2025/11/10

A República em crise

Perseguição de banqueiros e empresários, um milhão de processos do Fisco, desordem na magistratura, insubordinação de polícias, ameaças de militares – a Terceira República está em crise. Será a restauração da monarquia a solução? Ou ainda se vai passar por muscular a democracia com o reforço dos poderes presidenciais do Presidente da República? Toda
a história de uma “conspiração em marcha”…

A República, aparentemente, não consegue responder às necessidades dos cidadãos. O próprio Estado tornou-se a maior ameaça aos direitos do homem. A perversão da justiça e do Processo Penal resulta no linchamento popular e mediático dos arguidos, antes mesmo da formulação da culpa. Processos de escândalo nacional resultam na inexistência de penas. Antes mesmo de alguém ter sido condenado por corrupção desportiva, já o PSD está a pedir o aumento das penas. O Estado levantou nos últimos meses uns milhões de processos fiscais, ou seja, cerca de 20% da população activa está a contas com a justiça. A denúncia e a chantagem são armas de arremesso na vida privada, nas empresas, na Administração Pública e no futebol. Os maiores bancos são objectos de busca sem mandatos. As principais empresas de construção civil são vasculhadas à procura de corruptos. Até os Cafés Delta (Nabeiro) de Campo Maior. Bate-se à direita e à esquerda. Para todos, a República não serve.
A República deixou de servir a classe dirigente e dominante, tornou-se a maior inimiga das classes empresariais e, sobretudo, da classe média, que ainda pode pagar impostos e sobretudo que legitimou desde a primeira hora o Golpe de Estado do 25 de Abril.
A República passou a ser perversa, com os poderes excepcionais de investigação das polícias sem controlo, dos magistrados sem responsabilidade e dos juízes, a quem não são imputadas as más sentenças.
Por outro lado, as reformas em nome das Finanças Públicas ameaçam direitos adquiridos, ameaçam funcionários públicos, polícias e militares, que protestam, ameaçam mesmo o poder instituído, a classe política desacreditada pelo processo Casa Pia e pelos comportamentos populistas dos últimos Governos. Pior, depois de um Cavaco Silva distante que marca um referendo (sobre a IVG) com a solenidade de um acto constitucional decisivo e “que apenas fala de números”, o País tem pela frente a possibilidade de vir a escolher para futuro Presidente da República Durão Barroso, Marcelo ou Santana.
Chegando aqui, a República deixou de fazer sentido. Depois de Cavaco Silva a fazer de monarca constitucional, servindo menos de moderador e mais de agente de estabilidade, só falava termos Santana, Marcelo ou Durão como presidentes, como se prefigura! – dirão os detractores da Terceira República. Esta passou a ser o problema, em vez da solução.

Até que alguém diga: Basta!

Políticos desacreditados, funcionários ofendidos, polícias e militares descontentes, empresários e banqueiros perseguidos, Ministério Público em roda livre e Fisco ao serviço do poder discricionário (não há justiça quando há um milhão de processos), a Terceira República falhou. Até a ficção dos reguladores passou a ser do domínio do discricionário, do arbitrário, como se vê pelas decisões da Autoridade da Concorrência. Não há leis claras, reina a burocracia e a corrupção!
E, parece não haver espaço para recuo: mesmo que ninguém seja condenado no caso Casa Pia, é evidente que a política ficou desacreditada. Mesmo que o Governo conseguisse refazer a confiança na Economia com medidas acertadas, o primeiro-ministro José Sócrates nunca terá poder para levar o Presidente da República a fazer uma generalizada amnistia para acabar com a perseguição “pidesca” do Estado contra os empresários, ou do Estado contra o futebol, num espectáculo miserável que diverte os medias. Pelo contrário. As respostas são no sentido da censura prévia à comunicação social – como pretende o projecto lei do Governo, em vez da regulação inteligente que garanta o direito ao bom nome das pessoas e a liberdade de expressão. Pelo contrário, o que António Costa fez quando foi ministro da Justiça de António Guterres foi consagrar poderes no Ministério Público – e, agora, tenta o mesmo nas polícias -, que conduziram a perversões como as escutas telefónicas – mais de 14 mil horas no caso da Casa Pia, ou as escutas em nome de denúncias anónimas (das quais cerca de 80%, alegadamente, teriam origem nas próprias polícias ou no Ministério Público, como tem denunciado Garcia Pereira), provocando a devassa e a violação dos direitos mais elementares dos cidadãos. Até Jorge Coelho viu a sua casa violada pela polícia, sem que depois disso ninguém tenha sido responsabilizado. (Aliás, as polícias podem hoje entrar na casa de suspeitos à noite, coisa que nem a PIDE do Estado Novo poderia fazer!)
A República que, com a adesão à União Europeia, quis resolver o problema de desenvolvimento e do crescimento económicos, que, com a nova Constituição, alargou os direitos e as garantias dos cidadãos, nos últimos dez anos, destruiu todo o acervo democrático da República e entrou em crise: a crise republicana está evidente na falta de respeito pelos cidadãos e seus direitos constitucionalmente consagrados, na criminalização de milhares de comportamentos – que, aliás, deviam ser apenas eticamente condenáveis -, nas perseguições policiais do Estado, do ambiente generalizado de abusos de poder por parte dos magistrados e dos juízes – que detêm cidadãos só para prestarem declarações e que ainda por cima permitem que se avisem as televisões, como aconteceu no caso “Portucale” a Luís Nobre Guedes, caso que meses depois foi arquivado, sem que ninguém fosse responsabilizado, ou no caso do Apito Dourado, onde parece óbvio que se pretende apurar tudo menos fazer justiça.
Explorando a inveja, a denúncia e o “voyeurismo” nacionais, o populismo dos últimos Governos e a acção do investimento espanhol em Portugal acabaram por criar nos media e na população o espaço vital para a crise desta República, mas também da própria Nação. Uma crise social que se transforma em crise política de identidade, porque desapareceram os elementos simbólicos aglutinadores e a consciência de uma história comum – afinal, a razão que provoca o desânimo dos portugueses e que nos faz capitular perante Espanha. A Terceira República está em crise… E o ambiente começa a ser propício para que alguém diga: “Basta!” Basta desta República…

O problema é político

A República não tem como se defender, aparentemente: mesmo com o ministro das Finanças a anunciar redução de impostos para 2009, mesmo com a API a fechar mais de três mil milhões de euros em novo investimento, o certo é que o País continua a divergir da média europeia e que Portugal é o maior perdedor do alargamento da União Europeia e não tem conseguido resistir à deslocalização das indústrias e do capital.
Tudo ingredientes que estiveram presentes no final da Monarquia: o musculamento da democracia, na altura com a ditadura de João Franco, a crise financeira, com o País endividado e com os empresários cercados pelo Estado. Por isso a burguesia, os empresários, mas também os conservadores e os progressistas todos estiveram de acordo em derrubar, finalmente, a Monarquia Constitucional.
Agora, é a vez da República aparecer aos olhos dos cidadãos, das elites, dos empresários dos professores, dos militares, dos cultos e dos caciques provinciais, como razão de todos os males, como sistema desacreditado, com políticos menores e sem sentido de responsabilidade.
A última das proclamações seria mesmo Manuel Alegre, quando apresentou a biografia sobre D. Duarte Pio e a Democracia editado pela Bertrand, a fazê-la: já é tempo do País se pronunciar no referendo sobre a forma de Governo: República ou Monarquia!
Uma biografia séria, muito séria mesmo, em que metade do livro é a apresentação de documentos autênticos, que prova a legitimidade do duque de Bragança, como pretendente ao trono do Reino de Portugal, ele, cujos pais reconciliaram os dois ramos dos Bragança (miguelistas e liberais) e que, com o casamento com D.ª Isabel de Herédia, se reconciliou também com a aristocracia golpista.

Provocação ou golpe?

Não há mais espaço para haver golpes de Estado e muito menos revoluções. Aliás, a passagem da República à Monarquia, tal como aconteceu em Espanha depois de Franco, a acontecer em Portugal depois de Cavaco Silva, nunca seria uma revolução, no sentido marxista do termo, porquanto num e noutro regime sempre se está perante o mesmo grupo dominante e a mesma classe social dirigente.
Subitamente, o País parece incomodado e já não é só com a agenda reformista de José Sócrates. Parece que, aproveitando o vazio da transição de poderes na Procuradoria-Geral da República e à margem do novo procurador-geral, uma agenda secreta se colocou em marcha para atacar todos os poderes fácticos, todos os empresários e a elite dirigente, da banca aos cafés, da construção aos restaurantes, do têxtil e ao calçado, a grandes e pequenos, para que todos possam dizer a uma só voz: Basta! A República deixou de servir os cidadãos e passou a perseguir.
A República deixou de ser o governo dos cidadãos e da participação para ser o Regime da discricionaridade, da falta de transparência e da perseguição que destrói a economia e a vontade de ser uma nação.
Ainda por cima, os próximos anos serão difíceis: a discussão do aprofundamento da União Europeia obriga, naturalmente, ao reforço dos elementos simbólicos na Nação. E, nesse particular, a República não tem dado os melhores exemplos e a própria intervenção da mulher do Presidente da República – numa entrevista à “Visão” – contra a direita e o centro-direita que elegeu o seu marido – parece não ter ajudado.
Para a História fica como relevante que entre a República e o Conselho de D. Duarte há uma figura tutelar, uma espécie de condestável: Rocha Vieira, o homem forte da candidatura de Cavaco Silva a Belém e cujo depoimento na biografia de D. Duarte é da maior relevância.
Para a História ficará que tudo se passa na semana em que os coronéis disseram basta, mesmo nos “Prós e Contra”, da RTP, na mesma altura em que “militarmente”, na Procuradoria, os processos parecem atingir alvos poderosos, a margem do poder republicano que nomeou Pinto Monteiro.
Haverá um planeamento por detrás disto? – A pergunta faz sentido, dada a qualidade da rápida desmontagem da República, dado o acelerado descrédito das instituições e, sobretudo, do cirúrgico ataque aos interesses e à base social de apoio do próprio regime republicano.
A “intelligence”, claramente, estará atenta ao que se passa. Mas, o certo é que a imagem de D. Duarte e da Monarquia democrática está a fazer o seu caminho. Seriamente, como se fosse um livro de Natal, numa entrevista a Maria João Avillez, num aparecimento público da família real.
D. Duarte legitimado, por um cavaquismo sem sucessor, por uma República que não o soube ser, mas que, como instinto de sobrevivência da classe dominante, saberia fazer uma transição democrática para a Monarquia, evitando ver Marcelo, Santana ou Barroso em Belém,
Com Cavaco Silva cumprir-se-ia a sina dos presidentes algarvios que dão cabo dos Regimes, como aconteceu com Teixeira Lopes, também algarvio, sério, deprimido e que não chegou ao fim do seu mandato, renunciando antes do final da Primeira República.

Referendo em 2010?

Quando? Conspiração ou não, a República tem a sua data: comemora cem anos a 5 de Outubro de 2010. Uma data suficientemente longínqua para preparar o lado monárquico, sem pressas, como parecem querer alguns republicanos avisados. Com tempo de tornar evidente que o Regime republicano faliu, afundado em dívidas, incompetência e, sobretudo, desordem. Porque a República se virou contra o cidadão comum e ameaçou a própria Nação. Porque a República não é melhor que nomear o anticlerical e ex-comunista Vital Moreira para organizar o seu centenário jacobino.
Será uma conspiração?
… É que a alternativa será sempre contra os direitos dos cidadãos confiscados, contra a desordem na magistratura e os militares insubordinados, o reforço dos poderes do Presidente da República, como De Gaulle exigiu quando fundou a V República.
Como dizia António Sérgio: “Monarquia… República… Oh, a balbúrdia ignóbil dos mitos que nada exprimem!”

Jardim “abriu a alma” a Cavaco

O sítio da Presidência da República, na parte onde refere as audiências de Cavaco Silva, raramente terá sido tão seco na divulgação de uma informação. Título: Presidente da República recebeu o presidente do Governo Regional da Madeira. Teor da notícia: “O Presidente da República recebeu, em audiência, o presidente do Governo Regional da Madeira, Dr. Alberto João Jardim.”

Apesar das limitações informativas, o encontro terá sido uma das mais importantes audiências do novo Presidente da República depois de ter tomado posse. É que, como pano de fundo, está, tal como o SEMANÁRIO referiu há uma semana, a possibilidade de eclodir uma crise política com epicentro na Região Autónoma da Madeira, por causa da nova Lei de Finanças Locais. E se houver crise, obviamente que Cavaco Silva terá de “meter a mão na massa”, pela primeira vez desde que está em Belém. E por isso, ouviu Jardim, que lhe abriu a alma, ou seja, que o pôs ao corrente dos pontos de vista políticos e financeiros que norteiam a estratégia do actual governo regional madeirense.
Ao contrário do que tem sucedido noutras ocasiões, a pequenina notícia, inserta no sítio da Presidência da República, não explica de quem foi a iniciativa da audiência. Tanto assim que, ontem, dois jornais diários de referência, um dizia uma coisa – que Jardim tinha sido chamado a Lisboa por Cavaco Silva – e outro tinha uma versão diferente, isto é, de que tinha sido o dirigente madeirense a solicitar o encontro com o Presidente. O SEMANÁRIO indagou os serviços de imprensa do Palácio de Belém, que responderam do seguinte modo: “A audiência foi pedida por Alberto João Jardim, há já algum tempo, só se realizou agora, por ter havido a necessidade de compatibilizar as respectivas agendas.” Não havendo razões para duvidar da informação, anota-se apenas que a mesma ocorreu menos depois de uma semana após o SEMANÁRIO ter publicado, como tema de capa, a possibilidade de serem desencadeadas eleições antecipadas na Madeira, na sequência aliás do que é voz corrente nos meios social-democratas daquela região autónoma e de que o nosso jornal se fez eco, depois de ter ouvido alguns dirigentes social-democratas. Ou seja, a situação política é, no mínimo, muito tensa entre os Governos da República e da Região Autónoma da Madeira e que, por via disso, parafraseando um dirigente político, “o Presidente também tem de ser metido ao barulho”.
Esta afirmação vai ao encontro de algumas informações, à boca muito pequena, que circulam nalguns meios políticos de que não há absoluta consonância política entre Cavaco Silva e o primeiro-ministro nesta questão, apesar das declarações “em todo o caso muito genéricas”, como disse uma das fontes do SEMANÁRIO, que a esse propósito proferiu o Presidente na sua primeira entrevista televisiva à SIC. O nosso jornal procurou encontrar pistas que confirmassem ou desmentissem tais rumores, mas, a todas as portas a que bateu, se recusaram a falar no assunto, mesmo em “off”. O que, tendo em conta as fontes consultadas e o conhecimento que existe sobre o modo de actuar, quer do Presidente, quer do primeiro-ministro, não permite, sequer, fazer uma especulação num sentido ou noutro. E se se anotam as informações é porque elas foram colhidas de modo informal e quase inesperadamente, através de um canal absolutamente credível, na opinião do autor deste texto.
Parece, no entanto, ficar claro que: a) José Sócrates e Cavaco Silva já terão falado neste assunto por mais de uma vez; b) que o Presidente sentiu necessidade de ouvir, de viva voz, o presidente do Governo Regional da Madeira (convém também não esquecer que Alberto João Jardim é conselheiro de Estado por inerência das funções que exerce, sendo mesmo o mais antigo membro do Conselho de Estado – a par de Ramalho Eanes); c) que Alberto João Jardim explicou minuciosamente as reservas do Governo regional ao conteúdo da nova Lei de Finanças Regionais, e explicou que tais reservas derivam essencialmente do facto de serem alterados quadros financeiros a meio de um mandato sufragado pelo eleitorado da Madeira, com um determinado programa que continha expectativas que, por causa disso, podem ser atrasados ou mesmo anulados. Jardim terá explicado ao Presidente que, por causa desses estrangulamentos, podem ficar em risco verbas comunitárias; d) até agora, que se saiba, nem José Sócrates, nem João Jardim, tiveram qualquer encontro sobre esta matéria; e) razão pela qual, o Presidente, se a tanto se dispuser, pode funcionar como intermediário activo para estancar uma crise que pode, no limite, desencadear eleições antecipadas na Região Autónoma da Madeira.

Recandidatura pode ser anunciada
Das fontes contactadas pelo SEMANÁRIO, registam-se algumas afirmações interessantes. Por exemplo, o convencimento, “sem nenhuma base, apenas como pressentimento”, de um antigo governante do PSD de que o Presidente acabará por vetar a Lei das Finanças Regionais, se se mantiverem as reservas colocadas pelo Governo das região autónoma”.
Trata-se de uma especulação política, que terá ganho ou perdido força a partir da audiência de terça-feira entre Cavaco e Jardim, mas que precisa ainda de passar pelo “crivo” do Tribunal Constitucional, a quem os deputados do PSD em S. Bento vão remeter o diploma, logo que tenha sido dada por concluída a redacção final que ontem à tarde prosseguia na Assembleia da República.
Um eventual veto político do Presidente da República a uma Lei, que, embora seja do Parlamento, resulta de uma proposta do Governo, marcará um primeiro sinal de desentendimento entre Belém e S. Bento. Não é a mesma coisa vetar uma lei da paridade, do que vetar um diploma governamental concreto…
A outra informação relevante, detectada pelo SEMANÁRIO, tem a ver com o ambiente político que se vive na Região Autónoma da Madeira, onde, de acordo com vários dirigentes políticos locais (e não apenas do PSD), nunca o prestígio do “velho”, como já chamam a Jardim, foi tão grande. “Se houver eleições antecipadas, por causa de um confronto com o Governo da República, Jardim obterá uma das suas mais retumbantes vitórias. Está mesmo em condições de voltar a ser candidato, de afirmar que só cumpre metade do mandato e indicar quem vai ser o seu sucessor à frente do PSD Madeira e, consequentemente, à frente do Governo regional.” Esta euforia tem razão de ser, com eventual dúvida de que em democracia não se indicam previamente sucessores… mas enfim é a opinião de alguém que está próximo de João Jardim.
Tanto quanto foi possível apurar, o PSD não abandonar a sua pressão política, razão pela qual Jardim disse, à saída de Belém, que o Conselho regional do PSD Madeira, que se realiza no dia 13 e Dezembro, vai ser muito interessante. Isto quer dizer, pura e simplesmente, que, a promulgação da lei de Finanças Regionais, contra a vontade da Região Autónoma, ou do seu Governo, implicam uma atitude de força, que nem o Presidente da República será capaz de suster. Com efeito, como pode Cavaco Silva impedir Jardim de pedir a sua demissão? como pode Cavaco Silva impedir o PSD Madeira de dizer que não indica outro dirigente para completar a legislatura regional?
E se chegarmos a este ponto, como pode o Presidente evitar a dissolução do Parlamento regional e a subsequente convocação de eleições antecipadas, depois, obviamente de cumprir todas as exigências constitucionais?
Este é o ponto de situação, que não parece ter reversibilidade. E que, mesmo sem confessar, está a causar algumas apreensões ao núcleo duro do Governo de José Sócrates. Qual vai ser o epílogo? Provavelmente só o saberemos nos primeiros dias de 2007.

“Tenho uma mágoa profunda com a direcção do PCP”

Luísa Mesquita, deputada comunista que viu recentemente retirada a confiança política por parte da direcção do partido, referiu, em declarações ao SEMANÁRIO, que “tem uma ferida incurável com a direcção do PCP”. Acusa, ainda, a direcção do seu partido de ter “violado um compromisso ético e político”.

Por que razão recusou renunciar ao mandato de deputada?
Recusei renunciar ao mandato como deputada, porque a direcção do PCP não cumpriu com a deputada Luísa Mesquita o acordado no início de 2005.

Qual o conteúdo de tal acordo?
Em início de 2005, os contactos com os candidatos a deputados são feitos. No contacto feito à na altura candidata Luísa Mesquita, por uma dirigente nacional do PCP, foi colocada a questão de poder continuar no exercício do mandato de deputada e houve da minha parte toda a disponibilidade. Entretanto, fui informada pela direcção do partido que se pretendia durante a legislatura de 2005/2009 iniciar-se a renovação do Grupo Parlamentar e que essa renovação iniciar-se-ia em meados de 2007. Ao que eu respondi, com toda a clareza, que estava indisponível para ser cabeça de lista, por razões de natureza pessoal e profissional. Portanto, o meu cargo ficou à disposição do partido, de acordo com aquilo que são os estatutos e os compromissos que os eleitos comunistas exercem com o PCP. Ao contrário daquilo que agora é dito, o PCP insistiu comigo durante duas semanas para que passa-se da indisponibilidade para a disponibilidade. Estes contactos tiveram como resultado uma reunião na Soeiro Pereira Gomes, com a referida dirigente nacional e do líder do Grupo Parlamentar. Onde fui informada que as duas questões de natureza sócio-profissional por mim colocadas duas semanas antes tinham sido compreendidas e consideradas pela direcção do PCP. A minha resposta foi clara, se o PCP considera as duas questões colocadas, eu, então, estou em condições de aceitar.

E quais eram essas condições?
As condições que coloco são de natureza socioprofissional. Por terem a ver com a minha vida privada não as tenciono dizer publicamente. Essas questões socioprofissionais impediam-me de vir para o Parlamento e sair a meio do mandato ou a dois terços do mandato, portanto, não estava disponível para a minha substituição em 2005/2009. A direcção do PCP aceitou as condições que para mim constituíam entrave à minha disponibilidade para ser cabeça de lista.

Então, Jerónimo de Sousa não tem razão ao dizer que a deputada Luísa Mesquita violou um compromisso político e de ética?
Obviamente que não tem. Quem tem razão para dizer que a direcção do PCP violou um compromisso ético e político com a deputada Luísa Mesquita e com a militante Luísa Mesquita, sou eu. Porque, efectivamente, tudo aquilo que se passou no início de 2005 para a constituição das listas foi ignorado e a situação para a direcção do PCP inicia-se no dia 21 de Junho de 2006, que é no preciso momento em que me pedem uma reunião na Soeiro Pereira Gomes para me informarem que deverei arrumar as minhas coisas e apresentar-me no meu local de trabalho em 1 de Setembro de 2006. É nesta reunião que é incumprido tudo aquilo que foi acordado em 2005. Existem, inclusivamente, gravações feitas por colegas seus, onde é expresso e claramente referido por mim que venho para a Assembleia da República para cumprir inteiramente o meu mandato, ou seja, até 2009. É no mínimo estranho, que feitas estas declarações publicamente e reiteradamente, nenhum membro da direcção do PCP me tenha dito que tais afirmação não corresponderiam à verdade.

Sai magoada deste processo com Bernardino Soares?
Saio muito magoada e penso que é uma ferida incurável com a direcção do PCP, naturalmente que dessa direcção do PCP faz parte o deputado Bernardino Soares.

O que pretende dizer com “ferida incurável”?
Estou a dizer que há feridas que são demasiado profundas para se poder equacionar alguma possibilidade de cura. São feridas e mágoas profundas.

Equaciona abandonar o partido?
Por modo próprio não o farei. Mas, como sabe, a saída do PCP não depende só da vontade do militante, depende também da vontade da direcção. A minha vontade é continuar como militante do PCP, pois a minha mágoa e o meu conflito presente não são com o meu partido, não são com os valores e princípios do PCP, mas sim com a direcção do PCP, a direcção da bancada parlamentar e a direcção política do PCP.

Por que não foi às Jornadas Parlamentares da Guarda?
As minhas decisões estão a ser tomadas minuto a minuto e hora a hora. Sobre esta matéria não é de ânimo leve que a decidi, foi reflectindo sobre ela. Quando o deputado Bernardino Soares me anuncia o conjunto de actos persecutórios e de punições de que eu vou ser alvo, enuncia-me também aquilo que a direcção do PCP me permite fazer, isto é, aquilo que eu posso fazer dentro da Assembleia da República e fora dela. E dentro da Assembleia da República, o deputado Bernardino Soares diz-me que eu, a partir de agora, integro a comissão de saúde e que posso participar nas jornadas parlamentares e nas reuniões do Grupo Parlamentar; e fora do Parlamento, continuo a ser vereadora da Câmara Municipal de Santarém. Reafirmando, mais uma vez, a total confiança política e ideológica na militante, na vereadora e na deputada Luísa Mesquita, para além de valorizar, mais uma vez, o significativo valor do meu trabalho.
A partir do momento em que o deputado Bernardino Soares, vinte e quatro horas depois, informa o país, sendo isto um caso inédito na história do PCP, que a militante perde parte da confiança política, mesmo não sabendo que parte é essa e porque a deputada está a ser transformada em algo parecido com Fernando Pessoa, que tem vários processos de heteronomia, obviamente que o âmbito das jornadas parlamentares, que têm reuniões circunscritas aos deputados, em que se reflecte sobre o trabalho do Grupo Parlamentar, em que se definem estratégias de natureza política, não tem nenhuma razão de ser. A não ser que se seja muito hipócrita, que alguém que não tem total confiança política possa integrar essas reuniões. Como eu não sou hipócrita não poderia fingir que não ouvi o que o deputado Bernardino Soares disse acerca da parcela da minha confiança política que foi perdida e participar em reuniões fechadas, onde é exigida total confiança política.

Esta realidade vai ser suportável ou sustentável por quanto tempo?
Em cada minuto avalio as minhas condições de permanecer como deputada. Quero dizer que a minha vontade de hoje é a mesma do que a de há duas semanas, continuo com o mesmo empenhamento e a mesma vontade de trabalhar. Naturalmente que o trabalho não é exclusivo no seio do grupo parlamentar, os deputados são deputados da nação e têm outras tarefas que poderão desenvolver. O meu empenhamento vai ser muito grande, independentemente do Grupo Parlamentar do PCP não permitir a minha intervenção em plenário.

Vai continuar na Comissão de Saúde ou pondera sair?
Sobre essa matéria não tomei ainda qualquer decisão. A minha presença na Comissão de Saúde não me foi proposta, foi me imposta. Portanto, estou à espera que a questão se clarifique, e enquanto tal não acontecer não tomarei qualquer decisão.

António Guterres não legitima José Sócrates

António Guterres foi uma ausência muito notada no Congresso do PS do passado fim-de-semana, o que pode ter sido um sinal de que a amizade com Sócrates já não é a de antigamente. Este distanciamento de Guterres tem paralelo com o que Cavaco teve em relação às lideranças que lhe sucederam no PSD, designadamente a de Fernando Nogueira e Durão Barroso, tendo conduzido Cavaco a Belém. O SEMANÁRIO sabe que Guterres não quer nem ouvir falar em presidenciais, mas o facto é que o ex-PM saiu mal da política em 2001 e pode ser tentado a reescrever a história. Como aconteceu com Cavaco, que saiu mal em 1994 e voltou em 2006.

António Guterres foi uma ausência muito notada no Congresso do PS do passado fim-de-semana, o que pode ter sido um sinal de que a amizade com Sócrates já não é a de antigamente. Este distanciamento de Guterres tem paralelo com o que Cavaco teve em relação às lideranças que lhe sucederam no PSD, designadamente a de Fernando Nogueira e Durão Barroso, tendo conduzido Cavaco a Belém. O SEMANÁRIO sabe que Guterres não quer nem ouvir falar em presidenciais mas o facto é que o ex-PM saiu mal da política em 2001 e pode ser tentado a reescrever a história. Como aconteceu com Cavaco, que saiu mal em 1994 e voltou em 2006.
Guterres foi desafiado por apoiantes a apresentar-se como candidato do PS às presidenciais de 2006 mas nunca deu sinais de desejar fazê-lo. Apesar de até contar com o apoio declarado de Sócrates, ao invés do que tinha acontecido com Ferro Rodrigues que, em matéria de presidenciais, Esta falta de vontade, aliada a algumas resistências de sectores socialistas à candidatura de Guterres, contribuiram para fechar o pano sobre o assunto. Um dos socialistas mais críticos com a hipótese da candidatura de Guterres foi João Cravinho, declarando que Guterres precisava de explicar primeiro porque se tinha ido embora em Dezembro de 2001. Quando surgiu a possibilidade de ir para Alto Comissário para as Nações Unidas, Guterres não pensou duas vezes.
Num Congresso que formalizou a neutralização das tendências do partido por parte de José Sócrates, Guterres foi, de facto, o grande ausente. O ex-primeiro-ministro socialista continua empenhado nas suas funcões de ACNUR e, dizem os seus mais próximos, está por vezes a anos-luz do que se passa na política portuguesa. Se Guterres primou pela ausência, em três dias de Congresso também não se ouviu uma palavra sequer sobre Guterres e os seus anos de governo. Ouviu-se apenas Sócrates lembrar, na sua intervenção da passada terça-feira que “os governos anteriores” tinham deixado uma herança pesada. Como Sócrates não clarificou se eram só os governos de direita, abre-se a dúvida se os dois executivos presididos por Guterres não estariam também incluídos nas críticas de Sócrates.

A agenda de esquerda de Sócrates

O antigo guterrismo tem sido gradualmente enfraquecido nos últimos anos, primeiro com Ferro e depois com Sócrates que, apesar de ser um apoiante do ex-PM, cortou radicalmente com muita coisa do passado guterrista. O PS de Sócrates tem quase horror à negociação, preferindo a accão constante. Sócrates foi mesmo chamado de “anti-Guterres” por parte de Sócrates. Outra grande diferença em relação a Guterres é o facto de Sócrates estar empenhado na campanha pelo “sim” ao aborto, tendo o antigo PM, que era adepto do “não”, mantido o silêncio no referendo ao aborto de há oito anos. No Congresso do PS e na sua antecâmara voltou a ser patente o processo de declínio dos antigos guterristas que nunca se adaptaram bem a Sócrates ou não tiveram hipóteses para o fazer. Enquanto António José Seguro aceitou um lugar oferecido por Sócrates, como responsável pela reforma do Parlamento, o destino de outros guterristas de gema foi diferente. Narciso Miranda e Miguel Coelho não fazem parte da Comissão Nacional do partido e Francisco Assis foi colocado na humilhante posição 64, o que motivou um pedido de desculpas do próprio Sócrates, aparentemente alheio à formacão das listas pela sua “entourage” no partido, onde pontifica José Lello. Narciso Miranda e Francisco Assis fazem parte do PS-Porto, uma estrutura que foi essencial no apoio a Sócrates aquando da corrida para secretário-geral em 2004. Aliás, a situação na Invicta só não explodiu pelos paninhos quentes de Sócrates e pelo facto de o poderoso Orlando Gaspar ter entrado para a Comissão Nacional na vigésima posição. Também Miguel Coelho apoiou Sócrates na corrida à liderança, ainda que no caso do responsável pela concelhia de Lisboa possa estar em causa uma saída estratégica, com vista a ganhar distanciamento para as próximas autárquicas em Lisboa, que poderão realizar-se muito mais cedo do que o calendário previsto face à ruptura na coligação entre o PSD e o PP
Ao mesmo tempo que sacrificou os seus apoiantes oriundos do antigo guterrismo, Sócrates compensou o soarismo e o ferrismo, pacificando o partido em vésperas de um ano de 2007 muito absorvente para Sócrates, com a presidência portuguesa da União Europeia a começar em Junho.
Convidado para pertencer à Comissão Política Nacional, João Soares aceitou o lugar, no que foi visto por alguns sectores do partido como um beijo da morte dado por Sócrates. Ainda há quinze dias Soares tinha criticado o caminho neoliberal dos governos. No Congresso calou qualquer crítica à política de Sócrates. Também Ana Gomes que, nos últimos meses foi muito crítica para o governo, aceitou o convite para a Comissão Nacional e surpreendeu pelas suas declarações alinhadas com as reformas de Sócrates. Curiosamente, também Paulo Pedroso, outro ferrista, deu no fim-de-semana uma entrevista à RTP-N, onde se mostrou confiante de que o executivo vai garantir os direitos sociais nos próximos anos. Curiosamente, no seu discurso de encerramento no Congresso, Sócrates definiu uma agenda de esquerda para os próximos anos, que passa pela luta contra a pobreza e a desigualdade, o aumento do salário minímo nacional, o fortalecimento dos direitos dos imigrantes. Esta agenda de Sócrates pode querer dizer que o líder do PS decidiu estabelecer algumas convergências com o ferrismo, com vista ao equilíbrio de forças no partido, à necessidade pacificação interna e à estratégia de começar a fixar votos à esquerda, com vista às legislativas de 2009.

Pacto de Justiça II na calha

PS e PSD podem vir a realizar nos próximos meses um Pacto de Justiça II, com vista a rever a composição do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior do Ministério Público, o que exige a revisão da Constituição. A hipótese de os membros dos dois órgãos passarem a ser indicados pelo poder político, deixando os magistrados de indicar quaisquer nomes, pode ser a alteração mais significativa, uma reforma já tentada no tempo de António Guterres mas que não resistiu ao poder das corporações de juízes e delegados do Ministério Público da altura.

PS e PSD podem vir a realizar nos próximos meses um Pacto de Justiça II, com vista a rever a composição do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior do Ministério Público, o que exige a revisão da Constituição. A hipótese de os membros dos dois órgãos passarem a ser indicados pelo poder político, deixando os magistrados de indicar quaisquer nomes pode ser a alteração mais significativa, uma reforma já ensaiada no tempo de António Guterres mas que não resistiu ao poder das corporações de juízes e delegados do Ministério Público da altura. Curiosamente, foi o hoje presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, um dos mais acérrimos críticos dos propósitos do PS, então formulados por Almeida Santos.
A actual composição do CSM integra sete membros eleitos pela Assembleia da República, cinco pela Presidência da República e outros sete eleitos entre as magistraturas. O artigo 218º da lei fundamental dá dignidade constitucional a esta matéria, razão pela qual as alterações neste domínio tenham de envolver um Pacto de Justiça II entre socialistas e social-democratas com incidência ao nível da revisão da Constituição, de modo a perfazer a maioria de dois terços. Por sua vez, a composição do CSMP integra elementos eleitos pela Assembleia da República, designados pelo ministro da Justiça e escolhidos entre os magistrados, tendo esta matéria igual dignidade constitucional.
Uma nova composição do CSM e do CSMS poderá envolver ou a eleição de todos os membros pela Assembleia da República ou a manutenção do poder do Presidente da República de indicar nomes para os cargos. Ainda esta semana, numa entrevista que deu à SIC-Notícias, Laborinho Lúcio, vogal do Conselho Superior da Magistratura, indicado pelo Presidente da República, Cavaco Silva, fez questão de defender, a título pessoal, que o CSM e o CSMP não deveriam ser membros escolhidos entre os seus pares, considerando que os vogais respectivos poderiam ser eleitos pela Assembleia da República, sendo magistrados ou não magistrados. Naturalmente que a opinião de Laborinho é sua e de mais ninguém mas não deixa de ter grande relevo político. Laborinho é muito próximo de Cavaco Silva, tendo o actual Presidente da República grande admiração pelo seu trabalho. Refira-se que uma alteração desta envergadura, envolvendo a revisão da Constituição, só pode ser feita com o patrocínio do Presidente da República. Resta saber qual a posição de Marques Mendes. O líder do PSD não tem espaço de manobra para divergir de Belém ou dos homens mais próximos de Cavaco. Mas, por sua vez, a assinatura de um Pacto de Justiça II pode debilitar mais a sua posição em relação aos críticos menezistas e santanistas, que na última semana sustentaram que Mendes anda complacente com Sócrates e que não faz uma verdadeira oposição.
No pacto da Justiça celebrado há dois meses entre PS e PSD as alterações mencionadas ao nível do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público e do Conselho Superior da Magistratura, limitaram-se a envolver mudanças ao nível de direitos e regalias, reformas, cálculo de pensões e jubilação. Em relação ao Conselho Superior da Magistratura prevê-se no acordo que o CSM “será dotado de autonomia administrativa e financeira, por forma a permitir-se uma efectiva responsabilização pela gestão de meios e recursos colocados à sua disposição. O acordo entre o PS e o PSD também refere que são criadas “as adequadas condições que assegurem a presença, em regime de permanência, de membros não magistrados no Conselho.” Curiosamente, estas duas propostas contidas no acordo PS e PSD deixaram alguns magistrados com uma pulga atrás da orelha.
Refira-se que o Conselho Superior da Magistratura é hoje presidido por Noronha do Nascimento, na qualidade de presidente do STJ. Na vice-presidência está Santos Bernardino, homem próximo de Noronha. Há eleições em Fevereiro para substituir Bernardino e o nome melhor colocado para ganhar é o de Ferreira Girão, outro homem próximo de Noronha. Recorde-se que Noronha de Nascimento tem Pinto Monteiro como inimigo de estimação. O novo PGR, como é sabido, foi escolhido por Sócrates (e parece que por mais um núcleo muito influente) e por Cavaco. O que pode querer dizer, se a lógica fizer sentido na política, que Noronha não está nas boas graças do poder político. Não por acaso, certamente, Noronha do Nascimento, denunciou esta semana, no seu discurso de tomada de posse como presidente do STJ a existência de “poderes fácticos” interessados em pôr em causa o poder judicial, acrescentando que há uma “deslegitimação larvar e surda dos tribunais”. Refira-se que, há pouco mais de dois meses, Pinto Monteiro denunciou que Noronha do Nascimento teria controlo político sobre o colégio eleitoral de conselheiros do STJ que elege o presidente do STJ. Como em política, quase sempre o que parece é, também não é certamente por acaso que o poder político aponta a mira à composição do Supremo Tribunal da Justiça, prevendo~se no pacto PS-PSD a existência de uma quota para não magistrados. O mesmo se diga em relação a uma eventual “revolução” na composição do Conselho Superior da Magistratura. Em política não há coincidências.

Vendaval na Justiça

O vendaval na Justiça não dá, assim, mostras de abrandar. Com dois blocos muito bem definidos a medirem as suas forças, testando estratégias e colocando as suas peças no terreno. O procurador-geral da República, Pinto Monteiro, deu há quase duas semanas o primeiro passo, propondo um homem da sua estrita confiança para vice-procurador-geral da República, o procurador-adjunto, Mário Dias Gomes. As estruturas do Ministério Público reagiram imediatamente, com um veto ao nome indicado por Pinto Monteiro. Em cima da mesa está agora a hipótese do novo PGR não apresentar novo nome, delegando competências em procuradores-adjuntos, tal como o SEMANÁRIO revelou na semana passada, ou voltar a apresentar Mário Gomes Dias. Caso em que corre nos meios judiciais afectos ao Ministério Público que o veto pode ser ainda mais pesado em termos de votos. Na votação de 16 de Outubro, Mário Gomes Dias foi chumbado à tangente por nove contra oito votos. No sábado passado, o semanário “Expresso” noticiou que o governo deverá reforçar os poderes do PGR, designadamente com a possibilidade de escolher livremente os seus colaboradores. O que implica, naturalmente, mudar o Estatuto do MP, que exige parecer prévio do CSMP para a escolha do vice-PGR. No mesmo sábado, um almoço de homenagem a Souto Moura reuniu quase mil pessoas. Souto Moura e muitos dos presentes fizeram saber que estavam contra alterações do Estatuto do MP ao nível da escolha do vice-PGR. Dois dias depois, o presidente do STJ fez questão de denunciar a existência de “poderes fácticos” que colocam em causa a independência do poder judicial. A próxima batalha ainda pode ser só no campo imediato do vice-PGR mas a próxima guerra já é no baluarte do CSM e do CSMP. Com o novo acesso ao STJ pelo meio.