2025/11/10

4.º Festival Internacional de Cinema Independente arranca na 4ª feira

Lisboa está de olhos postos no 4.º Festival Internacional de Cinema Independente de Lisboa – Indie Lisboa 2007 – que arranca dia 19 de Abril, prolongando-se até dia 29 deste mês. Mais uma vez a qualidade e a diversidade dos filmes apresentados são uma constante de um festival, que já se tornou numa referência de um público exigente e ecléctico. O SEMANÁRIO esteve à conversa com Miguel Valverde, um dos seus directores, que nos revela o que Indie traz este ano.

O crescimento exponencial que se verificou este ano espelha o sucesso que o Indie Lisboa tem vindo a alcançar. Quais são os objectivos que se propõem a atingir este ano?
Tínhamos decidido no final da anterior edição que este seria o ano da consolidação, para que pudéssemos estabilizar o modelo que já tínhamos criado. Por um lado, tentaríamos apostar em mais filmes, por forma a dar mais condições aos espectadores para que o Festival continuasse aberto e orientado para o público e para que toda a parte organizativa pudesse ter finalmente o seu espaço de preocupação para parecer-se com outros festivais a nível internacional. Esse objectivo inicial não aconteceu. O festival volta a crescer com um maior número de salas e outras iniciativas, o que nos levou a pensar numa bilheteira centralizada para tornar mais prática a aquisição dos bilhetes. Resolvemos criar também o Indie Bus, destinado exclusivamente a espectadores do Indie, para poderem circular entre a Avenida de Roma e a Avenida da Liberdade, onde estão a ser exibidos os filmes.

A componente de formação faz parte das apostas do Indie Lisboa, nomeadamente com Lisbon Talks. Qual é o principal intuito desta opção?
Achámos que um festival que pretende ser um espaço de reflexão tinha de ter uma iniciativa deste género. Pretendemos criar uma maior proximidade entre o nosso público e os agentes do meio profissional do cinema. As conversas com os realizadores também já existiam, mas apenas no final da sessão. Nesse sentido achámos que aquelas pessoas que falavam sobre o seu trabalho precisavam de encontrar-se, criando assim um contexto profissional onde se discute o trabalho de cada um.

O critério de escolha entre 2500 filmes inscritos pode ser bastante complicado. Mudou alguma coisa em relação à metodologia de anos anteriores?
Fundamentalmente, precisámos de mais pessoas para verem os filmes, devido ao crescimento rápido que se verificou desde a primeira edição. Foi por isso que reforçámos a equipa com quatro pessoas que trabalham nas longas-metragens e duas pessoas com as curtas, e uma terceira que ajuda a desempatar quando não estão de acordo. Com esta medida conseguimos, a meu ver, a melhor programação de sempre do Indie Lisboa.

Há várias referências a filmes de anteriores edições do Indie. É o caso de Sam Peckinpah ou Lisandro Alonso. Há uma preocupação com a continuidade e a ligação com as anteriores edições?
De facto há muitos festivais que escolhem acompanhar autores e não propriamente filmes, o que pode levar à exibição de maus filmes. Nós não temos essa pretensão. O que gostamos é de autores que fazem bons filmes. Como tal, temos repetido autores que conseguem isso memo. Com isso começou a fazer mais sentido a secção do Observatório do Festival, porque há autores que as pessoas já procuram quando optam por aquela lista de filmes. Curiosamente, este ano, há mais autores que fazem curtas e longas-metragens, tornando este festival uma mistura entre os dois géneros.

Ao olhar para a lista de filmes seleccionados, houve um em particular que captou a minha atenção: “Olhar o Cinema Português”, 1896-2006, de Manuel Mozos. O défice de conhecimento da nossa história cinematográfica por parte da maioria do nosso público pesou na escolha deste filme?
Foi a primeira vez que coincidiu a apresentação de um filme deste realizador, de quem gostamos muito e que, tendo esta oportunidade, não podíamos passar ao lado de um filme sobre uma temática tão interessante que, de alguma forma, atesta a vitalidade do nosso cinema, mas ao mesmo tempo a selectividade dos filmes que foi feita por Mozos.
Decidiram este ano introduzir o programa especial: New Crowned Hope e uma homenagem ao festival L’Alternativa de Barcelona. O que está por detrás destas opções?
O primeiro está relacionado com o 150.º aniversário do Mozart, onde vamos exibir sete filmes, seis longas e uma curta-metragem, de autores que conhecemos há algum tempo, de quem gostamos muito, e que achámos que faria sentido exibir. O segundo resultou de um encontro de vontades, que veio no seguimento de nos terem convidado na edição transacta do festival deles, que teve lugar em Novembro de 2006, para mostrar uma série de filmes. Ficou então nessa altura prometido um evento semelhante em Lisboa, devido a um respeito mútuo e pela contaminação de gosto entre ambas as partes.

O herói independente deste ano foi dedicado a Shinji Aoyama e ao cinema alemão contemporâneo. O que está na origem destas escolhas?
Acaba por estar relacionado com a história deste festival. Desde o início que nos identificamos com um determinado tipo de cinema alemão, embora seja difícil para nós catalogarmos esse género. Nesse sentido, não se trata de uma retrospectiva do cinema alemão contemporâneo. Nesta secção propomos um olhar sobre uma determinada corrente de cinema alemão mais realista, ligada a classes trabalhadoras, ao contexto familiar dentro de portas, que vem na tradição de outros filmes exibidos em edições anteriores. A homenagem ao Aoyama vem no seguimento da atenção especial que dedicamos a cineastas asiáticos. Neste caso em particular trata-se de um realizador bastante ecléctico, que envereda por vários géneros, excepto pelo terror, devido a uma espécie de pacto que fez com o seu antigo professor que é especialista nesta área.

Debate nuclear é a proposta de Cavaco Silva para Portugal

Num encontro informal entre presidentes
não-executivos da Europa, que decorreu em Riga
na Letónia, o chefe de Estado português, Cavaco Silva, mostrou-se contra o referendo sobre a revisão do Tratado Constitucional na Europa, tendo ainda acusado muitos partidos políticos de terem sido precipitados nesta matéria. O Presidente português pronunciou-se ainda em relação às questões energéticas, referindo que o debate nuclear deverá passar por Portugal “mais dia, menos dia”.

A quarta edição de uma série de debates informais que reúnem chefes de Estado de países da Europa foi uma ideia do antigo Presidente português Jorge Sampaio que, em 2003, reuniu em Arraiolos responsáveis máximos de algumas das nações europeias.
A edição deste ano decorreu em Riga, capital da Letónia, e teve a duração de dois dias. Estiveram reunidos, além de Cavaco Silva, a organizadora do evento e Presidente da República da Letónia, Vaira Vike-Freiberga, Tarja Halonen (Finlândia), Horst Kohler (Alemanha), Giorgio Napolitano (Itália), Heinz Fischer (Áustria), Lech Kaczynski (Polónia) e Lazlo Solyom (Hungria).
Numa altura em que se comemoram os 50 anos do Tratado de Roma será de destacar a presença do Presidente da Alemanha, país que comanda os destinos da Europa neste primeiro semestre do ano, mas também a presença de Cavaco Silva, chefe de Estado do país que assumirá a pasta europeia na segunda metade de 2007. O Presidente da República tem desenvolvido durante o seu mandato alguns esforços no que diz respeito à política externa portuguesa e a esta ocasião serviu para fazer algumas considerações em relação a assuntos de extrema importância na UE.
Em relação ao Tratado Constitucional, Cavaco Silva mostrou-se de imediato contra uma realização do mesmo em Portugal. No final da edição do encontro, o Presidente português fez questão de frisar que “mesmo antes de ser eleito Presidente da República, nunca mostrei entusiasmo com o referendo”. Para Cavaco Silva, “há mesmo muitos países que não se importariam de não fazer referendos”. O chefe de Estado nacional mostrou-se contudo favorável a uma aprovação do Tratado Constitucional pela Assembleia da República, dispensando desta forma uma consulta popular. A Alemanha foi precisamente um dos países que aprovou esta proposta dentro da esfera política sem ter recorrido ao referendo. As derrotas do “sim” na Holanda e na França suspenderam o processo constitucional europeu, assunto no qual Portugal deverá ter um papel de extrema importância, numa altura em que também as eleições francesas podem desbloquear esta situação.
Cavaco Silva fez ainda questão de criticar a acção de muitos grupos políticos, acusando certas entidades de “precipitação”. O Presidente da República sugeriu esperar pelo fim do mandato alemão e propôs ainda “uma conferência intergovernamental que pode começar já com a presidência portuguesa”. A opinião do chefe de Estado português vai ao encontro da opinião do Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, mas contraria a tese de Marques Mendes e do PSD que preferiam a realização de um referendo para a aprovação do processo constitucional no nosso país.
A outra grande questão do encontro de Riga prendeu-se com a encruzilhada energética em que a Europa se encontra. Face a uma dependência da Rússia em termos de recursos energéticos, especialmente no centro e leste da Europa, Cavaco Silva não hesitou em apelar ao debate em torno da energia nuclear em Portugal, tal como tem acontecido noutros países da Europa. Cavaco Silva frisou “a excessiva dependência do petróleo” e um “enorme problema energético”, problema esse que afecta não só Portugal mas também o mundo. Este ponto acabou, aliás, por ser um dos assuntos que mais divergência provocou na mesa dos oito presidentes não-executivos, espelho de uma Europa onde paira o espectro da desunião.

Cadernos eleitorais do CDS não são actualizados há mais de 30 anos

O Conselho Nacional de amanhã, que decidirá entre eleições directas ou a realização de um congresso estatutário, promete ser de pacificação. A proposta apresentada por Paulo Portas de convocação de eleições directas seguidas de um congresso estatutário deverá ser votada pela maioria dos conselheiros nacionais. As directas terão por base cadernos eleitorais que não são actualizados há mais de 30 anos, constando neles muitos militantes que já faleceram ou que abandonaram o partido.

Amanhã realiza-se o primeiro Conselho Nacional democrata-cristão, na cidade de Torres Novas, após os acontecimentos de Óbidos. Entre as duas facções em disputa pela liderança existe um desejo comum: que a serenidade paute o decorrer dos trabalhos. Em cima da mesa vão estar duas propostas: a realização de directas seguidas de um congresso estatutário ou o inverso, isto é, primeiro um congresso estatutário a regular o modelo de directas adoptado e só depois o plebiscito do líder. Com a saída de Maria José Nogueira Pinto, o CN irá ser presidido pelo seu vice-presidente, Artur Jorge Bastos.
Paulo Portas e Ribeiro e Castro querem um CN pacífico, sem a crispação de Óbidos. Porém, pacifismo não significa unanimismo. Os conselheiros nacionais deverão votar maioritariamente a proposta de Portas, adoptando a realização de eleições directas e só depois um congresso estatutário a consagrar este método electivo como definitivo, à semelhança do que já aconteceu em Óbidos. Porém, a direcção bater-se-á pela aprovação de um modelo de directas, em seu entender, mais vantajoso e pela consagração de determinados aspectos considerados fundamentais para o bom funcionamento do processo eleitoral.
O Conselho Nacional de Jurisdição votou favoravelmente a supremacia do requerimento apresentado pelos 130 conselheiros sobre a petição, da iniciativa da distrital de Leiria, assinada por 1344 militantes a pedir um congresso extraordinário. Deste parecer, por emanar de um órgão de topo, só pode existir recurso para as instâncias judicias, portanto, para fora do partido. Do lado da direcção já veio a certeza de que tal mecanismo legal não será utilizado, visto que “os problemas internos resolvem-se no interior do partido”. Porém, Isabel Gonçalves, presidente da distrital de Leiria, não pôs de parte tal cenário, com um recurso da distrital afecta a Ribeiro e Castro para o Tribunal Constitucional. O SEMANÁRIO apurou junto da direcção que esta desaconselha uma acção da distrital nesse sentido, referindo que uma discussão dos assuntos internos do partido em órgãos externos só vai agudizar a crise e acentuar a imagem de desunião e desordem junto da opinião pública.
A existência de uma comissão independente organizadora das directas parece reunir o consenso entre ambas as partes da contenda, com o nome de António Lobo Xavier a conseguir a maior receptividade. O CN de amanhã vai ter como fim delinear as condições de realização das eleições directas. Em cima da mesa estarão questões como a localização das mesas das urnas, que em eleições já ocorridas chegaram a ficar em casas privadas, os documentos necessários para os militantes centristas poderem votar ou o local de contagem dos votos, aspectos que poderão aquecer os trabalhos.
É importante referir que os cadernos eleitorais do CDS/PP não são actualizados desde os anos setenta. Uma actualização que não acontecerá nestas eleições, pois não existe um prazo suficientemente alargado para proceder a tal reforma. Dos 44 mil militantes que o partido tem, muitos já terão falecido ou mesmo abandonado o partido. Em Torres Novas serão ultimados os pormenores em torno das eleições directas, com a direcção a tentar não perder mais terreno e com os Portistas e a maioria que têm no CN a poderem ditar as regras. A proposta de directas que irá emergir do CN terá de ser, na íntegra, de acordo com a Lei dos Partidos Políticos, sob pena de a parte derrotada, em última instância, impugnar o resultado das eleições no Tribunal Constitucional.
Ao que o SEMANÁRIO apurou, as decisões saídas de Torres Novas serão de compromisso entre os dois candidatos, com o intuito de não macular mais a imagem do partido que, com o anúncio ontem por parte de Maria José Nogueira Pinto de abandonar o CDS/PP e o cargo de vereadora na Câmara de Lisboa, aproxima-se de uma cisão. Uma outra questão que tem sido levantada nos últimos dias é o surgimento de uma terceira candidatura, facto que ainda não foi confirmado. A existir, será de alguém sem o “peso político” necessário para ambicionar um resultado expressivo.
Miguel Anacoreta Correia, vice-presidente dos democratas-cristãos e número dois da lista do CDS/PP na capital, vai ocupar o cargo deixado vago por Nogueira Pinto, voltando a colocar como possível no curto prazo uma nova coligação entre democratas-cristãos e sociais-democratas.

A incerteza do dogma

Ao colocar em cena no Teatro Maria Matos a peça “Dúvida”, do reputado autor e vencedor de um pulitzer, John Patrick Shanley, Diogo Infante – que interpreta um padre acusado de um crime sexual – mostra-nos por que é considerado um dos maiores actores da sua geração, revelando uma vez mais o seu enorme talento ao lado da sempre enigmática Eunice Muñoz.

Toda a nossa vida somos colocados perante situações difíceis, em que a imperatividade das nossas escolhas impõe-se de forma determinante quando precisamos de decidir algo que pode condicionar a nossa vida, ou mesmo a de outra pessoa. É, nesse momento, entre o dilema e a necessidade de agir, que surge a dúvida. Possivelmente, trata-se de uma das mais importantes características que temos enquanto seres humanos. A capacidade de questionar aquilo que nos é vinculado, mas sobretudo de questionarmos-nos a nós próprios, sem que percamos o sentido de justiça.
Esta problemática é colocada em evidência em “Dúvida”, de John Patrick Stanley, em cena no Teatro Maria Matos, com encenação de Ana Luísa Guimarães. A peça conta com um elenco de peso composto por Diogo Infante, Eunice Muñoz, Isabel Abreu e Lucília Raimundo.
A dúvida de que se fala nesta peça prende-se sob a suspeita que recai sobre um padre progressista, de um colégio católico do Bronx dos anos sessenta, acusado de um alegado abuso sexual sobre uma criança negra.
A década aqui retratada representa uma América que perdeu o seu idealismo e a sua inocência. Com a morte de John F. Kennedy instalou-se na sociedade norte-americana uma desconfiança e um desencanto próprios de quem perdera a capacidade de acreditar. John Shanley escreveu esta peça em 2004, numa altura em que a América se encontrava dilacerada pelo ataque às torres gémeas, o que reavivou toda essa descrença que outrora teria sido apanágio de uma sociedade ainda a definir a base da sua cultura com base nos direitos civis. Ana Luísa Rodrigues descreve justamente esta tendência maniqueísta quando fala da peça. “Actualmente, as pessoas estão um pouco como nos anos 60. Temos uma certa tendência para ver tudo a preto e branco. A peça lança um apelo para que nos possamos ouvir novamente. Trata-se de uma questão muito contemporânea, que podemos comparar ao 11 de Setembro de 2001”, diz a encenadora.
Esta necessidade de acreditar está espelhada na personagem do padre, interpretada por Diogo Infante. As suas palestras e liturgias enquanto professor e padre surgem como uma resposta à necessidade extrema de orientação. Trata-se de apontar diversos caminhos, sem que haja paternalismos nem condicionalismos nessa escolha, uma função que cada vez mais se encontra em falta no sacerdócio. A determinada altura o padre diz mesmo: “Não há que ter medo da dúvida. Ela existe e une-nos na incerteza.” Esta sua ambiguidade é um dos pontos-chave da peça. Será que ele cometeu o crime? Diogo Infante, ao construir essa personagem, teve o cuidado de não evidenciar qualquer culpa: “Achei que ele tinha de ter uma luz e um brilho próprio. Na minha percepção eu construi a personagem acreditando na sua inocência, embora prefira não revelar o que eu julgo ser a estória desta personagem. Curiosamente é muito mais fácil representar a culpa. Se enveredasse por esse caminho estava sempre a dar sinais nesse sentido, o que acabava por dar uma enfâse totalmente oposta ao que realmente importa evidenciar.”
Eunice Muñoz encarnou a personagem da Madre Superiora que serve de plataforma para esta acusação, num claro confronto entre duas forças opostas, uma parábola entre o progressismo e o conservadorismo, um conflito que define em muito os Estados Unidos da América, onde a esquerda e a direita têm uma importância relativa quando comparadas com a Velha Europa.
Os anos sessenta e o local escolhido são autobiográficos. John Patrick Shanley foi educado num colégio do Bronx gerido pelas “Irmãs da Caridade”. “(..) os velhos hábitos ainda dominavam os comportamentos, a forma de vestir, a moral, a maneira de olhar o mundo (..)”, diz Shanley, ao descrever esta época.
No entanto, mais uma vez a ambiguidade acaba por ser uma força motriz pela forma como é colocada pela Madre. Ela põe em dúvida o comportamento do padre, querendo ir mais além, não se rendendo perante o que parece ser evidente. Contudo, a forma como lança a dúvida acaba feita de forma perigosa, incorrendo no boato. Diogo Infante diz isso mesmo: “Ela levanta uma suspeita que não consegue provar, além dela própria. Hoje em dia há uma tendência para uma condenação pública, muitas vezes até pela própria imprensa e opinião pública. A dúvida nesse aspecto é terrível.”
A personagem da irmã James, interpretada por Isabel Abreu, funciona como paradigma de uma humanidade confusa, que quer acreditar na inocência, não só pelo padre, mas por toda uma crença epistemológica que pode desabar caso este abominável crime seja verdadeiro. Mas, acima de tudo, ela quer poder duvidar, formando o seu racocínio sem que para isso sirva os interesses da Madre Superiora.
A mãe do rapaz acaba por estar demasiado condicionada por uma cultura castradora em que o sucesso dos afro-americanos está a ser construído de forma muito discreta e delicada, nem que tenha de fechar os olhos perante o que apenas iria trazer sofrimento, caso fosse provado. A linguagem corporal evidenciada por Lucília Raimundo na sua única cena com a Madre Superiora revela muitas dessas amarras segregacionistas dos anos sessenta.
A peça ensina-nos que é importante duvidar e sentir que essa incerteza é natural e condição sine qua non para que nos possamos definir como membros responsáveis de uma socidedade. Mas também lança a pergunta: até onde podemos ir quando temos uma dúvida?|

Apesar da “estocada” de Sócrates Marques Mendes resiste, resiste…

“Eu não quero que o PSD mude, por mim está bem assim” – disse o primeiro-ministro no debate mensal de anteontem, na Assembleia da República, no meio de um diálogo crispado com o líder social-democrata, a propósito da Ota. Esta frase indignou a direcção política do maior partido da oposição e foi sublinhada pelos críticos internos, dizendo que se tratou de uma “estocada” mortal para Marques Mendes. E dizem mais, que até agora, nenhum primeiro-ministro em funções ousou ir tão longe numa apreciação interna da vida de um partido com vocação de poder.

Ninguém diria, perante o modo desabrido e violento do ponto de vista da linguagem utilizada com que se confrontaram no Parlamento que Marques Mendes e José Sócrates são os mesmos dirigentes que volta e meia se encontram para negociar ou para trocar impressões sobre a política portuguesa nos mais diversos patamares, não havendo notícia de qualquer altercação entre ambos nesses encontro, no âmbito da política quotidiana. Com efeito, são muitos e frequentes os contactos entre o primeiro-ministro, o líder do PSD, porventura muitos deles nem são noticiados. Mas, por exemplo, a última edição do “Povo Livre” refere, a certa altura: “No passado dia 6 o líder do PSD Marques Mendes elogiou o esforço da Comissão Europeia para criar um mercado europeu de energia e adiantou que o Governo português terá o seu apoio se seguir a linha defendida por Bruxelas.” A esta notícia acrescenta-se o seguinte: “As declarações de Marques Mendes foram proferidas após ter sido recebido pelo primeiro-ministro José Sócrates, em S. Bento, encontro que durou hora e meia e que se destinou a preparar a próxima cimeira europeia.”
Evidentemente que há divergências de fundo, que uma coisa é a liturgia parlamentar, o comportamento público sob o escrutínio atento da comunicação social e do público em geral, outra é o tratamento das questões de Estado dentro dos gabinetes.
Como quer que seja, em termos públicos, nunca, nem nos célebres e confrangedores (para Durão Barroso) entre António Guterres e o hoje presidente da Comissão Europeia, ao tempo líder do PSD, se tinha ido tão longe no confronto entre dois dirigentes políticos com tão elevado grau de responsabilidades.
O facto poderia ser meramente conjuntural, não fora a circunstância, penosa, de uma luta sem quartel que círculos do PSD desencadeiam contra Marques Mendes e as crises, que repercutem, objectivamente na vida dos social-democratas, ou seja, a situação de indefinição que se vive na Câmara de Lisboa, onde rumores não confirmados, informações cruzadas e os mais variados boatos se misturam nos últimos dias com muita insistência. Por outro lado, a crise do CDS acaba por ser seguida com alguma apreensão, ainda que seja um factor externo à vida do PSD.

Os cenários de Lisboa

É sempre difícil fazer a abordagem de assuntos que, pela sua própria natureza, estão sob investigação judicial e, nesse âmbito, sob segredo de justiça. Mas não é possível fugir a eles, quando se dá conta de que estão outra vez a inquinar relações e a contribuir para paralisar ainda mais o funcionamento da maior autarquia do País.
Garantem alguns meios que os próximos dias, até meio da próxima semana, muita informação (boatos, rumores ou conhecimento antecipado de factos ainda ocultos) será deslindada, e então se saberá se o actual quadro se mantém ou se há alterações de fundo e de que teor.
Vale a pena, em todo o caso, referir que o SEMANÁRIO pôde comprovar um desconforto em várias forças políticas pela situação que se vive na Câmara de Lisboa, ao ponto de voltar a reequacionarem-se alguns cenários que podem ocorrer perante desenvolvimentos resultantes de conclusões perante as investigações em curso.
Por exemplo: o cenário da queda de Carmona Rodrigues voltou a ser referenciado em vários círculos, nomeadamente pelo PSD. É certo que tal cenário só poderia resultar de uma de duas razões: a demissão voluntária (ou induzida…) do autarca ou a demissão forçada por qualquer facto eventualmente resultante das investigações em curso. Num caso ou noutro, pelo menos num primeiro momento, e tal como o SEMANÁRIO escreveu, há já algum tempo, a Presidência da Câmara de Lisboa seria assumida por Marina Ferreira, vereadora e recém-vice-presidente, logo após a saída de Fontão de Carvalho. O PSD aposta neste cenário de contingência, para evitar eleições intercalares. Do ponto de vista legal isso é absolutamente possível, sendo que também legitima a opção política e essa parece tomada. Ainda assim, o Executivo camarário pode cair…

A importância de Maria José…

A crise que se vive no seio do CDS/PP pode, por ironia do destino, ter uma enorme repercussão na Câmara de Lisboa, sobretudo perante o cenário (que alguns meios, de várias forças políticas, julgam provável para muito breve) de saída de Carmona Rodrigues. Vale a pena uma explanação sucinta sobre este tema.
Maria José Nogueira Pinto anunciou que pode estar iminente a sua saída do partido em face dos acontecimentos do último Conselho Nacional. Saia, ou não saia, em qualquer caso o seu protagonismo no interior do CDS tenderá a diminuir, por força da exposição sofrida e das atitudes que assumiu e que não foram do agrado das partes em litígio. Apesar de defender Nogueira Pinto, pelos ataques e vexames de que terá sido alvo no interior do último Conselho Nacional, Ribeiro e Castro não se coibiu de dizer que “nem sempre concordou com as decisões tomadas pela ainda presidente do Conselho Nacional”.
Ora Maria José Nogueira Pinto é vereadora da Câmara Municipal de Lisboa. Foi efémero o acordo que celebrou com Carmona Rodrigues, mas nada impede Marina Ferreira, se ascender à presidência da Câmara, voltar a negociar um acordo político com Maria José Nogueira Pinto, partindo do princípio de que, deixando o CDS, continuará como vereadora, na situação de independente. Tal acordo permitiria que o Executivo da Câmara voltasse à situação de maioria absoluta e, nesse sentido, o PSD blindaria a hipótese de recurso a eleições intercalares que não deseja e que tudo fará para evitar.
Permanece, porém, o cenário simétrico, isto é, PSD e Marina Ferreira (ou ainda Carmona Rodrigues, se se mantiver) não conseguirem um acordo político com Maria José Nogueira Pinto, então é a oposição que detém maioria absoluta, como neste momento e nesse caso, a ponderação política dos outros partidos será determinante para manter ou fazer cair o Executivo da Câmara. Dito de outra maneira: se os vereadores do PS, do PCP, do Bloco de Esquerda e Maria José Nogueira Pinto, em nome do CDS ou dele desvinculada, se demitirem em bloco, tal obriga a eleições intercalares, apenas para a vereação.
É claro que podem introduzir-se subcenários. Por um lado, a manifesta indisponibilidade do PS, uma vez que o PSD tem maioria absoluta na Assembleia Municipal, as próprias divergências internas que atravessam os vereadores socialistas e a eventual incapacidade de uma coligação de esquerda, tudo isso pode tolher iniciativas e favorecer as pretensões, afinal de todos, os quais, por razões diversas, apostam na manutenção da vereação, sem recurso a eleições. Uma coisa parece certa: a degradação chegou ao limite dos limites e só um milagre poderá inverter a situação. Aguardem-se, por isso, os respectivos desenvolvimentos.

Marques Mendes e as “pilhas”
De (muito) longa duração…

Apesar dos contratempos sofridos no debate parlamentar de anteontem, Marques Mendes quer seguir o seu percurso e vem adoptando, de há algum tempo a esta parte, uma estratégia de afirmação de liderança em voz alta. Até agora, o líder social-democrata ouvia imperturbavelmente as críticas que lhe eram feitas. A partir das críticas que lhe fez Manuela Ferreira Leite, mudou de atitude, passando a dizer: “Respeito as opiniões divergentes, mas sou eu quem lidera o partido. Disse-o no Conselho Nacional, reafirmou-o anteontem várias vezes durante o controverso diálogo travado com José Sócrates.” Esta diferença qualitativa comprova aquilo que se diz que Marques Mendes vem afirmando no interior do partido: “Sou um osso duro de roer e vou à luta.”
Um célebre barrosista terá dito recentemente a um deputado que se procurava aproximar dos santanistas, desencantado com Marques Mendes, qualquer coisa como isto: “Tem calma, porque quando chegar o momento haverá quem saia a terreiro para se candidatar à liderança, com muitas hipóteses de afastar o ‘gajo’.”
Nos meios “oposicionistas” do PSD existe a convicção de que não será fácil desalojar Marques Mendes e por isso atribuem-lhe as seguintes intenções: voltar a ganhar a liderança, escolher os deputados europeus, fazer a lista de deputados às próximas legislativas e ter uma palavra decisiva nas autárquicas. E depois com um conjunto de fidelidades à sua volta sentar-se-á no Parlamento, mesmo que seja substituído por outro líder na sequência da “inevitável derrota do PSD, se o rumo dos acontecimentos não for mudado”, como dizem esses adversários internos.
A questão magna subsiste porém: quem “saltará”, para disputar com Marques Mendes, a liderança do partido. Que apoios recolherá? Que hipóteses tem de vitória?
Para além do desgastado nome de Luís Filipe Menezes, há um conjunto de dirigentes aparentemente disponíveis, sobretudo se os seus apoiantes potenciais lhe estenderem a passadeira vermelha. Rui Rio é o mais citado, sendo que Aguiar Branco, António Borges e Nuno Morais Sarmento também são falados. É duvidoso porém que tenham a capacidade para vencer Mendes ou sequer que desejem afrontá-lo. Há um nome mais consensual que pode unir, mas que, por força das circunstâncias, se manterá no mais discreto dos recatos: chama-se Manuela Ferreira Leite e pode congregar consensos surpreendentes.
Por enquanto, o PSD continuará a ter na liderança Luís Marques Mendes. Este segue o percurso que se impôs e agora vai dar primazia à revisão do programa do partido e “cavalgar” a onda da Ota e da eventual baixa de impostos. Como diz com alguma irritação um deputado crítico: “Ele é como aquelas pilhas… dura, dura, dura…”