2025/11/12

Annan apresenta propostas de reforma da ONU

Kofi Annan apresentou esta semana um relatório contendo várias propostas para reformar e revitalizar a ONU. Pela primeira vez, em 60 anos, aquela organização é confrontada com uma iniciativa deste género. Uma das medidas apresentadas pelo secretário-geral consigna o alargamento do Conselho de Segurança de 15 para 24 Estados, porém, os cinco países com assento permanente manterão o direito de veto. Entre muitas propostas, Annan pretende igualmente dar um novo impulso à Declaração do Milénio.

O secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, apresentou no início desta semana o tão esperado relatório contendo propostas para reformar e revitalizar uma organização, cujo o seu modelo permanece imutável desde a sua criação. Assim sendo, e pela primeira vez em 60 anos de existência, a ONU é confrontada com um amplo programa de reformas que visa cimentar o “multilateralismo e segurança efectivas”, e criar instrumentos que possibilitem a concretização dos objectivos propostos pela Declaração do Milénio em 2015.

Baseado no Projecto Milénio e nas conclusões do Grupo de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudanças, Annan divulgou, perante a Assembleia Geral, um vasto conjunto de propostas que permita atribuir maior relevância à ONU num sistema internacional que pouco ou nada tem em comum com aquele que se verificava aquando da sua criação. Constatando-se nos últimos anos um desgaste evidente das Nações Unidas, Annan considera que os líderes mundiais estão perante uma “oportunidade histórica”, se decidirem adoptar as medidas propostas do documento “Em maior liberdade: para desenvolvimento, segurança e direitos humanos para todos”. Os 191 Estados com assento na ONU irão discutir esta proposta na Assembleia Geral no próximo mês de Setembro, em Nova Iorque, tendo, por isso, seis meses para analisar o seu conteúdo e harmonizarem posições.

O documento elaborado por Annan visa, sobretudo, duas grandes áreas de intervenção: “fortalecer o sistema de segurança colectiva” e “produzir um plano de acção para alcançarem-se os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio”. Quanto ao primeiro ponto, o secretário-geral pediu ajuda aos 16 membros do Grupo de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudanças – também conhecido como o “grupo dos sábios” -, tendo o segundo tema ficado a cargo dos 250 membros do Projecto Milénio.

Partindo do princípio que “existem todas as condições” para “tornar as pessoas de todo o lado mais seguras, mais prósperas e mais predispostas a usufruir dos seus direitos fundamentais”, Annan voltou a apelar a uma “parceria global”, que enfrente os desafios emergentes de modo a revitalizar a Declaração do Milénio. O 11 de Setembro e a constatação do terrorismo internacional como fenómeno das relações internacionais levou a que Annan dimensionasse o seu relatório para as questões da liberdade, desenvolvimento e segurança.

No documento em questão é feito um balanço dos últimos cincos anos de vigência da Declaração do Milénio, no entanto, são as propostas em torno das reformas da ONU que despertam maior interesse. Destas, sem dúvida que a que gera maior celeuma é a reforma do Conselho de Segurança, há muito um tema em discussão. Annan subscreve as recomendações do “grupo dos sábios”, que defendem o alargamento daquele órgão de 15 para 24 membros. Os actuais cinco membros do Conselho Permanente manteriam o direito de veto. Pretende-se ainda transformar a Comissão dos Direitos Humanos numa espécie de Conselho de Segurança, onde as decisões passem a ter carácter vinculativo.

Sobre a questão do terrorismo, Annan exortou os Estados a adoptarem os cinco pilares por ele defendidos: dissuadir os povos a recorrerem ou apoiarem o terrorismo; negar fundos e materiais aos terroristas; deter os Estados patrocinadores do terrorismo; desenvolverem-se capacidades estatais de defesa; defender os direitos humanos. Este último pilar pressupõe claramente um respeito pelo direito internacional, algo que nem sempre tem acontecido no âmbito da guerra ao terrorismo.

Agenda de Barroso alimenta esperanças de um “boom” tecnológico

Com um perfil focado no crescimento, criação de emprego e inovação tecnológica, o plano de Barroso parece ser “genuíno” refere Laura D’Andrea Tyson, na “BusinessWeek”.

José Manuel Barroso tem sido criticado por uns e elogiado por outros. Nas páginas do SEMANÁRIO, sublinhavam-se recentemente os reparos feitos por um colunista do “Financial Times”, que denunciava o carácter “intergovernamentalista” do presidente da Comissão, acusando-o de estar a descurar a componente supranacional da União Europeia, ao centrar os objectivos estratégicos do seu mandato na redefinição da Agenda Lisboa. Para Wolfgang Munchau, Barroso definiu mal as prioridades ao optar por um instrumento – cuja a sua validade não é colocada em causa – que depende única e exclusivamente dos Estados-membros.

Ainda segundo este colunista, a missão de Barroso está inevitavelmente condenada ao fracasso perante as incompatibilidades e interesses dos vários países, que impedirão qualquer adopção de reformas para a implementação da Agenda de Lisboa.

Mas, a verdade é que a opção feita por Barroso, visando a revitalização da economia europeia, como meio de criar 6 milhões de empregos até 2010, parece ser a única forma de se aprofundarem posteriormente as áreas sociais e ambientais. No entanto, segundo o presidente da Comissão é necessário fomentar o investimento e desenvolvimento tecnológicos para colocar o crescimento económico europeu nos índices de, pelo menos, 3 por cento ao ano. Nem que para isso se secundarizem, para já, algumas políticas sociais e ambientais.

Ora, à primeira vista esta pode parecer uma medida pouco atractiva, mas que é efectivamente premente. Visto que sem um desenvolvimento económico robusto a União Europeia não consegue sustentar de forma eficaz outras políticas. Além do mais, o desemprego é um dos principais problemas que preocupam os europeus.

Assim sendo, a agenda programática da Comissão para os próximos cinco anos pode ser um bom instrumento para a União Europeia reforçar o seu motor económico. Com um perfil focado no crescimento, criação de emprego e inovação tecnológica, o plano de Barroso parece ser “genuíno” refere Laura D’Andrea Tyson, na “BusinessWeek”. “Depois de uma década de desapontamento na perfomance económica, está a Europa equilibrada para um ressalto sustentável? Existem razões para se pensar que sim.”

De acordo com Tyson, a questão da produtividade na Europa não está assim tão mal como se julga. Atente-se que no seio dos Quinze os índices de produção por cada hora são ligeiramente inferiores aos dos Estados Unidos. Entre 1995 e 2004, segundo dados do “Conference Board”, as taxas de produtividade entre os dois lados do Atlântico diferem apenas um por cento – 2,5 por cento nos Estados Unidos e 1,5 por cento na Europa ao ano. Nos casos particulares da Áustria, França e Suécia os valores estão próximos dos americanos.

Perante este cenário, Tyson acredita que as medidas apresentadas por Barroso podem ser aplicadas numa base que está solidificada. A acrescer a isto, aquela especialista defende que as reformas que estão a ser feitas na Alemanha vão, certamente, ter custos elevados nos próximos, mas que a médio e a longo prazo vão contribuir beneficamente para a redução de custos laborais e das restrições do mercado de trabalho.

A própria adesão dos dez novos Estados veio fazer com as empresas da União investissem mais em tecnologias de informação e comunicação para fazer face aos desafios vindouros. A necessidade de adaptação a uma nova realidade e a valorização do euro está a “obrigar” as companhias europeias a focarem-se na produtividade e na redução de custos dos investimentos adicionais. Por isso, os economistas da Morgan Stanley prevêem que a Europa possa estar perante o início de uma nova onda de produtividade, tal como aquela que assolou os Estados Unidos há uns anos com o “boom” do mercado das tecnologias de informação.

“O mais importante que a Comissão Europeia pode fazer para aumentar a produtividade é acelerar a desregulamentação do mercado, especialmente nas áreas das telecomunicações, serviços e negócios”, escreve Laura D’Andrea Tyson. Esta lógica assume contornos importantes, uma vez que a Europa ainda é regida por regimes de regulamentação nacional que, por vezes, criam barreiras à expansão de actores económicos.

Indecisos decidem legislativas

Conquistar os indecisos, numa derradeira corrida final, captar algum volume do eleitorado que até ontem se confessava abstencionista, manter a fidelização dos eleitores do PSD de há três anos, são os três objectivos definidos para as derradeiras manifestações de campanha do PSD.

Conquistar os indecisos, numa derradeira corrida final, captar algum volume do eleitorado que até ontem se confessava abstencionista, manter a fidelização dos eleitores do PSD de há três anos, são os três objectivos definidos para as derradeiras manifestações de campanha do PSD. Santana Lopes recebeu o apoio de Balsemão e a promessa de voto, no PSD de Pacheco Pereira. As últimas horas, dinamizou-se um sentimento de unidade dos social democratas.
A campanha eleitoral esteve centrada nos líderes partidários, obscurecendo, com isso, as actividades dos outros dirigentes, sobretudo dos que são cabeças de lista nos diversos distritos. Há uma campanha intensa que não foi mediatizada a nível nacional, embora o tivesse sido nos meios de comunicação, através da imprensa e das rádios locais. Em quase todos os distritos houve debates acesos e controversos entre os cabeças de lista. “Não é fácil medir o efeito nos eleitores dessas acções de campanha, uma vez que as atenções ficaram polarizadas nas lideranças, vamos aguardar” – disse ao SEMANÀRIO um dos mais importantes dirigentes social democratas.
Não é possível dar notícia do comício de ontem à noite no Pavilhão Atlântico, com que o PSD encerra as manifestações de massas no distrito de Lisboa e sobre o qual se geraram durante a tarde muitas expectativas. “É a cabeça do Miguel Relvas – secretário geral e cabeça de lista por Santarém – que está em jogo” comentava alguém com responsabilidades na direcção do PSD
Aposta eventualmente ganha, a acreditar na capacidade de mobilização que os social democratas demonstraram na campanha e que os leva a dizer que não houve nenhuma iniciativa falhada, de todas aquelas em que interveio Pedro Santana Lopes. Que efeitos pode ter no eleitorado os últimos passos deste mal amado líder social democrata e até agora com um breve e controverso consulado como Chefe do Governo?
A pergunta tem justificação e as respostas concretas só se poderão interpretar depois de fechadas as urnas e contados os votos.
” O que está em cima da mesa é tudo e é tanto, neste exacto momento, em que todas as contas são possíveis, em que é útil e necessário afrontar as sondagens, quase todas desfavoráveis e apontando para da derrota do PSD e para a vitória relativa do PS”. Esta afirmação, de um membro da Comissão Permanente, é justificada pela percepção e pelos estudos constantes da evolução do sentido de voto dos eleitores, a poucas horas do encerramento da campanha: Segundo a mesma fonte, na quinta feira de manhã, “O número de indecisos e de abstencionistas ronda entre os 43 e os 45% e com estes números, se forem verdadeiros, as contas estão todas em aberto e as derradeiras sondagens devem ser particularmente cautelosas na distribuição pelas forças concorrentes dessa enorme e poderosa fatia do eleitorado”. E num tom de voz mais baixo, quase ciciado: “O PSD tem dito muitas vezes ao longo desta campanha que as sondagens dos últimos dias têm sido frequentemente desmentidas nas urnas”, embora reconhecesse que, no que diz respeito ás legislativas, “a fiabilidade tem sido razoável”.
Nos últimos dias, a liderança do PSD conseguiu juntar à sua volta personalidades conhecidas. Pinto Balsemão, militante nº 1 foi muito claro, não utilizou subterfúgios ou meias tintas. “Vou votar no PSD, a hora é de unidade”. Mais sinuoso foi um dos carrascos internos dos social democratas em relação a Santana Lopes: Compreende os que não querem votar no PSD e no seu candidato a primeiro ministro, mas ele, Pacheco Pereira, assumiu, como se pode ler no Público de ontem, “um argumento ingénuo nestes tempos de cinismo: Voto no PSD para ter apenas uma legitimidade, a de poder contribuir para a sua mudança depois do dia 20 de Fevereiro”.
É uma atitude “que não chega a ser presente envenenado” – comentou uma fonte próxima de Santana Lopes – oxalá toda a gente fizesse o mesmo, aliás como pediu o líder, porque se houvesse uma absoluta fidelização dos votos de 2002, o PSD seria o partido mais votado”…

Alguns casos particulares

Muitos observadores notaram as ausências de José Luís Arnaut e de Nuno Morais Sarmento atribuindo-lhes um resguardo político durante a campanha que “efectivamente não tiveram”, como nos disseram fontes próximas de ambos. E explicaram: “O Dr Josér Luís Arnaut viveu praticamente as últimas semanas
no distrito de Viseu, uma herança que recebeu de Durão Barroso e que tem tratado com todo o desvelo, esperando obter, como aconteceu há três anos, os melhores resultados possíveis para o PSD. Calcorreou, com vagar todo o distrito, concelho a concelho e a quase totalidade das freguesias, numa campanha porta a porta. Foi recebendo apoios, ao longo de algumas fases da campanha de dirigentes como Dias Loureiro, António Mexia e Nuno Morais Sarmento. Que culpa tem disso não ter tido visibilidade, salvo quando Santana Lopes foi ao comício de Viseu?..”
Alguma expectativa existe no PSD em relação ao distrito do Porto Aguiar Branco fez uma campanha mobilizadora e “foi até surpreendente a aceitação na campanha de Rui Rio”, que teve “um bom teste no sentido de ponderar uma cada vez mais provável recandidatura à Câmara”. O actual ministro da Justiça é um homem do Porto, foi até elogiado por um adversário político, “não é impossível aguentar o eleitorado de há 3 anos no distrito do Porto”, opinião de uma fonte próxima da distrital laranja.
Outro foco de atenção diz respeito a Castelo Branco, onde o cabeça de lista e vice-presidente do PSD, Nuno Morais Sarmento deu nas vistas na abertura da campanha, por ter sido nessa cidade o comício inaugural. Depois nunca mais ninguém ouviu falar dele, mas a verdade “é que residiu praticamente o tempo todo no distrito nas últimas semanas e foi um crítico implacável, persistente e eficaz do cabeça de lista socialista – um ausente presente, chamado José Sócrates”. Sarmento não teve um minuto de descanso, subiu e desceu serras, foi aos concelhos e às freguesias, participou em debates e andou nas ruas. “Não pode ser acusado de falta de combatividade política e até encontro espaço para ajudar a campanha fora do seu círculo eleitoral”.
Nos círculos mais pequenos, a “guerra dos votos” é mais acentuada. “Duarte Lima que feito vai ter o seu regresso à vida política, como cabeça de lista em Bragança?. Ganhou uma aposta. Recolheu o apoio de Miguel Cadilhe que é um dos homens que estará em foco a partir de segunda feira no caso de uma copiosa derrota eleitoral do PSD”
As últimas sondagens variam entre a ausência de maioria absoluta e a sua obtenção pelo PS. Há controvérsia em todas elas na distribuição e ponderação dos indecisos e dos abstencionistas. Os últimos trunfos eleitorais estão agora a ser jogados. Não é possível avaliar se os dados lançados estão todos na conformidade daquilo que se diz ser a vontade dos eleitores. Surpresas? Veremos. Talvez sim ou talvez não. O que faltará, provavelmente é o indispensável sentido da estabilidade, mas não é esse provavelmente a mola real dos eleitores, mas antes decidirem-se por escolhas do tipo quem será o mal menor…

O sistema merece um sustopor Jorge Ferreira

O caso do PS é ainda mais ridículo. Manuel Pinho só foi visto no golfe, talvez em Espinho…

A campanha eleitoral que hoje termina provou que o sistema merece um susto. Depois de um pesadelo PSD/CDS, que durou quatro meses, depois de uma campanha lamentavelmente vazia, oca e superficial do PS, e depois da tentativa de branqueamento do CDS, fazendo de conta que não esteve no Governo nos últimos três anos, é caso para dizer que o sistema merece um susto.
E qual é o susto? É um voto atípico que ponha em causa o Establishment partidário do costume. Os partidos tradicionais estão instalados e prisioneiros de interesses e clientelas. Perderam a alma reformista. Resta-lhes a preguiça conformista. Com o país a viver cada vez pior.
É sintomático o exemplo dos candidatos do PS e do CDS por Aveiro, círculo eleitoral onde concorro como cabeça de lista da Nova Democracia. O exemplo dado por estas duas pessoas revela o grau de degradação a que chegou o sistema político e a relação de representação entre os cidadãos e os deputados.
A história de Paulo Portas é simples de contar. Vai a Aveiro de quatro em quatro anos pedir votos. Aos amigos das feiras, que visitava com espavento, já não lhes fala. Aos jornalistas que outrora bajulava, ignora-os. Ao eleitorado, a quem fazia juras de firmeza e combatividade, colocou-o como elemento de mera encenação de raides cheios de seguranças só para o boneco do telejornal. Já não se atreve a sair à rua. Já não consegue passear numa feira sem arriscar umas partidas de Carnaval de eleitores ou de antigos combatentes menos compreensivos, como lhe aconteceu em Vale de Cambra.
O caso do PS é ainda mais ridículo. Manuel Pinho só foi visto no golfe, talvez em Espinho… e nas salas dos conselhos de administração de algumas empresas do distrito. Manifestamente não sabe, nem quer saber nada de Aveiro e dos seus problemas. A revolta grassa no próprio PS. A debates faltou a todos, alegando o mau exemplo de Paulo Portas, que também não se atreveu a ir a nenhum. Além de pára-quedista, é um candidato fantasma, a que só o sistema eleitoral português salva de uma humilhação eleitoral mais do que justa.
Se a democracia portuguesa tivesse regras justas e sadias estes dois homens eram punidos eleitoralmente por deserção política. Mas provavelmente, serão eleitos, no anonimato de uma lista partidária. Os partidos do sistema, além de governarem mal, arrogam-se o privilégio de ignorar quem neles querem que vote. Precisam de um valente susto. Eu vou fazer a minha parte, votando na Nova Democracia

Brrrrrr… vem aí a maioria absoluta do PS por Paulo Gaião

A seguir ao voto em Soares em 86, o voto com maioria absoluta em Sócrates pode ser o segundo grande fenómeno de voto com a cara tapada em Portugal

O voto de domingo promete ser o mais racional de sempre, com Sócrates na hora certa e no momento certo para vencer com maioria. O eleitorado, que tem sido inteligente a votar, desde que votou pela primeira vez em 1975, já deve ter percebido há muito que se fosse pelos méritos de Santana e Sócrates não votava. Mas, inteligente que é ( como o foi ao votar PS em 75 e 76, Eanes em 80, PRD em 85, Cavaco em 85, 87 e 89, Soares em 86, Guterres em 95, Santana em Lisboa/2001e até, com alguma benevolência, Sampaio em 96) o eleitorado pode votar no domingo, essencialmente, por razões de lógica, raciocínio e estratégia no PS, tapando a cara ao engenheiro Sócrates mas votando, real e estrondosamente, socialista. Pode ser, pois, o segundo grande fenómeno de voto com a cara tapada em Portugal, depois de Cunhal ter criado esta forma de voto em Mário Soares para Belém. Desta vez, a única diferença, é que o eleitorado está, espontâneamente, preparado para votar com palas, ultra-defendido para não cair em tentações desviantes, quer à esquerda, quer à direita, e entregar-se nas mãos do PS. Certamente que não vai ser feliz mas pode vir a ter algum descanso e estabilidade, deixando de andar com o coração apertado e os bofes de fora por causa da política.
Quais as razões deste voto, sem dúvida pouco saudável, mas parece que necessário? Votando, essencialmente para ser (e deixar-se ser) governado, o eleitorado livra-se do comportamento errático de Santana e do casamento instável entre Santana e Portas, votando, no fundo, por uma questão de instinto de sobrevivência, mesmo de estado de necessidade. Quase se entregando nas mãos de uma maioria absoluta do PS, como, em 1926, os portugueses de então se entregaram nas mãos de uma ditadura que não era uma forma curial de governo mas representava uma esperança depois de anos e anos de instabilidade na I República. Como a democracia não permite golpes de Estados, a maioria absoluta do PS pode ser a forma possível e sucedânea de um “putsh”. Em termos mais comezinhos, o eleitorado vai votar em Sócrates como se vota numa administração de condomínio, uma coisa que já de si é chata e ainda mais quando a administração cessante nem as luzes fundidas da escada sabia substituir.
O eleitorado tem a consciência que chegou ao fim da estrada. Daí que possa estar mesmo preparado para, no próximo domingo, engolir coisas que de outra forma não engoliria. Designadamente, as intimidações de Mário Soares de que os portugueses não serão responsáveis se não derem uma maioria absoluta ao PS e, claro, engolir Sócrates com as suas palmoadas cada vez mais irritantes, de que os seus adversários são deprimentes, de que são ridículos, de que tudo é um disparate pegado (assim mesmo), de que ele é o super-Sócrates e os outros são uma cambada de burros. O povo detesta estas volúpias de carácter (não passou despercebido que Sócrates tivesse interrompido o debilitado Jerónimo de Sousa, que pouco tinha aberto a boca, no debate da RTP) e estas manias virtuosas de que está acima dos outros. Dói que se farta na alma, ainda por cima porque deve haver consciência de que estes ares superiores vão aumentar no governo, mas não adianta questionar. O que tem que ser tem muita força. E há sempre pequenos lenitivos para disfarçar a amargura, processos que se criam para nos enganarmos ali, nos iludirmos acolá, autênticos mecanismos de defesa. É possível que, no domingo, muitos portugueses que votam PS construam o seu voto na base de um processo racional deste género, que os visa proteger e encerra em si um pensamento estratégico: o PS governou mal em 2001 mas pode ter governado pior porque governou sem maioria absoluta. O facto de o país ter chegado a um estado em que parece condenado a apostar, favorece Sócrates, como produto novo, e prejudica Santana e Portas, que foram poder e não funcionaram como deveriam ter funcionado. Tudo tem um preço. E o preço a pagar a 20 de Fevereiro, também pelo PP, pode ser o de a direita ser ainda mais penalizada do que o foi nas europeias do ano passado. O povo pode não admitir (não esquecendo, nem perdoando) a rábula ou a peça da vida real (para o caso pouco interessa) que Santana e Portas fizeram no último Outono, zangando-se, reconciliando-se, falando em irem separados às urnas. Na altura, pareceram óbvios os riscos destas atitudes, não se percebendo como é que dois partidos no governo, ainda com um horizonte de dois anos pela frente, podiam andar nestas cogitações, geradoras de preocupações no país e em Belém. Hoje, quando Santana repete que lhe interromperam a legislatura, a lembrança desta instabilidade na coligação é ainda mais negra. Depois, há outro aspecto onde o discurso do PS faz todo o sentido e que pode encaixar que nem uma luva nas linhas com que se cose o eleitorado. Não é só Santana e Portas quem estão a ser julgados a 20 de Fevereiro mas também Durão Barroso, o discurso da tanga, a política de Ferreira Leite, o beco sem saída a que Durão conduziu o país e que está, aliás, na origem do voto humilhante recebido nas europeias de Junho, mais um voto inteligente exercido pelo povo. Por último, o facto de o Parlamento não pode ser dissolvido durante quase dois anos é mais um dado que deverá induzir o eleitorado a votar, forçosamente, Sócrates. Há quem refira que o eleitorado não se rege por vissitudes político-constitucionais. Mas o que interessa é a ideia simples, mais ou menos percebida, que fica de que o país pode ficar ingovernável sem uma maioria absoluta. Fosse do PS ou do PSD. O eleitorado é inteligente mas pensa simples e não gosta de coisas sofisticadas. Esta, talvez, a explicação, para que aquilo que fosse desejável acontecer no próximo domingo, um estrondoso voto contra o sistema, através da abstenção, do voto branco ou do voto nulo, não possa ter lugar. E talvez até seja bom que não aconteça, no fundo com o eleitorado a dar aqui lições da arte de governar a comentaristas que vivem na estratosfera. Percebem-se, porém, as razões invocadas por Agustina Bessa Luís para votar Santana. Como, voltando à metáfora comezinha da administração de condomínio, se percebe que toda a gente simpática do burgo preferisse ter Santana Lopes como vizinho do que José Sócrates (uma pergunta que as sondagens não fizeram). Só que, muitas vezes, não é possível conciliar o útil e o agradável e, perante isto, não vale a pena perder tempo com quimeras do desejo.

A estratégia não ajuda.

Quando Santana Lopes e Paulo Portas acentuam que José Sócrates pode ficar refém do BE e do PCP depois das eleições do próximo domingo podem estar a cometer o erro estratégico de levar os indecisos a votarem no PS, exactamente para que o país possa ser governado, sem condições e sem estigmas, ora porque o BE é contra a NATO, ora porque o PCP é contra a Europa. Ainda por cima, outro erro estratégico, agora da parte do Bloco, pode também favorecer o PS. Quando Francisco Louçã repete que nunca irá para o governo com o PS, pode estar a levar muito votante à esquerda dos socialistas a votar útil em José Sócrates.