos partidos de esquerda existentes.

No seu artigo desta semana no jornal “Público”, intitulado “Contra o Medo, Liberdade”, onde faz duras críticas à condução política de Sócrates, Manuel Alegre abre a porta à participação do seu movimento de cidadãos nas legislativas de 2009. O que pode revelar-se um problema complicado para Sócrates, ameaçando a maioria absoluta do PS.
Porém, o Movimento de Intervenção e Cidadania que Alegre, Roseta e outros activistas criaram há mais de um ano não pode, enquanto tal, disputar as eleições, obrigando à formação de um partido político. O que pode alterar, também, de uma maneira radical a atitude do PS para com Alegre e Roseta. Quer nas presidenciais, quer nas intercalares em Lisboa, Sócrates e o PS nunca levantaram a voz contra o poeta e a arquitecta, o que não deixa de ser curioso já que eles se atravessaram no caminho dos candidatos oficiais socialistas, ainda por cima homens de grande peso político como Mário Soares e António Costa. Porém, nas legislativas, com Sócrates a poder conhecer na pele o efeito nocivo de uma candidatura oriunda da família alegrista, as coisas podem ser muito diferentes. Com Sócrates a fazer um ataque cerrado à família alegrista. Esta quarta-feira, na entrevista que deu à SIC, José Sócrates já deu sinais
da forma como pode vir a tratar Alegre, respondendo duramente ao artigo do poeta. Já se percebeu, também, que quando existem danos directos na esfera do líder socialista, a máxima é a de que “quem se mete com Sócrates leva”. O que, de certo modo, dá razão a uma das critícas do artigo de Alegre, de que o PS gira hoje à volta do seu líder.
No final do seu artigo, numa parte que passou despercebida a muitos analistas, Manuel Alegre escreve sobre o futuro político imediato: “sei, por experiência própria, que não é fácil mudar um partido por dentro. Mas também sei que, assim como, em certos momentos, como fez o PS no verão quente de 75, um partido pode mobilizar a opinião pública para combates decisivos, também pode suceder, em outras circunstâncias, como nas presidenciais de 2006 e, agora, em Lisboa, que os cidadãos, pela abstenção ou pelo voto, punam e corrijam os desvios e o afunilamento dos partidos políticos. Há mais vida para além das lógicas de aparelho. Se os principais partidos não vão ao encontro da vida, pode muito bem acontecer que a recomposição do sistema se faça pelo voto dos cidadãos. Tanto no sentido positivo como negativo, se tal ocorrer em torno de uma qualquer deriva populista. Há sempre esse risco. Os principais inimigos dos partidos políticos são aqueles que, dentro deles, promovem o seu fechamento e impedem a mudança e a abertura.”

O perigo populista

Outro aspecto curioso do texto de Alegre é o alerta em relação a uma hipotética deriva populista. O voto dos cidadãos tem, segundo o poeta, uma vertente positiva, que se depreende ser aquela que se tem traduzido nas votações expressivas nas presidenciais e em Lisboa, e uma vertente negativa, que poderá ser a que se venha a traduzir em movimentos populistas à direita. O poeta, que demonstra aqui toda a sua sagacidade política, parece antever que o preço a pagar por Sócrates, e pela democracia portuguesa, por ter desideologizado o PS e ter deixado que toda a vida política esteja centrada em si, pode ser o aparecimento de um fenómeno populista à direita, também sem ideologia, que combata Sócrates com as mesmas armas da demagogia e, sobretudo, da propaganda.
Refira-se que no artigo, Alegre põe em causa a personalização da política com Sócrates: “Não tenho qualquer questão pessoal com José Sócrates, de quem muitas vezes discordo mas em quem aprecio o gosto pela intervenção política. O que ponho em causa é a redução da política à sua pessoa. Responsabilidade dele? A verdade é que não se perfilam, por enquanto, nenhumas alternativas à sua liderança. Nem dentro do PS nem, muito menos, no PSD. Ora isto não é bom para o próprio Sócrates, para o PS e para a democracia. Porque é em situações destas que aparecem os que tendem a ser mais papistas que o Papa. E sobretudo os que se calam, os que de repente desatam a espiar-se uns aos outros e os que por temor, veneração e respeitinho fomentam o seguidismo e o medo.”
A hipótese a que Manuel Alegre abre a porta, não só para as legislativas de 2009 mas também para as europeias que as antecedem, sobretudo numa altura em que são muitas as interrogações que se colocam sobre a construção europeia, é alicerçada, tal como o próprio afima nas excelentes votações obtidas pelo poeta nas presidenciais e por Helena Roseta em Lisboa, e parece estar a fazer o seu caminho em vários sectores da esquerda, que defendem não se poder alienar um capital político, que oscila entre os dez e os vinte por cento de votantes e não se reconhece nos partidos de esquerda hoje existentes. Como é sabido, Helena Roseta teve dez por cento dos votos nas eleições de 15 de Julho em Lisboa e Manuel Alegre obteve 18 por cento de votos nas presidenciais. O facto de tanto Manuel Alegre e Helena Roseta terem obtido estes bons resultados num quadro em que enfrentaram os candidatos de todos os outros quadrantes à esquerda, do PS ao Bloco de Esquerda, passando pelo PCP, pode tê-los convencido de que esse capital político não pode ser alienado, até porque, dentro da linha tipíca do pensamento de Alegre e Roseta, os votos recebidos são uma responsabilidade, havendo o dever de concretizar os anseios de quem votou no poeta, na arquitecta e nos seus activistas. Recorde-se que nas presidenciais, Alegre enfrentou Mário Soares, Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã, ganhando o campeonato à esquerda. Já Helena Roseta levou a melhor Sá Fernandes e Ruben de Carvalho.

Alegre pode pescar no PS e Sócrates pescar à direita

A hipótese de o movimento de Alegre se erigir em partido e concorrer às legislativas de 2009, pode, na verdade, a concretizar-se, baralhar por completo o xadrez político. Caso o movimento de cidadãos crescesse à custa do PS, com um resultado à volta dos quinze por cento de votos, e tirasse a maioria absoluta a Sócrates, o cargo de líder do PSD poderia voltar a ser apetecível, com os pesos pesados de laranja a ponderarem, de novo, as suas posições. Ameaçando, também de novo, o lugar de Marques Mendes (ou Luís Filipe Menezes). De facto, perante estas condições adversas para o PS, um candidato laranja carismático que conseguisse unificar as tendências poderia sonhar com o regresso ao poder, ainda por cima quando o CDS-PP atravessa uma crise de que não se vê o fim à vista. Até a hipótese de uma maioria absoluta laranja não é, neste cenário, de descartar. Caso tal acontecesse, não seria, porém, apenas Sócrates o perdedor. Também Alegre e Roseta conheceriam o sabor amargo de histórias que parecem de sonho e que depois se transformam num pesadelo. Eles que, adivinha-se, fariam uma campanha em 2009 a dizer que era preciso dar força ao movimento de cidadãos, para obrigar Sócrates a uma política de esquerda (e, eventualmente, a uma coligação, dando aplicação a um chavão do PCP desde há vinte anos que os comunistas nunca souberam nem puderam concretizar) confrontavam-se com a tragédia de a sua actuação ter levado a direita de regresso ao poder. Enquanto a direita esteve em crise, o voto em Alegre e Roseta funcionou, mas quando aquela renasceu, esse mesmo voto revelar-se-ia fatal para toda a esquerda.
Mas o filme dos acontecimentos também pode ser outro. Mesmo com o movimento de cidadãos a concorrer em 2009, Sócrates poderá obter maioria absoluta para o PS. Caso em que se confirmaria que Sócrates é mesmo um fenómeno político a marcar o século XXI. Mesmo perdendo votos à esquerda, Sócrates compensava essas perdas com ganhos pescados à direita, no eleitorado tradicional do PSD e do CDS. Enquanto Mário Soares tinha sido superado por Alegre e António Costa tinha visto Helena Roseta deixá-lo com uma votação sofrível de 29,5 por cento, Sócrates não deixava a família alegrista comer-lhe as papas na cabeça e era ele, mais uma vez, quem se ficava a rir. Com maioria absoluta no bolso, vendo o PSD mais uma vez destroçado, o CDS de regresso ao partido do táxi (ou da lambreta), e o PCP e o BE cabisbaixos pelo facto de o movimento dos cidadãos ter penetrado fundo nos seus eleitorados. Ironia das ironias, o PS, que em quase quarenta anos de democracia, nunca conseguiu arrumar o PC, podia ver em 2009 os comunistas reduzidos à sua menor expressão eleitoral de sempre. À custa de Manuel Alegre. Refira-se que se este cenário-maravilha para Sócrates se viesse a concretizar, o líder socialista poderia, de novo, renunciar às críticas ao movimento de cidadãos, à semelhança do que fez nas presidenciais com Alegre e em Lisboa com Roseta.

Rsistir às pressões eleitoralistas

Entretanto, quarta-feira, na entrevista que deu à SIC, Sócrates apresentou-se confiante no futuro. Por mais de uma vez, em perguntas relacionadas com as várias adversidades que tem sofrido, entre as quais o caso da licenciatura pela Universidade Independente e as vaias sucessivas de que tem sido vítima, a últimas das quais no Estádio da Luz, Sócrates referiu que elas têm constituído um incentivo para seguir em frente, consciente de que está a exercer o seu dever, depois de ter encontrado o país numa situação lastimosa em 2005.
O primeiro-ministro abordou vários temas da actualidade, tendo considerado “inadmissível” a resistência do governo regional da Madeira em aplicar em lei do aborto, apelidando de “ensurdecedor o silêncio” dos líderes do PSD e CDS–PP sobre esta matéria.
Sócrates avisou que a Madeira “vai ter que aplicar a lei, porque é uma lei da República e porque resulta da vontade popular”. Em resposta, Alberto João Jardim referiu, ao seu jeito, que “quem está obcecado com a Madeira, precisa de se tratar”, dando sequência a algumas vozes do PSD-Madeira que já avisaram que a lei dificilmente será aplicada na Madeira, pelo menos no quadro actual dos meios existentes. A situação pode redundar num impasse que apenas poderá ser resolvida pelos bons ofícios do Presidente da República. Recorde-se que Cavaco Silva alertou na semana passada para a necessidade de a lei do aborto ser cumprida em todo o território nacional.
Na mesma entrevista, Sócrates garantiu que a despesa pública vai continuar a descer até 2009, rejeitando ceder a eventuar pressões eleitoralistas para as legislativas de 2009, o que pode ser um discurso que agrade à direita e a mobilize para votar Sócrates em 2009. ” A despesa em percentagem do PIB desceu em 2006, vai descer em 2007, também em 2008 e em 2009″, até atingir os 40 por cento do produto interno bruto”, considerou Sócrates. Sobre a mobilidade na função pública, Sócrates afirmou que perto de 900 funcionários públicos já estão na situação de mobilidade especial e que a reestruturação dos serviços públicos continuará a ser feita de acordo com o que está na lei e de acordo com as necessidades dos serviços. O chefe de governo garantiu que as reestruturações dos vários ministérios vão ser feitas em função do que está na lei e que vai ficar a cargo de cada serviço a definição das suas necessidades em termos de recursos humanos para fazer face aos objectivos que tem que cumprir. Para o primeiro-ministro todas as medidas implementadas no âmbito da Reforma da Administração Pública (o novo regime de carreiras, vínculos e remunerações, o novo sistema de avaliação, a mobilidade especial, a redução de organismos da administração pública e a redução em 25 por cento das chefias intermédias) tem apenas como objectivo melhorar a qualidade dos serviços.

As críticas de Alegre à política do Governo

No seu artigo, centrado no direito à liberdade, Manuel Alegre não perdeu a oportunidade de criticar a política do governo em diferentes áreas. Num só parágrafo, utilizando a forma negativa, o poeta é demolidor: “Não vou demorar-me sobre a progressiva destruição do Serviço Nacional de Saúde, com, entre outras coisas, as taxas moderadoras sobre cirurgias e internamentos. Nem sobre o encerramento de serviços que agrava a desertificação do interior e a qualidade de vida das pessoas. Nem sobre a proposta de lei relativa ao regime do vínculo da Administração Pública, que reduz as funções do Estado à segurança, à autoridade e às relações internacionais, incluindo missões militares, secundarizando a dimensão administrativa dos direitos sociais. Nem sobre controversas alterações ao estatuto dos jornalistas em que têm sido especialmente contestadas a crescente desprotecção das fontes, com o que tal representa de risco para a liberdade de imprensa, assim como a intromissão indevida de personalidades e entidades na respectiva esfera deontológica. Nem sobre o cruzamento de dados relativos aos funcionários públicos, precedente grave que pode estender-se a outros sectores da sociedade. Nem ainda sobre a tendência privatizadora que, ao contrário do Tratado de Roma, onde se prevê a coexistência entre o público, o privado e o social, está a atingir todos os sectores estratégicos, incluindo a Rede Eléctrica Nacional, as Águas de Portugal e o próprio ensino superior, cujo novo regime jurídico, apesar das alterações introduzidas no Parlamento, suscita muitas dúvidas, nomeadamente no que respeita ao princípio da autonomia universitária.”

“As pessoas estão cansadas dos jogos político-partidários”

Helena Roseta, candidata independente à Câmara Municipal de Lisboa, defende, em entrevista ao SEMANÁRIO, uma maior participação dos cidadãos à frente dos destinos da autarquia, bem como uma efectiva reabilitação da cidade, mostrando-se também contra um eventual fecho do aeroporto da Portela.

Em que medida é que a sua candidatura à CML poderá ser uma alternativa e trazer algo de novo à cidade?
É uma alternativa porque acho que as pessoas chegaram a um ponto, em que estão um pouco cansadas dos jogos político-partidários, tal como tem acontecido. A câmara cai porque os partidos não se entenderam, por haver um clima de suspeição e porque se chegou a uma situação de colapso financeiro. Portanto, acho que é preciso mudar de atitude, mudar de equipa, mudar de gente e sobretudo mudar de maneira de trabalhar e é isso que a minha candidatura propõe. Ela foi viabilizada por 5550 assinaturas, por isso estou aqui com essa legitimidade e aquilo que tenho estado a propor é a necessidade de encontramos um núcleo de medidas de emergência, para aplicar na câmara e na cidade, que permitam inverter o rumo.

Pode enunciar as principais prioridades/projectos da sua candidatura à CML?
A minha candidatura resume-se a duas propostas: reabilitação e participação. Entendemos a reabilitação da cidade como um todo e não apenas a habitação, os fogos devolutos, mas também o espaço público, as ruas, os espaços verdes, reabilitar o próprio sentimento de nos sentirmos agradados e satisfeitos de viver nesta cidade e isso implica uma quantidade enorme de medidas, mas sobretudo mais uma vez uma atitude, porque temos pouco dinheiro e não podemos fazer megaprojectos e essa atitude é o que chamamos de “acupunctura urbana”, ou seja, conseguirmos fazer muito, com pouco dinheiro, independentemente da dívida e que possa ter resultados. Outra coisa que propomos, e que é um traço distintivo da nossa candidatura em relação às restantes, é o problema da participação dos cidadãos, pois toda a gente fala na participação, mas a única candidatura que é realmente participada, desde a sua base e desde a sua origem é esta, tendo inclusive reflexos no nosso programa. Nós estamos já a praticar aquilo que defendemos, que é a participação das pessoas, quer na candidatura e no nosso programa, pois hoje em dia não é possível governar uma cidade, sem que os cidadãos sejam uma parte activa na governação, é isso que ninguém conseguiu fazer até agora e que nós achamos que é imprescindível.

Como caracteriza a gestão autárquica em Lisboa, levada a cabo pelo último executivo?
Acho que chegamos a um ponto de ruptura financeira, não apenas por responsabilidade pelos últimos dois anos, mas por uma responsabilidade acumulada. A câmara chegou a uma situação de desequilíbrio estrutural e está numa situação de desgoverno. Precisamos de agir imediatamente sobre as dívidas imediatas, as de curto prazo, mas precisamos sobretudo de fazer uma reestruturação geral do orçamento da câmara. Temos que baixar a despesa e aumentar a receita. Temos de baixar a despesa sobretudo na contratação de serviços externos, nas assessorias políticas, pois são as coisas onde é preciso cortar. Temos que aumentar a receita, sobretudo com uma melhor cobrança dos impostos municipais, pois há taxas que são cobradas com muito atraso. Há aqui uma quantidade enorme de gente que não está a cumprir o seu dever em relação à cidade. Quanto às medidas de emergência, penso que não há nenhuma maneira de talhar uma situação de asfixia financeira. Vai ter de se declarar a ruptura financeira da câmara e já se devia ter feito isto, por iniciativa do anterior presidente, Carmona Rodrigues, que não o fez. A primeira coisa a fazer, para quem ganhar as eleições, deverá ser fazer uma proposta à Assembleia Municipal e declarar a ruptura financeira, renegociar a dívida com a banca e com os fornecedores. Esta hipótese da ruptura financeira abre a possibilidade da câmara contrair algum empréstimo de imediato, para a renegociação da divida a curto prazo. Senão fizer isso, já ultrapassou todos os limites de endividamento e já não pode pagar.

Que implicações terá, para a cidade, um eventual encerramento do aeroporto de Lisboa, em virtude da possível construção do novo aeroporto na Ota?
É um erro fechar o aeroporto da Portela, porque tem uma função central na cidade. Poderá ter que ser complementado por um aeroporto próximo, mas nunca se pode encerrar em definitivo um aeroporto que faz falta à cidade. Lisboa é uma cidade que está a declinar e quando isso acontece na sua situação de perder actividade e atractividade, tirar-lhe uma solução é um erro. No caso concreto de Lisboa e em termos turísticos, a cidade tem um bom desempenho e tem aumentado a capacidade de atracção turística. Ao darmos uma machadada numa das actividades que até tem um bom desempenho, iremos ter um grande prejuízo para a cidade e por isso opor-me-ei.

Lisboa é hoje uma cidade voltada de costas para o rio Tejo e a duas velocidades, com zonas bem planeadas e estruturadas, mas também uma cidade antiga com vários edifícios devolutos e degradados. Que medidas tomaria para inverter a actual situação?
Em relação à frente ribeirinha, a questão principal é que esse território é gerido de uma maneira diferente do que é o resto da cidade. Para a cidade funciona o PDM onde existem regras e onde os cidadãos têm direito de se pronunciar sobre elas e de ter a sua opinião. No que diz respeito à frente ribeirinha, a regra é outra, porque é a Administração do Porto de Lisboa que tem a tutela desta área e que gere essa área sem ouvir os cidadãos. Penso que isto é quase uma esquizofrenia, porque o território é o mesmo e tem que haver uma nova entidade gestora para a frente ribeirinha, que incorpore a Administração do Porto de Lisboa, a CML, eventualmente a Armada, que também tem funções naquela área e outras entidades públicas, se for caso disso, para gerirem aquele território, como uma condição, de que não se podem aprovar grandes projectos de execução naquela área sem ouvir os cidadãos. Quanto à questão das zonas dos prédios vazios, temos, de acordo com os últimos números, cerca de 70 mil fogos vazios e isto é negativo para a cidade. Há, portanto, uma série de medidas a tomar, conforme estas diferentes classificações. Para os fogos mais degradados que precisam de reabilitação, há projectos que precisam de ser feitos, há financiamento público para a reabilitação através do Programa Pró-Vida, há a possibilidade de tornar mais rápida a aprovação dos projectos de reabilitação, através de uma via verde para a reabilitação e há a possibilidade de se aplicar o que já está na lei, que é uma taxa cada vez mais alta do IMI, enquanto os prédios não estão a ser utilizados para as suas funções. Usando estes instrumentos ou mais alguns, penso que vamos conseguir voltar a dar vida a zonas vazias da cidade.

Admite algum entendimento/coligação pós-eleitoral com alguma força política?
Vai ser necessário que todas as forças políticas se entendam, porque a situação é de tal maneira crítica, que nem sequer admito que as pessoas se estejam a candidatar para irem para a oposição. E, portanto, estão-se a candidatar para a vereação e esta é o executivo municipal. Quando estiver na câmara aquilo que vou querer é que todos participem no executivo, dependendo da vontade de cada um e que tenham também acordado as medidas que vamos tomar. Contudo, vai ser difícil, mas, nem me passa pela cabeça, ver a câmara, nesta fase de crise, a ser governada com uma parte do executivo a tentar governar e a outra parte a tentar desfazer.

Nesta sua candidatura à CML, o que será para si um resultado positivo ou um resultado negativo?
Um resultado positivo é ela existir e esse já o tenho. Seja qual for o resultado que venha a ter, o simples facto de sozinha, sem partidos, sem máquinas, sem agências, sem dinheiro, sem sedes, sem redes, sem estruturas, estar a disputar a presidência da câmara de Lisboa, como o estou a fazer, em condições de “taco a taco” com candidaturas que estão alicerçadas em estruturas, com muita bagagem e com muita experiência, prova duas coisas. Primeiro, que há espaço para uma candidatura com estas características e, por outro lado, prova que há algum reconhecimento das capacidades que eu e as pessoas da minha lista temos nesta matéria. Qualquer resultado que possamos vir a ter vai ser um milagre da cidadania, e eu estou muito convicta que isso está já está a acontecer.

“Há cinco candidatos do sistema e dois falsos independentes”

Manuel Monteiro pretende assumir o papel de José Sá Fernandes da direita na Câmara Municipal de Lisboa. Em entrevista ao SEMANÁRIO, o candidato refere que será “a voz dissidente, a voz anti-sistema, a voz de ruptura com o ‘status quo’ que permitiu que a CML tenha cavalgado para o pântano onde efectivamente se encontra”. Monteiro alertou, ainda, que “controlar os bairros sociais é controlar um sindicato de votos”.

O que é que a sua presença teria acrescentado ao debate de Terça-feira entre sete dos doze candidatos à Câmara Municipal de Lisboa?
É sempre difícil falar em causa própria. O debate demonstrou que há cinco candidatos do sistema e dois falsos independentes, é bom realçarmos isto. Helena Roseta só é candidata independente porque o PS não a quis como candidata, é um facto; Carmona Rodrigues é candidato independente porque o PSD lhe tirou o tapete, se o PSD o quisesse manter ele continuaria a ser o candidato do partido.
Na minha perspectiva, as questões de fundo que dizem respeito a Lisboa não são tratadas e não foram abordadas no debate de terça-feira. Houve uma tentativa de consensos, de coligações… penso que está tudo a tentar dizer: “votem em mim para eu ser vereadorzinho”. A minha lógica, ao contrário, é de ruptura. A CML e a cidade têm problemas que nenhum dos senhores que estiveram no debate tem coragem para abordar.

E Quais são?
Não ouvimos falar da transparência, como factor verdadeiramente incisivo; não ouvimos falar dos fenómenos de corrupção, pois estes senhores pactuaram directa ou indirectamente com o sistema que permitiu a existência de corrupção na cidade de Lisboa, pondo de lado, à esquerda, Sá Fernandes e Ruben de Carvalho. Mas a verdade é que todos estiveram relacionados com o sistema que permite a existência de arquitectos na CML que possuem amplos gabinetes cá fora. Há quem diga que muitas das obras municipais que são aprovadas na cidade de Lisboa são curiosamente aquelas que têm arquitectos cá fora e que simultaneamente também trabalham na Câmara, não ouvimos falar disto.
Se eu lá tivesse estado teria dito que comigo não há vereadores na CML com gabinetes lá fora, teriam de fazer uma opção. Portanto, isto são testemunhos muito objectivos das novidades trazidas pela minha presença. Por outro lado, teria dito que muitas das grandes aberrações que têm sido feitas em Lisboa em matéria urbanística, são feitas com o silêncio da Ordem dos Arquitectos, cuja bastonária é a arquitecta Helena Roseta.

Pretende, portanto, ser um candidato de ruptura, de cisão, de denúncia…Eu sou um candidato dissidente. Embora esteja envolvido numa candidatura, tenho saudades de homens como Nuno Krus Abecassis ou Gonçalo Ribeiro Teles, que falavam de Lisboa com Paixão e que verdadeiramente se dedicaram à cidade. Aquilo a que hoje assistimos, salvo honrosas excepções, é a uma lógica de funcionalismo, isto é, as pessoas são candidatas porque têm de ser candidatas. No debate de terça-feira, o dr. Fernando Negrão até se enganou e falou de Setúbal em vez de Lisboa. Eles são candidatos mas não queriam vestir esse papel, tanto Telmo Correia, como António Costa, ou Fernando Negrão.
Os únicos candidatos, dos sete, que têm uma visão estratégica para a cidade, embora não seja a minha, são Ruben de Carvalho e José Sá Fernandes. Eu sou, num outro patamar que não o da esquerda, a voz dissidente, a voz anti-sistema, a voz de ruptura com o status quo que permitiu que a CML tenha cavalgado para o pântano onde efectivamente se encontra.

Ao Trazer humoristas para a sua campanha não está a denegrir a imagem da democracia?
Quando os partidos pagam milhares de euros para terem os chamados cantores “pimba” nos seus comícios, julgo que essa preocupação não existe. À nossa maneira e em função dos nossos meios, que são claramente menores face às demais candidaturas, estamos a trazer o humor, promovendo jovens actores. Os textos desses jovens actores vão interpretar a mensagem política que me parece essencial e que será a coluna vertebral da minha candidatura.

Falemos dessa mensagem política. O que é que um vereador do PND pode trazer para a Câmara de Lisboa?
A lógica do sistema político é ter de conquistar votos seja onde for e, portanto, não dizer nada que possa pôr em causa a conquista de votos. Eu não. Eu vou ao centro da questão. A minha primeira reforma passaria por extinguir todas as empresas municipais. É preciso dividir Lisboa em quatro grandes áreas e atribuir a concessionários privados os Lixos, os jardins, os estacionamentos. Três áreas muito concretas que entregaria a privados com o compromisso, no contrato de concessão, destes absorverem as pessoas que hoje trabalham na CML. Deste modo, contribuiríamos para o emagrecimento da Câmara e consequente diminuição dos custos de funcionamento.

Diminuição do passivo da CML.
Exacto. Por outro lado, há muito gente avençada na Câmara que trabalha o triplo de muitos senhores que estão no quadro e que não põem lá os pés, embora recebam o ordenado ao fim do mês. Estes senhores têm de ter uma guia de marcha e irem para casa. Como seria fundamental que pessoas que estão nos gabinetes de juristas, de arquitectos ou de engenheiros da Câmara, formalmente a tempo inteiro, mas na prática part-time para depois terem os seus complementos, fossem também convidados a rever a sua situação e a sair.
Em nome da reforma administrativa interviria rapidamente nos bairros sociais. Rendas a dois eurosEstão a brincar comigo! Permitir que continuem a viver pessoas em casas da Câmara que têm segunda habitação fora da cidade de Lisboa e que ostentam níveis de riqueza superiores a muita gente que pede dinheiro a um banco para comprar casa? Não!
Não é admissível que uma empresa que gere a habitação social gaste mais do que aquilo que recebe. O que a GEBALIS gasta na manutenção do parque habitacional, estamos a falar de 25 mil fogos e de 110 mil pessoas, é superior às suas receitas. Hoje, controlar os bairros sociais é controlar um sindicato de votos. Por exemplo, no Bairro da Boavista e no Bairro do Casal dos Machados há grupos de cidadãos organizados em carrinhas para irem votar em determinados partidos. Estas situações conduzem a que as casas sejam atribuídas em função da filiação partidária. E ninguém fala disto…

Que pelouro escolheria se fosse eleito presidente da CML?
Se fosse presidente da CML assumiria para mim a condução estratégica da cidade. Ou seja, não quereria um pelouro específico, mas teria o planeamento como objectivo principal. A questão do planeamento é fundamental. Subsidiariamente teria comigo a educação e a cultura. É um crime estar a acontecer em Lisboa uma situação que se está a verificar no resto do país, que é o encerramento de escolas.

A semana negra de Sócrates

Os resultados económicos são fracos, alertou Cavaco Silva no passado domingo, no discurso do 10 de Junho, em Setúbal, deixando o primeiro-ministro com as orelhas a arder. Sócrates ainda não tinha tido tempo de se recompor da forte assobiadela do povo de Setúbal, indignado com as palavras de há um mês do ministro Mário Lino, que chamou “deserto” à margem Sul, e com o aumento do desemprego no distrito. Um dia antes, Mário Soares, numa entrevista, aconselhava José Sócrates a mudar o rumo, virando à esquerda. Aproveitando também para se manifestar chocado pelo facto de Sócrates admirar Tony Blair. Já esta segunda-feira, o governo, cercado pelo Presidente da República e por grupos de interesse poderosos, viu-se obrigado a abrir a porta a Alcochete para localização do novo aeroporto. É a primeira vez que o governo recua numa questão magna, o que pode fragilizar o seu processo de decisão e deixá-lo nas mãos de grupos de interesses.

Os resultados económicos são fracos, alertou Cavaco Silva no passado domingo, na sua intervenção do 10 de Junho, deixando o primeiro-ministro com as orelhas a arder. O Presidente da República nem concretizou os indicadores económicos mas se o tivesse feito, o efeito para o governo ainda teria sido pior. O investimento está estagnado, o desemprego cresce, os portugueses estão cada vez mais endividados, os sectores da construção e do imobiliário, que funcionam como barómetros da saúde das economias, estão em baixa há meses consecutivos. No discurso do Ano Novo de 2007, Cavaco já tinha avisado o governo que os resultados tinham de aparecer. A meio do caminho, sentiu-se já no dever de dizer que a coisa não está famosa. Para um economista como Cavaco, habituado a previsões, não deve ser difícil avaliar que quando os resultados não surgem a meio do ano, é porque também não surgem no final. Ainda por cima, Cavaco queria o investimento português a crescer acima da média europeia, o que, já se viu, nas condições actuais, não passar de uma miragem.
Momentos antes do discurso de Cavaco Silva, José Sócrates tinha sido assobiado pelos setubalenses, indignado com as palavras de há um mês do ministro Mário Lino, que chamou “deserto” à margem Sul no contexto da construção do novo aeroporto, e também com o aumento do desemprego no distrito. Não é a primeira vez que Sócrates é assobiado mas o mau período que atravessa, tornou os assobios mais visíveis e amargos. Por azar, as comemorações do 10 de Junho tinham de ser precisamente em Setúbal, um distrito “maldito” para governos a viverem momentos de crise. Em 1983, quando era primeiro-ministro, Mário Soares conheceu o forte descontentamento do governo. Em 1993, foi a vez do primeiro-ministro, Cavaco Silva, provar o fel dos setubalenses. Curiosamente, com Mário Soares, então Presidente da República, a meter achas na fogueira. Desta vez foi a vez de Sócrates. Ironicamente, Cavaco até foi aplaudido. Nem faltou em Setúbal D. Manuel Martins, conhecido como o bispo vermelho, para tornar as coisas ainda mais difíceis para Sócrates. D. Manuel Martins, que fez a vida negra a Cavaco em 1993, foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo (circunstância que se revelou outro azar para Sócrates) e aproveitou para dizer que “o povo de Setúbal é considerado o mais interventivo, porque não se deixa comer. Uma das marcas da cidadania é não e deixar comer, não se deixar gozar”. Quem ouviu, só se pode ter lembrado do “direito à indignação” de Soares contra Cavaco há dez anos.

Ota na linha da realpolitik

Um dia antes do 10 de Junho, Mário Soares, numa entrevista ao “Expresso”, aconselhava José Sócrates a mudar o rumo, virando à esquerda. Aproveitando também para se manifestar chocado por Sócrates admirar Tony Blair. Vários comentadores já se tinham interrrogado sobre os silêncios de Mário Soares e espantou muita gente o “branqueamento” total que fez no jantar de aniversário ao caso da licenciatura do primeiro-ministro. Tão crítico, contra tudo e todos, inclusivamente contra dirigentes do PS, no tempo de Durão Barroso e Santana Lopes, parecia que Soares tinha enfiado a viola no saco. Por mais um azar de Sócrates, Soares tinha de quebrar o silêncio numa altura péssima para o governo.
Já esta segunda-feira, o governo, cercado pelo Presidente da República e por grupos de interesse poderosos, viu-se obrigado a abrir a porta a Alcochete para localização do novo aeroporto. É a primeira vez que o primeiro-ministro cede numa questão de interesse vital. Se o fim-de-semana tinha sido negro para o executivo, a segunda-feira foi de escuridão completa. No meio de um esforço hercúleo para se justificar, a fragilidade de Sócrates veio ao de cima quando declarou que Alcochete tinha ficado na gaveta porque a Força Áerea não queria abrir mão do campo de tiro. Para um homem que tem a sua popularidade por causa de se marimbar nos interesses, representa um mau momento
Mas é a Força Aérea quem manda no país? Em muitas reformas que já fez, Sócrates levou tudo à frente, provando que o Estado, de que é primeiro-ministro, não fica nas mãos de grupos de interesse. Agora vem dizer que Alcochete nunca avançou por causa de um ramo militar. É mais uma prova que alguma coisa se partiu esta semana com o primeiro-ministro.
Depois de andar dois anos a insistir no aeroporto na Ota, o governo espantou, esta segunda-feira, quando abriu a porta à localização em Alcochete. Estava tudo à espera que Mário Lino abrisse o concurso internacional para a Ota mas o primeiro-minitro fez uma volta de 180 graus sem pestanejar. É quase certo que tudo foi combinado com Sócrates. O ministro até parecia outro. Quase pediu desculpas pelas suas palavras do deserto na margem sul. Sem explicar, claro, que não se faz um aeroporto num sítio onde só há camelos.
No “inner circle” de Sócrates, a situação à volta do aeroporto começou a ser vista como crítica logo depois de Cavaco ter pedido mais debates sobre a localização do aeroporto. No governo percebeu-se bem que o caso era sério com Belém. Pela primeira vez. Quando Mário Lino cometeu a sua gaffe do deserto a situação ficou no limite. Era preciso agir quanto antes. Além do mais, António Costa começava a ficar perigosamente pressionado em Lisboa por causa da insistência do Governo na localização na Ota, a mais de cinquenta quilómetros da capital. As sirenes de alarme soaram quando se soube que a CIP e Francisco Van Zeller viram as portas de Belém franqueadas, para apresentar um dossier a defender a localização do aeroporto em Alcochete.
José Sócrates, com aquele sentido prático das coisas, que tão bem tem demonstrado no plano internacional, na reapolitik com a China, Angola, Venezuela e Rússia, mudou as agulhas na questão do aeroporto. Com Francisco Vanzeller, o homem que ainda há quinze dias disse que os trabalhadores grevistas poupavam muito dinheiro, já que não faziam gastos, José Sócrates fez mesmo um pacto, o que também não é novo no líder do PS. VanZeller ia fazer um estudo sério e aturado sobre Alcochete. Sócrates prometeu que ia ser dispensada uma atenção especial ao dossier, não indo para o lixo.
No seio do governo e dos socialistas, parece haver o convencimento de que a saída para o aeroporto foi airosa. O executivo deixa de estar pressionado politicamente com a OTA. A bola vai passar para o Laboratório Nacional de Engenharia Civil e o PSD não deverá ter espaço de manobra para aceitará a decisão desta prestigiada instituição. Ou seja, se a escolha for pela OTA, tudo o que os social-democratas disseram desta localização, lesiva para o interesse nacional, parece ficar esquecido. Cavaco também deverá calar-se. Não deixará, porém, de ser estranho que uma entidade técnica acabe por tomar uma decisão vital, de carácter político.
É verdade que se o LNEC decidir pela OTA, o governo vê reafirmada a sua opção. No entanto, tal poderá ser uma vitória de Pirro. Um governo que sempre fez gala de decidir, no interesse geral, pode acabar por ficar nas mãos de uma instituição técnica. Ora isto pode vir a ter um alto preço político. O governo pode vir a ser acusado de, pelo facto de não ter sabido tratar politicamente o dossier do novo aeroporto, centrando desde muito cedo as atenções numa só localização e não sabendo transmitir da melhor maneira os estudos já realizados, ter dado margem a que os técnicos decidissem uma questão eminentemente política. É, aliás, por aqui, que Cavaco Silva, sem poder afrontar o LNEC pode aproveitar uma “aberta” para voltar a colocar o governo em xeque na questão do aeroporto.
Neste longo processo sobre a localização do novo aeroporto há muitos enigmas. Cavaco Silva também tem muito que explicar. No tempo em que era primeiro-ministro, Cavaco teve que tomar duas importantes decisões em matéria de obras públicas e tomou-as, na localização da ponte Vasco da Gama e na Barragem do Alqueva. Sem grandes dúvidas, nem debates, nem rebuliços com grupos de interesses. Hoje, as dúvidas e receios que levanta com a construção do novo aeroporto não encaixam bem no passado político de Cavaco, com tudo exposto e confessado, aliás, pela própria caneta na sua “Autobiografia política” (ed. Círculo de Leitores), tal como o SEMANÁRIO recordou na semana passada. A localização da ponte Vasco da Gama foi aprovada formalmente em Conselho de Ministros. Já o Alqueva, segundo o próprio, foi uma decisão pessoal sua, assumindo todas as responsabilidades para o futuro. Não deixa até de poder parecer contraditório, o facto de Cavaco querer resultados económicos e estar tão receoso com os milhares que vão ser gastos. Como o Presidente da República bem sabe, num país com graves problemas estruturais como Portugal, os indíces positivos mais rápidos são conseguidos à custa de grandes investimentos públicos que depois induzem o crescimento do emprego, do consumo e do rendimento.

O que quer Cavaco?

Mas o quer, realmente, Cavaco Silva? Há cada vez mais dados contraditórios. O discurso de Ano Novo foi “perigoso” para o governo, o do 10 de Junho também. Já o manifesto que assinalou o seu primeiro ano, elaborado em Março passado, foi bastante simpático para o executivo, voltando a bater na tecla da cooperação estratégica, da confiança e lealdade e do respeito pelos poderes de cada órgão de soberania. Mas ao mesmo tempo que lembra que não tem poderes executivos, Cavaco deixou-se envolver a fundo no processo do novo aeroporto, que faz parte das competências do governo. Até no campo da doutrina que enforma acção de Cavaco, há dados que dão que pensar. Joaquim Aguiar, assessor político de Belém, no seu livro “O Fim das Ilusões, Ilusões do Fim”, escreve que “quando a relação entre o Presidente da República e o primeiro-ministro é de tipo conflitual, com hostilidade expressa ou com mera cooperação passiva, tanto o eleitorado como os grupos organizados, que dependem da continuidade da trajectória política porque foi nesse quadro que estabeleceram as suas expectativas, utilizaram essas divergências no topo das instituições para impedirem qualquer mudança, referenciando-se a um ou a outro conforme as circunstâncias, mas sempre com o objectivo de impedir a adopção de políticas de mudança.”. Ora, o que se está a passar com o dossier do novo aeroporto parece estar, precisamente, a aumentar o poder dos grupos de interesse, referenciando-se ora a Cavaco, no caso da defesa de Alcochete, ora a Sócrates e ao governo, no caso da defesa da Ota.
O que aconteceu esta semana, com o presidente da CIP, Francisco Vanzeller a entregar o dossier Alcochete a Cavaco é, aliás, muito curioso. Por muito menos, quando Soares fazia reuniões conspiratórias que desgastavam o governo, o então primeiro-ministro Cavaco Silva ia aos arames. Os factos são tão estranhos que há quem ponha a hipótese de uma nova convergência entre Cavaco e Sócrates para desatar o nó Górdio da Ota. Sócrates estaria, então, ao corrente de tudo, das reuniões do grupo de Alcochete, do dossier, da eminência parda do ambiente, Carlos Borrego, como peça essencial e, sobretudo, da recepção de Cavaco a Vanzeller. Este cenário, animador para o executivo, não joga, porém, com o discurso de Cavaco do 10 de Junho dos “fracos resultados”. económicos. Há, assim, quem defenda, que os sinais de crise institucional são mesmo reais e que Sócrates também sabe disso mas que está a fingir que não sabe, à procura de melhores momentos para reagir.